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Crítica | After - Depois da Verdade e o abuso disfarçado de romance

Por| Editado por Jones Oliveira | 15 de Março de 2021 às 21h00

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Crítica | After - Depois da Verdade e o abuso disfarçado de romance
Crítica | After - Depois da Verdade e o abuso disfarçado de romance

Uma das dificuldades que as vítimas de relacionamento abusivo têm é de notar a situação que se encontram porque, desde a infância, dificilmente somos ensinados do que é de fato uma relação saudável. Embora não exista uma regra, mulheres costumam formar o maior número de pessoas que já estiveram num namoro ou casamento tóxico; e ao contrário do que é lido e visto em manchetes jornalísticas (quando, infelizmente, a situação já chegou num extremo), o abuso começa aos poucos e em discretas atitudes: muitas delas que as mulheres são ensinadas desde meninas a "acharem fofo".

O problema do "rapaz dos sonhos", que muitas jovens idealizam com base no que consomem ao longo da infância e adolescência, é justamente a quantidade de problemáticas que passam normalizadas e romantizadas durante seu processo. Falas como "ele te trata mal porque gosta de você" e pensamentos que relacionam atitudes ciumentas com preocupação distorcem a ideologia do "homem ideal", fazendo com que as garotas cresçam e achem normal estarem dentro de um relacionamento controlador e obsessivo.

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A culpa não é de ninguém em específico, embora quando os créditos finais de After - Depois da Verdade são exibidos, é inevitável procurar alguém para se culpar. A história do segundo filme (continuação de After, de 2019) foi baseada na série literária homônima de Anna Todd, publicada em 2014 e originada da fanfic de sucesso que escreveu no Wattpad quando era adolescente. Culpar a autora por escrever um abuso disfarçado de romance é equivocado (principalmente pela idade que tinha ao colocar suas palavras no ar), visto que assim como qualquer outra mulher, ela também cresceu rodeada de maus exemplos do que é de fato um relacionamento afetivo.

After - Depois da Verdade, no entanto, pode ser analisado com um olhar crítico para comportamentos tóxicos que passam despercebidos até crescerem na velocidade de uma bola de neve: seja nas atitudes do galã da história ou nas consequências emocionais que elas causam na protagonista, o filme é capaz de ser utilizado de forma didática para relações abusivas, quase que um alerta.

Atenção! A partir daqui o texto pode conter spoilers sobre o filme. Leia por sua conta e risco.

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"Essa é uma história que você já ouviu antes", começa Hardin (Hero Fiennes Tiffin) nos primeiros segundos de After - Depois da Verdade. Diferente do anterior, o bad boy toma conta da narração e da maioria das cenas do filme. Mergulhado em tristeza por ter magoado a jovem Tessa Young (Josephine Langford) ao apostar sua virgindade com os amigos, o garoto tem levado uma vida melancólica, usando o álcool para curar a própria dor e enchendo a caixa de mensagens da ex-namorada com pedidos de desculpas.

Já Tessa é vista pela primeira vez no filme à caminho de seu novo estágio na mais luxuosa e poderosa editora dos Estados Unidos: a Vance Publishing, mas que logo no início o filme já entrega incoerências em sua linha do tempo para o espectador. Após o final do anterior, Depois da Verdade não se preocupa em explicar ao público os eventos que ocorreram até o seu início. A última vez que a jovem foi vista em After foi após sua briga com Hardin, o que a levou a deixar o apartamento que dividia com o ex. Dessa vez, a única informação que o filme entrega é a quantidade de dinheiro que ela gasta para ir trabalhar diariamente, e não onde mora ou como conseguiu a tão concorrida vaga.

