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Crítica | Alma de Cowboy frustra por ser apenas uma espécie de déjà-vu

Por| Editado por Jones Oliveira | 05 de Abril de 2021 às 21h00

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Alguns filmes conseguem criar uma aura bem interessante, como um campo de força contra o não-gostar. Seja pela história contada — geralmente edificante —, seja pelo elenco carismático e competente, seja pela sua ligação com a realidade, essas obras conseguem construir uma relação muito próxima com o espectador. Alma de Cowboy segue, em resumo, esse caminho, marcando, exatamente, esses três pontos do checklist.

O filme do estreante em longas-metragens Ricky Staub, portanto, é agradável em seu conjunto, com suas quase duas horas de duração passando relativamente de maneira rápida e indolor. Existem alguns momentos que são suficientemente genuínos, como os cavaleiros vistos através da janela de um ônibus por uma criança e sua mãe. Outros, porém, podem dar uma sensação de déjà-vu e o conjunto da obra parecer uma repetição de tantos outros filmes sobre amadurecimento, paternidade e amizade.

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Atenção! Esta crítica pode conter spoilers sobre o filme!

Dinâmica ingênua

Durante Alma de Cowboy, Staub demonstra que sua direção de elenco é refinada. Há uma química constante na relação parental entre Cole (Caleb McLaughlin) e Harp (Idris Elba) e na conexão fraternal entre Cole e Smush (Jharrel Jerome). Todos parecem estar sempre na mesma afinação, construindo um conjunto muito sólido. As transformações de McLaughlin e Jerome, inclusive, são incontestáveis — especialmente para quem os acompanhou, respectivamente, nas séries Stranger Things e Olhos que Condenam.

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Há, ainda, um elenco de apoio composto por membros reais da comunidade retratada e, sem exceção, todos têm um desempenho em sintonia — até mesmo para com os veteranos Elba e Lorraine Toussaint (a Nessie). Jamil Prattis (que interpreta o cadeirante Paris), por exemplo, pode lembrar o indicado ao Oscar LaKeith Stanfield (de Judas e o Messias Negro) em alguns momentos.

Contudo, acontece que toda a força das atuações pode não ser suficiente para segurar um roteiro que não dá material suficiente para uma dinâmica mais contundente. O texto do próprio Staub e do também estreante Dan Walser é recheado de diálogos fracos em momentos que a história precisa de porquês para se manter relevante e de frases prontas que quase soam piegas demais.

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Nesse contexto, "coisas difíceis vêm antes de coisas boas" pode ser um mantra óbvio demais — e socialmente complicado — para histórias de amadurecimento. Mesmo assim, talvez funcione no universo de Alma de Cowboy e, junto a algo como cavalos não são os únicos que precisam ser domados aqui, fundamenta a estrutura geral de um filme que chega a ser ingênuo.

O silêncio e a frustração 

Toda a ingenuidade de Concrete Cowboy (título original), por sua vez, parece transbordar nos planejamentos e nos olhos de Smush. A cena em que ele e Cole vão à festa de Jalen (Michael Ta'bom) talvez seja o ponto de tensão mais relevante do filme. Apesar da apreensão, que é fundamentada muito mais pela presença forte da atuação de Ta'bom do que por qualquer escolha da direção, a personagem de Jerome permanece ali, divertindo-se, achando-se mafioso (como ele mesmo menciona os "filmes de máfia"), enquanto cava sua própria cova.

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Mas Staub não quer (ou parece não querer) adentrar na seriedade desse mundo de forma permanente. Seu foco é Cole e, portanto, em um dos raros momentos em que sua escolha de plano diz mais do que tudo, o diretor expõe os amigos a uma completa pequenez, como se o mundo pudesse os engolir. Isso acontece, exatamente, antes de Smush discursar sobre o silêncio, sobre estar em busca do silêncio durante toda a vida. Mas, na sequência, o silêncio que o mundo lhe preparou acaba por ser outro muito mais direto, muito mais literal.

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De todo modo, toda a discussão social possível de Alma de Cowboy é minimizada por um roteiro despreocupado e por uma direção igualmente relaxada. Por essa perspectiva, o filme é, felizmente, concebido envolto pela grande aura protetora do não-gostar. E, depois de o elenco segurar as pontas durante as quase duas horas de duração em meio a raros momentos esteticamente instigantes de verdade — como Cole domando o cavalo Boo —, a realidade dá as caras nos créditos finais.

O pior é que as declarações reais podem ser tão inconclusivas ou insossas quanto o filme inteiro. Fica a sensação de que, para o funcionamento do conjunto, é necessário o conjunto de fato. Sendo assim, Alma de Cowboy é, sem dúvida, um filme que tem uma energia de comunidade e de relacionamento entre seus personagens muito acima da média, mas se torna frustrante por se conformar em ser, somente, um déjà-vu.

Alma de Cowboy está disponível no catálogo da Netflix.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.