Crítica Pantera Negra: Wakanda para Sempre | O peso do luto
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Como encaixar o luto em um universo tão marcado pelo hype, ação e bom humor como o da Marvel? A perda já foi tema em WandaVision, mas Pantera Negra: Wakanda para Sempre é a primeira vez que a gente sente e vivencia isso. Não se trata apenas de uma temática, mas de um sentimento que permeia toda a produção.
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Por isso mesmo, traz uma mudança de tom necessária, deixando de lado seus típicos gracejos para fazer uma reverência devida à majestade que se foi. Assim, o novo filme do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês) não empolga — e isso não é um problema. Na verdade, essa é a proposta.
Wakanda para Sempre é um longa muito sério, em que a ausência de seu herói e símbolo está sempre presente, mas sem usar isso como muleta para emocionar o público a todo instante. É uma abordagem muito respeitosa que transcende a homenagem, sendo muito mais um lembrete de que é preciso seguir em frente mantendo vivo seu legado.
Mais drama, menos ação
Embora seja impossível falar de Pantera Negra: Wakanda para Sempre sem citar a morte de Chadwick Boseman, é interessante ver como o filme não gira em torno da perda. A história começa com a morte do rei T’Challa, a dor dos personagens por causa da tragédia é óbvia e presente, mas em momento algum o roteiro tenta capitalizar em cima de sua própria dor — e segue a partir e apesar dela.
Esse é um ponto importante, pois é o motor que torna o filme uma das produções mais diferentes de todo o MCU. Ele é muito mais um drama sobre aqueles personagens do que a ação desenfreada típica do estúdio, preocupada apenas com o avanço da grande narrativa Marvel.
O grande acerto do diretor Ryan Coogler é dar um tempo do frenesi de multiverso, das conexões com outras histórias e da grande narrativa Marvel. É aquele pause necessário diante da perda em que é preciso parar, respirar e sentir seu próprio luto. Assim, ele se volta a esse mundo tão rico de Wakanda e, principalmente, para seus personagens.
Por isso mesmo, todo o restante é complementar. As conexões com o futuro do MCU são meramente protocolares e até mesmo as referências aos quadrinhos, como os Anjos da Meia-Noite, são sobressalentes e até mesmo desnecessárias. E por mais que Riri Williams (Dominique Thorne) seja fundamental para a fazer o roteiro andar, a sua Coração de Ferro está sobrando na trama.
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Isso porque Pantera Negra: Wakanda para Sempre não é um filme de herói como tantos que já vimos. Essa é uma história mais introspectiva, em que a ação e o desenvolvimento do macrouniverso são menos importantes do que aquilo que seus personagens sentem. Tanto que aquilo que ele tem de mais interessante é o modo como Shuri (Letitia Wright), Ramonda (Angela Bassett) e a própria Wakanda lidam com a perda de seu líder, protetor e símbolo — uma relação semelhante àquela que nós mesmos temos com o filme em si.
Assim, mais do que a chegada de Namor (Tenoch Huerta) como esse novo perigo e as ameaças externas que passam a rondar o país africano, a tônica está na dificuldade e necessidade de seguir em frente.
E há vários momentos que traduzem isso muito bem. Das tradições de Wakanda de queimar as roupas fúnebres ao paralelo que é feito entre Shuri, Namor e o próprio Killmonger (Michael B. Jordan) sobre o modo como cada um deles encara o mundo diante dessa perda, o novo Pantera Negra faz com que a gente sinta o peso desse luto.
A negativa, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação são muito bem representadas em torno dessa história que se move em uma única direção: aceitar a dor e entender que seguir em frente é a melhor maneira de manter o legado vivo.
Seguindo em frente
Como dito, Pantera Negra: Wakanda para Sempre não transforma sua tragédia em muleta, o que significa também que a trama não gira em torno dessa busca por um novo protetor. O filme trata já em seus primeiros momentos a morte de T’Challa e de Boseman como uma coisa única e mostra que essa é uma lacuna grande demais para ser preenchida por um novo herói. Assim, essa ideia de “quem vai ser o novo Pantera” é o que há de menos importante e relevante por aqui.
