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Crítica | Homem-Formiga e a Vespa ou os elos com o tempo

Por| 16 de Julho de 2018 às 10h11

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Marvel Studios
Marvel Studios

Já se tornou uma tradição a guerra polarizada entre os fãs mais fervorosos de Marvel e DC. De um lado, o argumento mais comum é o de que a Marvel exagera nas piadas – algo que se equilibrou com Capitão América 2: O Soldado Invernal e encontrou um bom caminho com Pantera Negrae Vingadores: Guerra Infinita; do outro lado, a afirmação de que o universo DC é sombrio demais é recorrente – algo que parece ter descoberto uma solução com Mulher-Maravilha.

Antes de seguir adiante, tome cuidado. Esta crítica contém spoilers!

A graça de mercado e os fantoches da Marvel

Em Homem-Formiga e a Vespa, o equilíbrio entre a comédia marveliana e o lado sisudo imposto por Zack Snyder à DC é propositalmente esquecido. A farsa apresenta-se expositiva, retornando à opção do UCM por piadas. A questão, porém, não são as piadas em si, é a organicidade dessas. Se o primeiro Guardiões da Galáxia apresenta com muita inteligência o seu tom brincalhão já na sequência inicial, ditando a pegada de tudo o que vem em seu decorrer, o filme em questão inicia-se com uma apresentação que sugere bem o tom dramático de um homem que busca manter a forte ligação com a filha (conquistada no filme anterior), sendo, assim, sujeito a entender seus erros e, conscientemente, ocupar-se em uma rotina de dois anos enclausurado em sua casa.

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Apesar da introdução ditar um caminho provavelmente mais balanceado, não demora para que o roteiro escrito a cinco mãos (inclusive por Paul Rudd, que interpreta o herói) e a direção de Peyton Reed (do Homem-Formiga de 2015 e de comédias como Sim Senhor e Separados pelo Casamento) optem por fugir de discussões mais profundas. Dessa forma, a produção começa a se tornar descompensada, inserindo piadas a qualquer custo, a exemplo da personagem de Randall Park (Jimmy Woo), que acaba se repetindo sempre que está em cena, pintando um agente líder de operação completamente bobo – explicitamente incapaz de exercer a sua função. Pior: sem que isso seja um elemento efetivo para o desenvolvimento narrativo. A graça gratuita, de mercado, demonstra o quão arrogante pode ser a própria Marvel ao sugerir que seu público quer apenas rir e se entreter, por mais que seja com situações tão risíveis quanto um quadro d’A Praça é Nossa.

Por outro lado, pensar na culpa como sendo isolada, jogando-a no colo dos roteiristas e do diretor, não parece justo quando o martelo que bate e define tudo é o de uma empresa que controla suas obras com mãos de ferro. E é desse metal que a Marvel parece continuar construindo seu novo universo cinematográfico, não de "titânio reforçado com fibra de carbono e revestimento cerâmico" como a armadura atualizada do Homem de Ferro, esse herói que iniciou tudo em 2008. O tempo e a maresia da repetição já iniciaram o processo de enferrujamento estético e temático. O auge do formato foi alcançado no último filme da primeira fase, com a primeira reunião dos heróis em The Avengers: Os Vingadores. Exatamente o filme dirigido por aquele que, na ocasião, teve mais liberdade e tato artístico: Joss Whedon. O início da segunda fase, com Homem de Ferro 3, sedimentou o início também do declínio. Claro que não há exatidão nos fatos. Há lapsos de boas respiradas, como os citados Capitão América 2: O Soldado Invernal, uma boa parcela de Capitão América: Guerra Civil e os também citados Guardiões da Galáxia, Pantera Negra e Vingadores: Guerra Infinita, além de algumas sequências e situações pontuais dos outros produtos.

