A validade dos prints de WhatsApp em processo judicial
Por Douglas Ribas Jr. |

Dois anos atrás publicamos aqui no Canaltech um artigo sobre a validade do WhatsApp como prova em juízo.
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Memória digital em celular de falecido é direito do herdeiro?
- Usar nome de concorrentes como palavra-chave de anúncios online é desleal?
Nele, abordamos especialmente os seguintes temas:
- i. Requisitos legais para a validade de um print do WhatsApp como meio de prova;
- ii. A possibilidade de impugnar a prova apresentada, isto é, questionar a veracidade e
a validade dela; - iii. Explicamos o que é uma ata notarial e o elevado custo para sua emissão;
- iv. Apresentamos alternativas para a substituição da ata notarial com valor muito mais
reduzido.
Caso tenha interesse em ler tal artigo na íntegra, ele pode ser encontrado neste link.
Diante da velocidade das atualizações do aplicativo e tendo em vista o dinamismo das relações sociais, voltamos ao assunto, trazendo recentes situações que foram levadas à Justiça do Trabalho e seus desfechos, ou seja, proporcionando ao nosso leitor conhecimento como vem sendo, na prática, o entendimento dos juízes sobre as tentativas de uso de prints do WhatsApp nos processos perante as varas trabalhistas de alguns Estados.
As duas primeiras decisões adiante transcritas demonstram a aceitação das telas do WhatsApp como meio de prova para processo judicial.
Nesse primeiro processo, o Tribunal Trabalhista de São Paulo se posicionou pela validade das conversas apresentadas, uma vez que, a empresa impugnou as mensagens de forma genérica, sem argumentos razoáveis que indicassem uma fraude, o que acarretou com que a prova tivesse validade:
- 1. CERCEAMENTO DE DIREITO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. Conforme o art. 765
da CLT, o juiz deve evitar medidas protelatórias do feito. Por isso, não há falar em
cerceamento de defesa quando indeferida a oitiva de testemunha para a prova da
contradita, se o depoimento testemunhal não foi o único elemento de prova a
formar sua convicção do magistrado. VALIDADE DAS CONVERSAS DE
APLICATIVO DE MENSAGENS. As conversas de aplicativo digital são
consideradas meio de prova idôneo e são admitidas como prova válida
quando a impugnação da parte contrária é genérica e desprovida de
argumentos sólidos. De fato, a empresa-recorrente não apontou no
documento nenhuma situação que possa configurar ao menos indício de
montagem ou de fraude. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. Os pais, do empregado
falecido sem deixar dependentes habilitados perante o INSS, possuem legitimidade
ativa para figurar na ação trabalhista, conforme a Lei 6.858/1980 e o art. 1836, § 1º
do Código Civil. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A reclamada admitiu a prestação de
serviços e atraiu para si o ônus de demonstrar a veracidade de suas assertivas. As
provas apresentadas, incluindo depoimentos e conversas de aplicativo, comprovam
a existência de liame de subordinação entre o empregado falecido e a reclamada.
Mantém-se o julgado de primeiro grau de jurisdição para deferir o pleito de
reconhecimento de vínculo empregatício.
(TRT da 2ª Região; Processo: 1000090-39.2021.5.02.0045; Data: 28-06-2023;
Órgão Julgador: 6ª Turma - Cadeira 5 - 6ª Turma; Relator(a): CESAR AUGUSTO
CALOVI FAGUNDES)
No caso abaixo, o Tribunal mineiro também se posicionou pela validade desse meio de prova, desde que ele seja fidedigno e que a apresentação dessa prova possa se dar de diversas formas. Desde a ata notarial até o simples print de tela:
- 2. WHATSAPP. MEIO DE PROVA. VALIDADE. Os meios eletrônicos de
mensagens geram fatos que podem ser aproveitados como provas em
processos judiciais, sempre que as conversas e os áudios sejam fidedignos e
reproduzidos validamente. Ademais, adunados aos autos com expressa
concordância das partes, daí porque são documentos aptos a produzir efeito
processual. Eles podem vir por ata notarial, transcrições, print de telas, dentre
outras formas, eis que o importante é o conteúdo das mensagens.
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010265-23.2018.5.03.0034 (ROT); Disponibilização:
04/07/2019, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1001; Órgão Julgador: Terceira Turma;
Relator(a)/Redator(a): Convocado Vitor Salino de Moura Eca)
Mas, nem tudo são flores!
Importante expor o outro lado da moeda: casos nos quais as conversas havidas via WhatsApp não foram aceitas como meio de prova em processos judiciais.