É claro que as coisas chegam a um momento em que o herói precisa retornar, mas em nenhum momento isso é trabalhado com a ideia de substituir o que veio antes. Pelo contrário, é justamente essa noção de dar continuidade a esse legado.
O curioso é que a jornada para isso é até bem sombria. Não há ninguém realmente heróico ou inspirador e todos os personagens mergulham em espirais pesadas sobre vingança, revolta e reclusão — o que espelha tanto o retrocesso da política externa de Wakanda quanto as próprias motivações de Namor.
Para Ramonda, Shuri e até Okoye (Danai Gurira), é preciso ir até o fundo do poço para emergir e dar continuidade ao trabalho que o Pantera fez até aqui — e que dá à cena pós-crédito um peso muito maior.
A criança sem amor
É nesse contexto todo que Namor se revela a grande adição de Wakanda para Sempre. Tudo em torno do personagem é muito bem trabalhado tanto para enriquecer o universo de Pantera Negra quanto para valorizar o sentimento de seus protagonistas.
Isso porque o Príncipe Submarino também é filho da perda. A nação de Talocan surge a partir da morte e sua reclusão por séculos no fundo dos oceanos e o ódio com os conquistadores da superfície mostra o que acontece quando esse ciclo do luto não se fecha. Por serem incapazes de seguir em frente, vivem de remoer essa dor em busca de uma vingança aparentemente sem propósito.
É nisso que a dinâmica entre Namor, Shuri e Ramonda funciona tão bem, da mesma forma que também não é possível chamar o personagem de Huerta de vilão. Assim como Killmonger em Pantera Negra, Ryan Coogler cria mais uma figura complexa e que não está completamente errada, mas que se atropela nos meios radicais adotados.
Por isso mesmo, eu me vi muito mais torcendo por ele e Talocan do que por Wakanda em boa parte da trama. Isso é reflexo da falta de presença de Letitia Wright como Shuri? Talvez, mas com certeza quero ver muito mais de Namor no MCU nos próximos anos.
Aliás, a escolha de dar ao personagem uma origem mesoamericana foi um acerto e tanto. É incrível ver toda a construção dessa cultura que é tão diferente e, ao mesmo tempo, familiar. Ainda que a fotografia embaixo d’água deixe a desejar alguns momentos, a concepção desse outro reino não deixa nada a desejar à grandeza estética que foi ver Wakanda pela primeira vez.
Tanto que essa origem étnico-cultural se sobressai à própria origem de quadrinhos do personagem. Temos pela primeira vez a palavra mutante sendo dita dentro do MCU, mas isso não é nada impactante perto de toda a majestade e do simbolismo que Namor carrega com seu povo. Mais uma vez, o microdesenvolvimento de personagens em Wakanda para Sempre é mais interessante do que as conexões com a macronarrativa Marvel.
Vale a pena assistir a Pantera Negra: Wakanda para Sempre?
É impossível desassociar Pantera Negra: Wakanda para Sempre do contexto ao qual ele está inserido. Esse é um filme fora da curva da Marvel em todos os sentidos e bastidores e roteiros se misturam em uma coisa só. Assim, é natural que a perda de seu herói e símbolo seja algo que vai direcionar a trama como um todo de modo que não há como esperar que ele seja apenas mais um capítulo do MCU.
Isso faz com que a sequência seja bem diferente até do primeiro Pantera Negra, mesmo contando com a mesma equipe. Ele não é empolgante e tampouco inspirador porque estamos falando de uma produção que se propõe a ser mais introspectiva e que fala muito sobre a própria dor. Da mesma forma que seus personagens lutam para entender e aceitar os próprios sentimentos, assim é com diretor, atores, roteiristas e com boa parte do público também.
É um ponto fora da curva, uma história marcada por exceções que sabe aproveitar muito bem tudo isso para criar algo genuíno e que transmite tanto a consternação causada pela tragédia quanto a vontade de seguir em frente e fazer uma bela homenagem.
Wakanda para Sempre sabe de sua importância para o MCU e também para além dele. Mas também entende a necessidade de parar e chorar as próprias dores. No fim, mostra que é da poder do próprio luta é que floresce a flor de seu legado.
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