Crítica Velozes e Furiosos 10 | Caótico como uma festa de família
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Já tem tempo que Velozes e Furiosos deixou de ser uma série sobre carros e se tornou uma franquia de super-heróis. Das missões cada vez mais grandiosas para salvar o mundo às sequências de ação impossíveis e exageradas, pouca coisa separa a família de Toretto (Vin Diesel) de universos como Marvel e DC. Como Velozes e Furiosos 10 bem mostra, até o elenco acaba sendo o mesmo.
O novo filme sabe aproveitar o carisma do ator e usar isso a seu favor para criar esse bandido que é uma ameaça para todo mundo e se mostra desde o início como alguém muito letal, mas que não cai na caricatura vilanesca de sempre. Pelo contrário, ele é todo cheio de trejeitos e deboches que Momoa entrega de forma muito espontânea, de modo que o vilão seja a melhor coisa do longa com certa facilidade.
O ator está muito solto e se divertindo no papel, o que fica evidente na tela. E, seja por mérito do próprio Momoa ou da direção de Louis Leterrier, esses exageros de Dante não são afetados demais — o “efeito Jack Sparrow” que tanto vimos em outras produções —, o que faz com que seja sempre muito interessante vê-lo em cena.
Nesse sentido, o vilão está muito mais próximo de um Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas do que do pirata de Johnny Depp. Ele é aquela ameaça caótica, um típico Joker, assim como era o personagem de Heath Ledger, inclusive em seus planos mirabolantes e cheio de reviravoltas — ainda que um tanto forçadas aqui e ali. A diferença é que, no caso de Velozes e Furiosos, o palhaço está sendo 100% Momoa.
E se é um pouco exagerado dizer que ele carrega o filme nas costas, podemos pelo menos afirmar que ele divide muito bem esse fardo com personagens já estabelecidos na franquia, de formaque ele está se sentindo em casa e aproveitando a oportunidade de brincar em cena.
Isso é importante porque esse jeito caótico e bonachão que o ator dá a Dante faz com que ele seja muito mais do que o clichê do passado que vem assombrar o herói. Como dito, esse tipo de personagem já foi explorado à exaustão no cinema de ação e é essa personalidade que Momoa imprime em seu vilão é que faz ele se destacar com tanta facilidade.
Família até o talo
Só que Velozes e Furiosos 10 não é (apenas) sobre Dante e Jason Momoa. Na verdade, o vilão é quem coloca Toretto contra a parede na sua missão de fazer o herói sofrer — e é aí que o filme dá algumas derrapadas. A principal delas é que, em momento algum, você realmente sente que os personagens principais estão correndo algum risco.
E não só porque o longa é tão acelerado e com cenas tão impossíveis que nada parece atingir os protagonistas. Isso também, mas o ponto é que o plano de Dante não coloca ninguém importante em perigo de verdade. Até mesmo aquela cena do trailer em que ele questiona o Vin Diesel sobre quem escolher é usada para se referir a dois desconhecidos que pouco importam para o público.
É claro que há alguns reveses com os membros da família, mas nada que realmente mostre o vilão como essa figura implacável. Ele sempre está dois passos a frente dos heróis, mas o resultado disso são sempre grandes perseguições, alguns tiroteios, mas nada que faça você temer pela vida de alguém.
Assim, Velozes e Furiosos 10 precisa apelar para aquilo que a franquia tem de mais fraco: a parte dramática. Depois de 20 anos de série, Vin Diesel ainda acha que consegue segurar cenas mais emotivas e toda tentativa de criar esse vínculo entre Toretto com seu filho, com a esposa Letty (Michelle Rodriguez) e com todo o restante do elenco principal é deveras lamentável.
O astro não segura esses momentos e o que lhe resta é repetir à exaustão falas de efeito sobre a importância da família, ignorando que isso já virou piada entre o público. Mais do que isso, há todas as caras e poses que já viraram marca do personagem, mas continuam horríveis mesmo depois de tanto tempo.
Quem escolher?
A pergunta de Dante para Toretto sobre a dificuldade de lidar com uma família grande também é um problema com o qual Velozes e Furiosos 10 precisa lidar: afinal, com tantos personagens fazendo parte desse núcleo central, qual salvar e qual sacrificar?
A solução óbvia encontrada pelo roteiro é dividir os protagonistas em diferentes grupos, ainda que nem todos eles funcionem como deveriam. A incapacidade dramática de Vin Diesel é compensada pelas grandes cenas de ação, mas o mesmo não pode ser dito pelo núcleo composto por Roman (Tyrese Gibson), Tej (Ludacris), Ramsey (Nathalie Emmanuel) e Han (Sung Kang).
Em tese, eles deveriam ser o alívio cômico do filme. Após caírem em uma armadilha de Dante, eles acabam separados de Toretto e dos demais e viajam o mundo tentando chegar ao ponto de encontro. Na prática, porém, as tentativas de criar cenas engraçadas baseadas nas implicâncias entre Roman e Tej não funciona e ainda atrapalha o andamento das demais histórias.
Toda essa trama deles está solta dentro do roteiro e não se conecta com nada do que os demais núcleos estão fazendo. É quase um longa paralelo que se desenrola na Europa e que não impacta naquilo que os demais personagens estão fazendo. E é algo que também não vale pelo valor cômico, já que o próprio personagem de Momoa se revela muito mais feliz nessa missão do que o quarteto.
O ponto é que eles estão ali apenas para criar deixas que vão ser usadas para o próximo filme, como o retorno de Shaw (Jason Statham). E não há problema nisso. O que realmente incomoda é o quanto todo esse arco toma de tempo da produção para não entregar nada de relevante em troca. Tanto que a personagem de Michelle Rodriguez também embarca em uma missão própria, mas sem causar essa impressão de que está desviando a atenção do longa.
O valor do caos
Vamos ser sinceros: ninguém vai ver Velozes e Furiosos 10 pelo seu valor cinematográfico ou pela capacidade dramática de Vin Diesel. A verdadeira força da franquia está em suas cenas de ação e no carisma de seus personagens — e o décimo capítulo da saga entrega isso muito bem.
Nesse sentido, Jason Momoa é mesmo a estrela que faltava nessa constelação. Sozinho, ele consegue entregar tanto o vilão ameaçador que esse tipo de “história de super-herói” exige como também essa figura carismática que rouba a cena sempre que aparece. E o fato de ele estar completamente solto apenas deixa isso mais divertido.
Mesmo sendo o início do fim da franquia, Velozes e Furiosos 10 não pisa no freio em momento algum. Na verdade, a impressão ainda é de pé fundo no acelerador, o que prejudica o peso dramático que a história precisava para criar o impacto necessário para certas cenas. Adicione a isso a dificuldade de encaixar certas tramas e você tem algumas derrapadas significativas no trajeto.
Só que, ainda assim, é um longa bastante divertido que empolga e rende boas risadas. E, como todo filme de super-herói, está mais interessado em construir o que vem a seguir do que criar uma base de verdade para a história que está sendo contada agora. A sorte de Toretto e sua família é que, em meio a todo esse caos, roteiro é o de menos.