Marvel 85 Anos | Conheça a “história secreta” da Marvel Studios
Por Claudio Yuge |
Ao olhar para trás nestes últimos 16 anos e observar como a Marvel se tornou absurdamente popular por conta dos filmes da Marvel Studios, muita gente que teve o primeiro contato com as propriedades da empresa por conta do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês) talvez nem se dê conta de que a Marvel Comics chega em 2024 aos seu 85 anos de vida.
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E como a Casa das Ideias chega a essa idade no auge de sua fama, nada melhor do que celebrarmos relembrando um pouco dessa trajetória de sucesso, com um resumo do que aconteceu até aqui; e o que esperar da companhia nos próximos anos.
Em vez de começar do jeito tradicional, lá de trás, acho que o melhor é iniciar esse revival da trajetória da empresa justamente no ponto em que houve um salto absurdo para sua marca: a ascensão da Marvel Studios.
A “história secreta” da Marvel Studios
Quando a Marvel Studios emplacou Homem de Ferro, em 2008, após ter falhado com suas produções anteriores, a Marvel Entertainment estava passando por uma crise interna, justamente quando a Marvel Comics finalmente tinha entendido como atualizar seus personagens para uma base de fãs que demorou a demonstrar sinais de renovação.
“Projetos anteriores da Marvel Studios?” Sim, embora O Incrível Hulk e Homem de Ferro tenham dado a largada para o MCU, a Marvel Studios existia já desde 1993. Contudo, até 2015, o estúdio era uma subsidiária da Marvel Entertainment, que originalmente buscava nesse braço uma forma de capitalizar as propriedades em merchandising — ou seja, lucrar com brinquedos, camisetas, entre outras licenças para outras mídias.
Antes de continuarmos essa narrativa, é preciso lembrar de importantes fracassos de Stan Lee por cerca de 20 anos antes, entre o começo de 1970 e o começo de 1990. Lee já não atuava diretamente na parte editorial desde o começo dos anos 1980, quando nasceu a Marvel Productions. Ele via o potencial das propriedades da empresa em outras mídias, e, com essa frente, tentou emplacá-las em filmes, séries animadas e live-action, enfim, em todas as novas frentes que pudessem aumentar a popularidade e os ganhos da empresa fora das revistas.
Contudo, uma lista de variáveis desse contexto, que vão desde falta de interesse, roteiros ruins, visão limitada dos executivos, mercado despreparado e tecnologia insuficiente; e o próprio entendimento raso de como realizar o conceito de transmídia, transformaram os planos de Lee em adaptações de qualidade duvidosa que não cumpriram o objetivo esperado naqueles anos 1980 sem internet.
Eis que os anos 1990 trouxeram um panorama inicialmente animador, com o crescente mercado de merchandising, principalmente de brinquedos, e, neste cenário, a figura de Isaac (Ike) Perlmutter ganhou força. O executivo, conhecido no mercado da época por sua habilidade na negociação de ativos, conseguiu trazer muita grana com as propriedades da Marvel por meio da ToyBiz, e foi aí que nasceu a Marvel Studios.
Mas isso seria um capítulo sombrio nos 85 anos da companhia, com eventos que afetam a companhia até hoje.
O começo conturbado da Marvel Studios
A Marvel Studios, nas mãos de Ike, em 1993, não era exatamente uma produtora, um estúdio por assim dizer. Era apenas um escritório de licenciamento de propriedades para popularizar marcas que o executivo pudesse capitalizar com merchandising posteriormente.
Então, vários desenhos animados que vimos nos anos 1990 foram produzidos por outros estúdios. Algumas frentes foram muito bem, como os licenciamentos para a Fox Animation, que trouxe pérolas como X-Men e Homem-Aranha — embora Quarteto Fantástico e Homem de Ferro tenham falhado. Nos games, os títulos da Capcom também deram certo, ainda que outros não tenham alcançado o sucesso esperado, a exemplo do jogos de X-Men e Homem-Aranha para consoles de 8 bits e 16 bits.
Mas o que pegou mais foi nas telonas, principalmente por conta do momento em que a Marvel Comics, assim como todo o mercado de HQs de super-heróis, vivia. Era uma época de declínio, com histórias apelativas e poucos gibis realmente se dando bem, a exemplo de X-Men ou Homem-Aranha.
O mercado de HQs de super-heróis vivia a fadiga de tramas formulaicas, sem novidades, e a chegada de outras mídias e formas de entretenimento, turbinadas pela internet, causaram uma debandada de leitores. No final dos anos 1990, o público não se renovava e as vendas caíam vertiginosamente, a ponto de a Marvel Comics entrar com pedido de falência.