A decisão abaixo, proferida por juiz do Estado da Paraíba rejeitou a prova de que a reclamante realizou funções que não eram de sua atribuição durante o contrato de trabalho. Para o magistrado, a empresa questionou a validade dos prints e caberia à autora do processo provar que eles eram autênticos. Tarefa que poderia ter sido realizada por meio de laudo feito por outras entidades, como a Verifact sugerida pelo juiz, empresa que citamos no nosso outro artigo:
- 3. “Além disso, as partes demandadas impugnam as mensagens de anexadas aos
autos pela reclamante, ao argumento de que são facilmente Whatsapp
manipuláveis, não vindo acompanhada de ata notarial ou se submetido a uma
perícia técnica.
(...)
As capturas de tela de conversas do Whatsapp, carreadas aos autos pela
reclamante e que mostrariam ordens emanadas por seu empregador para realizar
a limpeza de alguns artefatos bem como do estabelecimento, foram inteiramente
impugnadas pelos reclamados.
Em se tratando de provas digitais, havendo impugnação da parte contrária,
sua aceitação como meio de prova depende da respectiva autenticação
eletrônica ou, não sendo possível, da realização de perícia, conforme dispõe o
art. 422, § 1º, do CPC. Destarte, o ônus da prova quanto ao meio digital cabe à
parte que produziu o documento quando se tratar de autenticidade, conforme
art. 429, II, do CPC.
Doutrina e jurisprudência se referem à possibilidade de realização de ata notarial
acerca do conteúdo de conversas do ou sobre Whatsapp qualquer outra prova
digital, ou à produção de laudo emitido por entidades terceiras, a exemplo da
Verifact.
Tais procedimentos não foram observados pela parte autora.
Assim, uma vez que impugnadas pelos reclamados as mensagens em comento, as
capturas de tela coligidas aos autos, bem como o áudio e sua transcrição,
não podem ser eles aceitos como prova.
Portanto, reputo que inexiste prova de que a reclamante realizava tarefas
inerentes a outras funções.
(TRT da 13ª Região; Processo: 0001002-27.2022.5.13.0008; Data: 09-03-2023; 2ª
Vara Do Trabalho De Campina Grande/PB, juiz do trabalho Carlos Hindemburg De
Figueiredo)
Na mesma linha do processo acima, também se posicionou o Tribunal de Minas Gerais ao enfatizar que os prints de tela sem comprovação do registro da cadeia de custódia digital não são provas seguras e devem ser desconsiderados:
- 4. PROVA DIGITAL EXTRAÍDA DE MEIO DIGITAL. REQUISITOS DE VALIDADE.
NORMA ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013. Via de regra, a juntada de capturas de
tela com teor de conversas extraídas do aplicativo Whatsapp é considerado
meio válido de prova, já pacificado pela jurisprudência. No entanto, a Norma
ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013 (norma técnica que estabelece diretrizes para a
identificação, coleta, aquisição e preservação de evidências digitais), define os
conceitos e os princípios relacionados à cadeia de custódia digital, que é o
conjunto de procedimentos documentados que registram a origem, a identificação,
a coleta, a custódia, o controle, a transferência, a análise e o eventual descarte das
evidências digitais. Sob essa ótica, as mencionadas capturas de tela, sem a
comprovação do registro da cadeia de custódia digital (o qual se presta a
provar a não adulteração do teor das mensagens), não podem ser tomadas
como fonte segura de prova, mormente se impugnadas pela parte contrária,
como no caso dos autos. Isso porque não há como se certificar de que conservam
sua integridade, principalmente sobre teor e autoria das mensagens.
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0011153-93.2022.5.03.0052 (ROT); Disponibilização:
11/08/2023, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 954; Órgão Julgador: Segunda Turma;
Relator(a)/Redator(a): Maristela Iris S. Malheiros)
O que se vê das decisões acima é que o Judiciário tende a rejeitar os prints de tela do WhatsApp como prova nas hipóteses em que a parte contrária no processo venha a questionar a autenticidade desse material em razão de não estar acompanhado de um laudo ou de uma ata notarial. Havendo impugnação, é dever da parte que o apresentou fazer prova através de autenticação eletrônica ou perícia judicial para comprovação e aceitação.
Não se pode negar também que o bom combate entre as partes, por seus advogados, é crucial para a aceitação ou não dos prints de tela sobre conversas no aplicativo. Afirmar e rebater adequadamente têm peso de ouro na demonstração da verdade. Sem contar que é fato que mesmo sem a autenticidade, se o teor das conversas do WhatsApp estiver fortalecido por outras provas, sem dúvida tal fato servirá de elemento formador da convicção do juiz. O contexto é muito importante para o bom uso dos prints.
Para finalizar, reforçamos a mensagem de que dependendo do uso que se queira fazer das conversas via WhatsApp e, em especial, do quanto essa prova será relevante para dar validade e segurança ao que está sendo alegado, é de suma importância não confiar apenas no uso de simples capturas de tela, cogitando-se a utilização de outros recursos como os mencionados neste artigo, enfraquecendo por completo o intuito da parte contrária em descaracterizar a prova.
Escrito em coautoria com Anderson Fortti Pereira