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Crítica Awake | Apocalipse morno demonstra potência, mas empolga pouco

Por| Editado por Jones Oliveira | 11 de Junho de 2021 às 23h30

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Estamos vivendo coletivamente (como humanidade mesmo) uma experiência que nos tornou espectadores diferentes diante de histórias do fim dos tempos. Como os filmes de apocalipse estão sendo afetados pela pandemia, só poderemos ver melhor daqui a algum tempo, mas, por enquanto, já é possível refletir sobre como esses filmes chegam a nós e como eles nos atingem. Awake, da Netflix, nos engana com sucesso em seu trailer, mas não chega a ser um filme ruim, embora corra o risco de cair mais facilmente no esquecimento do espectador.

O papel de um trailer é, claro, fazer uma propaganda do filme, mas isso não significa que a publicidade precise ser enganosa. Enquanto algumas divulgações nos transmitem a essência de um filme com elementos que não revelam o elenco ou a trama, outros materiais deliberadamente tentam nos pegar pelo que consideram ser “mais atrativo para o público”. No caso de Awake, parece que a produção subestima a qualidade do próprio filme ou não acredita que os espectadores sejam capazes de se interessar por uma narrativa menos explosiva.

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Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

Apocalipse

Há muito que vemos filmes em que o mundo acaba de forma espetacular, ainda que seja através de zumbis. Muita ação, o relógio sempre contando para que os heróis não percam a última oportunidade de salvar toda ou uma parcela da humanidade. Adoramos essas narrativas falastronas, porque nos divertimos com elas. Por outro lado, alguns filmes, como Sentidos do Amor (2011) e Ensaio Sobre a Cegueira (2008), optam por versões mais sádicas do apocalipse e que se assemelham muito mais ao que estamos vivendo: um lento caminho para o fim, que, no nosso caso, soma uma pandemia a diversos outros problemas que se acumulam com aquecimento global, desigualdade social e tudo mais.

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Os bons filmes de apocalipse, além de entregar um bom entretenimento, também nos ajudam a refletir sobre a natureza humana ao colocar os personagens em diversos dilemas, geralmente com a vida de alguém em jogo. Nesses cenários, personagens são levados ao limite para nos ajudar a refletir sobre a ética das ações que tomamos sob pressão. Com a ideia de pessoas que não conseguem dormir, Awake tinha muito potencial para explorar discussões profundas através de seus personagens, mas não fez isso.

Infelizmente, Awake passa longe da citada adaptação da obra de José Saramago e entrega um filme que não vai muito além de uma história razoavelmente empolgante. O trailer nos mostra satélites caindo, avião destroçado e uma profusão de imagens que vendem uma aventura nos moldes dos filmes catastróficos como Impacto Profundo (1998). Quando assistimos ao filme, temos quase uma confirmação de o trailer foi intencionalmente desonesto.

O que ganhamos é uma ação interessante com uma personagem que foge dos estereótipos mais comuns de mães e não entrega uma mulher mais ou menos padrão que acaba se tornando badass, mas traz uma personagem com um background tenso que fica apenas subentendido, com as situações-limite do apocalipse servindo para revelar o quão preparada ela é.

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Na marra

Awake nos prepara para a ação e nos entrega um filme que tinha tudo para ser uma sci-fi de terror filosófica, mas é uma aventura de ação em família… e claro que nenhum deles morre. Isso poderia ser o menor dos problemas, não fosse como isso é desenvolvido: é constante a sensação de que a montagem tenta disfarçar a enrolação do roteiro e a incapacidade da direção de prever que o modo como tudo estava sendo mostrado não fazia sentido.

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É pouco provável que Matilda (Ariana Greenblatt) teria conseguido fugir da igreja com aquela facilidade, por exemplo. Também não faz muito sentido que aquelas pessoas, supostamente sucumbindo à impulsividade e a toda sorte de sintomas, conseguissem contradizer sua própria fala, agindo como tontos enquanto tentavam demonstrar agressividade. O filme todo acaba parecendo um enorme engodo quando, ao final, Noah (Lucius Hoyos) retorna à vida, reavendo sua capacidade de dormir. Após tantas pesquisas, é muito pouco provável que médicos não tivessem notado a cura ao longo de quatro ou cinco dias: cada paciente que acabasse morrendo e retornando pouco depois também seria "curado", fazendo com que as emergências de hospitais fossem vistos como verdadeiros centros de milagres.

O roteiro também força bastante quando coloca a família em um risco bastante desproporcional. Toda vez que eles estão encurralados, o roteiro recorre a um recurso conhecido como deus ex machina, que, traduzindo livremente, significa trazer algo do nada para encaminhar os personagens rumo ao destino desejado. Com isso, quando Jill gasta sua última bala em uma tentativa de assustar um ex-presidiário, os números que estavam contra ela foram anulados pelo aparecimento de Dodge (Shamier Anderson). Inclusive, se quisermos falar de verossimilhança, é justo dizer que nem mesmo com o carro eles teriam escapado do exército de ex-detentos com cara de que estavam dispostos a fazer qualquer coisa.

Ao longo da história, o uso de deus ex-machina começa a forçar a barra e a experiência começa a ficar cansativa, não ficando pior graças ao surto dos soldados que, após confundirem uma pinha com uma granada, criam um verdadeiro massacre, caótico o suficiente para evitar o nosso sono. No final, descobrimos que não foi a ação humana, de curto ou longo prazo, que causou o cataclisma: foi uma explosão solar. Vida que segue.

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Assim, Awake é um filme que pode nos dividir. Há uma grande potência na história, Gina Rodriguez está bastante bem como mamãe badass e a ideia de pessoas sem sono gera umas tribos bem assustadoras. Por outro lado, o roteiro parece ter ignorado tudo o que há de melhor na ideia, explorando a trajetória dos personagens como quem segue uma cartilha que precisa ser preenchida à risca.

Awake está disponível no catálogo da Netflix.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.