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Crítica | Bliss: Em Busca da Felicidade pode estar ao nosso lado

Por| 13 de Fevereiro de 2021 às 14h00

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Existe uma confusão muito provável a partir da primeira impressão deixada por Bliss: Em Busca da Felicidade. Teríamos assistido a um filme ambíguo, que deixa em aberto a sua percepção de mundo? Ou será que o conceito do roteirista e diretor Mike Cahill (de O Universo no Olhar — lançado em 2014) é fechado e aponta para uma única direção?

O ponto principal, antes de tudo, é que o filme em questão, antes de necessitar de compreensão, mira em sensações, em experiências. A partir disso, constrói sua história. Esta, sim, pode ter um caráter dúbio, mas talvez baste uma entrega maior, um tempo de digestão ou um pensar mais ativo sobre tudo para que se perceba o quanto o que foi visto é rico justamente por ser direto e real.

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Atenção! Esta crítica pode conter spoilers sobre o filme!

O peso

Claro que a maneira com a qual Cahill trata a realidade é metafórica (mas nem tanto), como muitas das melhores ficções científicas o fazem. Portanto, existe uma dramatização que consegue extrapolar o que é mais palpável para que, à primeira vista, o que é mostrado torne-se ameno. Isso traz um tom de sensibilidade que é fundamental para que Bliss: Em Busca da Felicidade seja mais facilmente digerível. A fantasia do filme, portanto, tem força para tirar tanto espectador quanto os protagonistas da realidade.

Nesse sentido, a existência por si só é algo sofrido demais para ser expositiva. Greg Wittle (Owen Wilson), recém-divorciado, despedido e sem perspectivas, vive em um mundo literalmente quase sem cor. A opção pela dessaturação das cenas cria uma atmosfera quase repulsiva. Praticamente sem brilho e em um mundo nublado, é construído um universo depressivo ao redor de um homem em colapso.

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Susceptível a qualquer pessoa que lhe estenda a mão, Greg logo se une a Isabel Clemens (Salma Hayek), alguém que, supostamente, tem a verdade sobre os fatos. Acontece que Cahill está muito mais interessado no mundo que está sendo formado dentro da mente da personagem de Wilson do que naquele que já tem consistência para Isabel. E, sim, são dois mundos diferentes — apesar de surgirem de um mesmo processo.

Isso porque Bliss (sem subtítulo no original), a esse ponto, é um estudo de personagem que, se já tem início com a consistência da depressão enquanto a doença que é, logo recai em uma das consequências desse mal. A satisfação de Greg em sentir-se com superpoderes a partir de uma droga consegue segurá-lo naquele novo mundo. As outras pessoas, tidas como irreais, passam a não ter mais o valor pejorativo que tinham em sua trajetória. Com isso, Greg começa a se desfazer do peso da ansiedade.

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O declínio

Tudo é erguido pela direção a partir de subtextos. Por mais que o filme não seja claro ao extremo, há, constantemente, a colocação do espectador dentro da experiência dos protagonistas. Isso fica mais nítido a partir da escolha de closes nos momentos mais introspectivos e, especialmente, quando da utilização da câmera subjetiva — colocando o público no lugar da visão de Greg e Isabel.

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Esses momentos, aliás, podem deixar tudo muito mais compreensível sobre o que está acontecendo. Seja quando, na pista de patinação, a dupla derruba todos os "irreais" com seus "superpoderes" e logo depois é presa — sem ter tocado nas pessoas na visão deles (e, propositalmente, na nossa); seja ao relacionar a agonia de Isabel observando Greg através de uma janela conversando com sua filha (Emily — Nesta Cooper); ou naqueles instantes que são reveladores: quando a impressão é que o efeito da droga mais forte começa a passar e o mundo maravilhoso, colorido e ensolarado inicia um declínio repentino.

Inclusive, neste último, é tudo tão sensível que a relação entre a história e os efeitos visuais é particularmente efetiva. Enquanto o então Dr. Wittle busca a filha escadaria acima, ele parece ter lapsos da dura e sombria realidade que é a sua vida, com ambos os mundos conhecidos até ali se fundindo. É, naquele momento, que o fantasma de Emily — aquela que nunca desistiu de Greg — consegue trazê-lo de volta ao mundo real.

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O despertar

A simbologia de Bliss: Em Busca da Felicidade, finalmente, é tão potente quanto triste. Ao mesmo tempo em que revela o sofrimento de um homem (e de uma mulher) depressivo e com crise de ansiedade, ergue uma experiência protetora — fruto de entorpecentes — que acaba com a vida de quem o ama também. É um mundo cruel, que corrói, que destrói tudo ao seu redor e que, em formato de uma sci-fi com flertes de fantasia, pode provocar a empatia por quem é arremessado nesse universo, além de promover perspectivas.

No final das contas, o conceito parece ser um só, mas, como acontece com os melhores filmes, ele (o conceito) pode ser interpretado de outras formas. A única direção para a qual Cahill aponta indica um caminho com muitas variáveis. A história, que pode ser dúbia, só precisa de uma conversa — tête-à-tête — entre espectador e filme para que se possa despertar e descobrir que Greg e Isabel podem estar na calçada de nossas casas, na porta dos nossos condomínios, nas esquinas pelas quais passamos...

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Bliss: Em Busca da Felicidade está disponível no Amazon Prime Video.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech