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O Poço | Possíveis furos de roteiro e final explicados (ou não)

Por| 06 de Abril de 2020 às 13h00

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Latido Films / Netflix
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Atenção! Este texto contém spoilers!

O Poço (disponível na Netflix) teve uma grande repercussão, ganhando fãs e muitas discussões sobre os simbolismos, sobretudo com relação ao final do filme. O colunista Renaldo Matadeen, do CBR, deu a sua versão sobre alguns dos principais pontos do filme, comentando seus possíveis furos de roteiro e explicando seu final.

Segundo Matadeen, O Poço "testa a determinação dos presos em uma torre espanhola neo-futurista". Embora "testar a determinação" seja algo bastante arriscado de se dizer, afinal muitos estão ali contra a própria vontade, ainda assim é um viés interessante de ser pensado. Após descrever parte da trama, o autor descreve o final dizendo que “no andar de baixo, quando a mesa vazia volta aos chefs que administram as instalações e testam a ganância da humanidade, Goreng envia uma jovem misteriosa de volta para lembrá-los de que a humanidade ainda acredita em esperança”; e acrescenta que “há alguns buracos cruciais na trama que desvendam o grande final de Goreng”, ponto do filme que é mais amplamente discutido em todas as formas de fórum internet afora.

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Um dos furos de roteiro reivindicados pela análise de Matadeen diz que vermos Goreng e Baharat descerem com a plataforma “é contraintuitivo porque o filme esquece a regra principal segundo a qual a plataforma opera. As elites deveriam ter visto as ações da dupla e interrompido a insurreição aquecendo ou congelando os níveis”. Acontece, no entanto, que o congelamento ou aquecimento só acontecem caso alguma comida fique em um andar fora da plataforma e não parece haver uma regra clara sobre os prisioneiros subirem na plataforma, o que acredito estar dentro do livre arbítrio deles da mesma forma que está a escolha pelo suicídio.

Madateen ainda sustenta essa ideia ao dizer que “o primeiro companheiro de equipe de Goreng, Trimagasi, disse anteriormente que não se pode interferir no plano e a mesa tem que descer para os presos tomarem suas decisões por livre arbítrio”. O plano, aqui, nada mais é que a ideia de que a plataforma surge no primeiro andar com a comida intacta e desce todos os 333 níveis, voltando em seguida. A ideia de que não é possível interferir no plano, no entanto, não parece ter a ver com as atitudes dos habitantes do Poço e, mesmo que tenha, não é algo conhecido por nós: não temos, em momento algum do filme, acesso ao funcionamento do Poço por parte do Sistema, tudo o que temos são vivências e opiniões de pessoas inseridas no Sistema. Mesmo a personagem Imoguiri (Antonia San Juan), que trabalhava para o Sistema, descobre que não tinha noção alguma de como realmente funcionava aquele ambiente. Em resumo: mesmo as regras que parecem claras sobre O Poço podem ser questionadas simplesmente porque as fontes não são confiáveis.

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O segundo ponto levantado por Madateen diz respeito à polêmica sobre a garota do 333. Segundo ele, não é possível que a criança fosse filha de Miharu, porque “Imoguiri revelou anteriormente que nenhuma mulher grávida poderia entrar no poço.” Isso, no entanto, não é suficiente para negar a maternidade de Miharu. Conforme expliquei acima, Imoguiri acaba revelando que, apesar de estar muito próxima da elite que controla o Poço, nem mesmo isso foi suficiente para que ela tomasse conhecimento do que acontecia dentro do local, ou seja, mesmo que ela insistisse em dizer que grávidas e crianças não eram admitidas, não significa que isso não acontecia sem ela saber. Apesar de ser funcionária do Sistema, Imoguiri era tão ignorante sobre ele quanto qualquer outra pessoa do Poço.

MADATEEN – Além disso, a garota tem cerca de oito ou nove anos, então não há como ela sobreviver ali por tanto tempo. Miharu nem teria tido tempo para fazê-la e criá-la desde criança, especialmente porque Trimagasi disse que ninguém fica na torre por tanto tempo. A matemática simplesmente não se compara e, visto que a garota tem um macacão do tamanho de uma criança, seria razoável que as elites soubessem sobre ela ou até a colocassem em algum nível.

Essa interpretação tem diversos pontos refutáveis: não sabemos nada sobre a sobrevivência da criança simplesmente porque só a conhecemos através da visão dos protagonistas: obviamente algo sustentava a vida daquela criança naquele local, apenas não sabemos quem ou o que. A alternativa plausível, aqui, é de que ela seria uma ilusão dos protagonistas, o que é perfeitamente aceitável no contexto do roteiro, ainda que não seja a minha interpretação favorita.

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Outro ponto levantado pelo autor diz respeito à informação dada por Trigamasi e também carece de respaldo porque o personagem, embora tenha algum conhecimento sobre o local, não vê o Poço senão como prisioneiro, inserido no Sistema. É preciso lembrar que tudo que os personagens falam sobre o local é passível de refutação se pensarmos que cada um tem uma visão própria de como funciona o Sistema (o que penso ser um dos melhores pontos de reflexão do filme).

Madateen ainda finaliza dizendo que “claramente as regras foram quebradas pela equipe criativa [roteiro] para adicionar drama ao final”, o que chega a ser uma crítica pouco polida ao trabalho de David Desola e Pedro Rivero, que não entregaram uma história tão complexa que fosse passível desse tipo de acusação. Uma vez que todas as regras sobre O Poço são explicadas por prisioneiros do local, cabe a nós, espectadores, não tomarmos opinião como lei. E essa é uma excelente lição para a contemporaneidade.

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Fonte: CBR