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Ao seu desenrolar, fica claro que After - Depois da Verdade não tem muito a oferecer em seu enredo. Com acontecimentos jogados na tela sem mais nem menos e beirando o surreal, o filme emenda seus eventos entre longas e exageradas cenas de sexo entre seus protagonistas, festas e brigas. Além disso, o título mostra que não sabe trabalhar com seus próprios coadjuvantes, que por muitas vezes pareceram mais interessantes do que os personagens principais do longa: com Charlie Weber (How to get Away with Murder), que interpreta o poderoso dono da editora, Christian Vance; Candice King (The Vampire Diaries), que dá vida à carismática Kimberly e Dylan Sprouse (Zack e Cody: Gêmeos em Ação) estreando na franquia como Trevor, o inteligente estagiário da Vance e a melhor performance do filme inteiro.

É em volta de Hardin e Tessa que o filme gira, e não necessariamente de uma forma fluida. Cheio de furos em sua linha do tempo, fica difícil para o espectador acompanhar a ordem de acontecimentos do filme, até o momento em que desiste e nota que o intuito de tudo aquilo é apenas mostrar os mais picantes momentos do casal principal. As problemáticas, no entanto, não dão trégua; variando entre momentos de crises obsessivas e comportamentos extremos — principalmente vindo de Hardin.

É tão inadequado chamar a relação entre os dois protagonistas de romance que chega a ser um insulto. Hardin lamenta desde a cena inicial que perder Tessa foi o pior erro que já cometeu em sua vida, prometendo amá-la mais do que qualquer coisa e implorando por uma segunda chance sempre que tem a oportunidade. Mas é só o rapaz se sentir ameaçado por qualquer pessoa (ou, literalmente, qualquer coisa) que a mais bruta e violenta crise é desencadeada e, de repente, todo o amor que jurava ter há segundos atrás é revertido no mais puro e destilado ódio, fazendo o garoto descontar a raiva fisicamente e verbalmente — muitas vezes, ofendendo a garota.

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Tessa é ameaçada mais de uma vez, psicologicamente. Embora não estejam juntos, Hardin quer ter o controle da ex-namorada, questionando-a sem necessidade o nome de um garoto aleatório que a beijou na noite anterior; o mesmo acontece com o colega de trabalho da jovem, Trevor, que embora nutra sentimentos por ela, nunca chegou a desrespeitar a "situação" que possui com Hardin.

Ele, no entanto, retrata muito bem o que é e como funciona um abuso psicológico, punindo Tessa sempre que se sente desrespeitado (até por motivos criados em sua própria cabeça), seja diminuindo a autoestima da garota, lembrando-a com quantas mulheres já dormiu na vida ou simplesmente sumindo, deixando-a sem resposta por dias para "se sentir culpada".

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Como se não bastasse, o longa ainda peca no pior estereótipo que poderia reforçar num ano como 2021: a rivalidade feminina, principalmente motivada à competição por um homem. Tessa não possui um arco tão extenso quanto o de Hardin nesse filme (visto que "seu momento" foi o primeiro filme), mas suas amizades com mulheres limitam-se à sogra e à chefe, uma vez que nem mais com a própria mãe a protagonista cortou contato por conta do namorado.

No entanto, o momento mais triste para o espectador de se assistir é a discussão na Festa de Ano Novo da universidade, em que vendo rostos do passado, a garota não vê outra alternativa a não se resolver antigos problemas com Molly (Inanna Sarkis, que atuou como antagonista em After) sem partir para a briga física ou chamar a outra de "vadia". Além de voltar para a má capacidade de lidar com os coadjuvantes, a questão aqui vai muito mais além, reforçando a ideia nada saudável de que todas as mulheres que rodeiam Hardin podem (e serão) rivais em potencial.

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After - Depois da Verdade é tão cheio de problemáticas que chega a ser triste e totalmente inadequado de se considerar um escapismo. Tão ruim ou até mesmo pior que seu antecessor, a franquia roteirizada e produzida por Anna Todd ainda possui mais dois filmes a caminho, porém pelo fato de terem uma mulher na direção de ambos (Castille Landon), há uma leve esperança desses elementos serem revertidos num futuro próximo. O longa está disponível no Prime Video.