E aí entra uma decisão de Ike que afeta a Marvel até hoje. Como Blade tinha sido licenciado pela Marvel Studios com relativo sucesso, o executivo capitaneou a venda dos direitos de várias propriedades para estúdios interessados em começar uma nova era de adaptações — no final dos anos 1990, filmes como Matrix mostravam o caminho para isso.
Então, a Marvel Comics, para conseguir um alívio financeiro, vendeu direitos de propriedades em contratos com cláusulas absurdas, com licenciamento vitalício, sob certas condições. E, assim, essa primeira encarnação da Marvel Studios praticamente “morreu”.
A retomada da Marvel Studios
No começo dos anos 2000, quando a 20th Century Fox, a Universal Pictures e a Sony Pictures (e Columbia Pictures) passaram a usar com sucesso propriedades famosas, a Marvel Comics passava por uma interessante reestruturação que começou a dar certo.
Personagens como Capitão América, Homem de Ferro, Thor, e os próprios Vingadores, voltaram a ser os principais ícones da editora, a partir de uma reformulação com novos escritores que chacoalharam a indústria e compreenderam como atualizar os heróis e vilões de forma dinâmica.
O bom momento da editora levou a Marvel a acreditar em um estúdio próprio, principalmente porque um cara que já tinha trabalhado como assistente de produção nos filmes que fizeram sucesso na Fox apresentou ideias mais fieis ao DNA da empresa. Kevin Feige não somente presenciou o que dava errado, como também tinha o apoio de criadores da editora na criação de um universo conectado realmente parecido com as revistas.
E assim a Marvel Studios renasceu, de forma modesta, com um orçamento pequeno, mas com Feige acionando as peças certas, customizadas para cada produção. E, com o apoio dos “arquitetos” da Marvel Comics, ele conseguiu criar um projeto transmídia nunca visto no entretenimento.
Posteriormente, ele teve que enfrentar a resistência de Ike, em uma matéria que escrevi com detalhes, e que mostra como a Marvel Studios cresceu quando a Disney deu mais poderes a Feige, em uma “Guerra Civil interna” na companhia.
Tudo bem que a Marvel Studios não passa por um bom momento atualmente, embora Deadpool & Wolverine tenha renovado as esperanças. Contudo, não dá para negar que, pelo menos, o DNA de 85 anos da Casa das Ideias está presente no MCU.
A trindade por trás de “humanos querendo ser deuses”
É claro que os 16 anos de sucesso da Marvel Studios e as 31 primaveras de sua criação só foram possíveis graças a várias outras figuras importantes na construção de um empresa que celebra 85 anos em 2024. A Marvel é o que é atualmente, principalmente, por conta de uma trindade de gênios.
A Marvel Comics nasceu, na verdade, como Timely Publications, em 31 de agosto de 1938, a partir do lançamento de Marvel Comics #1, que apresentou o Tocha Humana original (não o do Quarteto Fantástico), e Namor, o Príncipe Submarino. Em 1941, a editora teve um grande salto de popularidade durante a Segunda Guerra Mundial, ao emplacar o Capitão América como um símbolo patriota do povo estadunidense.
Durante a década de 1950, a empresa passou a ser conhecida como Atlas Comics, até 1961, quando, então, abraçou o nome Marvel Comics. Foi neste mesmo ano que a editora deu a largada para seus principais ícones: Quarteto Fantástico, Homem-Aranha, Hulk, Thor, Homem de Ferro, X-Men, Vingadores e outros.
Tudo isso foi possível graças ao storytelling inovador, robusto, criativo e envolvente da trindade de gênio Stan Lee, Jack Kirby e Steve Ditko. Foram eles que determinaram a principal diferença entre a Marvel e a DC: enquanto a DC pode ser definida como “deuses querendo ser humanos”, a Marvel sempre será “humanos querendo ser deuses”.
Foram os três que povoaram a galáxia com os Kree e Skrull e criaram os poderes dos mutantes, assim como os artefatos únicos, a exemplo das Joias do Infinito ou o vibranium e adamantium. E, embora, também tenham inventado locais fictícios na forma de Wakanda, sempre se preocuparam em ambientar suas histórias em cidades reais, com preocupações mundanas.
Essa trindade estabeleceu o que é a Marvel: o Homem-Aranha não tem como tema principal um rapaz com poderes fantásticos de uma aranha; suas histórias falam sobre alguém que, mesmo sofrendo tragédias pessoais e tendo que pagar contas, além de tirar nota na escola, consegue apanhar do mundo e absorver o ódio para devolver amor sem se corromper.
Se você apanha do mundo, mas ainda assim, mesmo com o poder de devolver essa violência, decide não se corromper para devolver coisas boas, então também é um Peter Parker. É essa mensagem que todos os poderosos heróis falíveis da Marvel transmitem até os dias atuais.