Diz-se produto convocando o significado Aureliano da palavra, como o que é produzido para venda e praticamente nada mais. É, então, por manter seu foco no explicitamente comercial e facilmente digerível, com pouco espaço para pinceladas autorais de seus diretores, que a Marvel envolve-se no que pode ser fatal a médio prazo (longo se nos referirmos ao início em 2008). Seus diretores, sem poder para bater de frente, são expostos como fantoches e são, na prática, somente um nome (ou dois) nos créditos, porque, afinal, o filme é da Marvel. Ou alguém se refere ao próprio Homem-Formiga e a Vespa, por exemplo, como um filme de Peyton Reed?

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De um épico a uma comédia mínima

Ainda, depois que Thanos (Josh Brolin) estalou os dedos ao final de Vingadores: Guerra Infinita, pode ser estranho ver o Universo Cinematográfico da Marvel voltar alguns passos atrás, como se nada tivesse acontecido. É como saltar de um épico a algo que tenta ser intimista e pequeno (com ou sem trocadilho). As preocupações passam da iminente e apocalíptica calamidade cósmica para questões familiares e para uma sobrevivência a nível individual e não universal.

Dito tanto, é o Homem-Formiga original, Dr. Hank Pym (Michael Douglas) e sua filha, Hope Van Dyne (Evangeline Lilly), que fazem o filme valer, se não todo, parte do ingresso e do tempo. Desenvolvendo um túnel quântico pelo qual eles podem ir a níveis submicroscópicos – sem encher o filme de impossíveis explicações científicas em suas falas –, eles discutem o verdadeiro significado de um sentimento caro para todos os heróis (Marvel ou DC) e, também, para alguns vilões (como Thanos): o amor familial. Enquanto, no início, vê-se Scott Lang (Rudd) fazendo o possível como um pai presente, Hank e Hope potencializam esse modelo de relação na busca por Janet (esposa e mãe – a primeira Vespa, vivida por Michelle Pfeiffer).

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Com a total ausência de um grande vilão, o roteiro de Homem-Formiga e a Vespa tem a esperteza (aqui sim) de diluir o antagonismo em três eixos completamente diferentes – mas todos com o mesmo objetivo: roubar o “laboratório portátil” do Dr. Hank Pym. O primeiro tem o arco do Dr. Bill Foster (Laurence Fishburne), antigo desafeto de Hank, e a Fantasma (esta que nos quadrinhos é homem e aqui é muito bem-vinda na interpretação de Hannah John-Kamen), que busca a cura para seus poderes dolorosos; o segundo é liderado por um subaproveitado Walton Goggins na pele do negociante criminoso Sonny Burch; e o terceiro capitaneado pelo agente Randall – que jamais surge em cena com alguma seriedade, tendo seu arco de tensão afundado, como já apontado, por um desenvolvimento cômico totalmente pateta.

Mas há graça real no filme! A sequência em que o Homem-Formiga reduzido à altura de uma criança foge de uma escola transcende a própria história. Sem contar as diversas vezes em que os efeitos visuais são tão bem utilizados que ou causam admiração ou fazem rir pela engenhosidade da situação, como a primeira redução do laboratório do Dr. Hank; a Hello Kitty que se transforma em uma grande arma; o carro que arremessa outro ao crescer; e o Homem-Formiga gigante na caçada em uma baía.

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O poder da dúvida

Ao final, fica uma sensação esquisita: Viu-se um bom filme ou não? Vale a pena? É relevante? A verdade é que não há uma resposta exata. Com conteúdo raso e técnica apurada, a impressão é de que é o menor filme do UCM iniciado por Homem de Ferro em 2008. Ainda assim, vale lembrar que isso pode ser somente uma impressão causada por ele vir logo após o mais épico (talvez não o melhor).

Isso é tão válido que a primeira cena pós início dos créditos – depois de quase duas horas mornas – reinsere a consciência do valor do que se estava assistindo. É então que todo o amor que se tentou expor faz sentido – seja o de Scott por sua filha, o de Hank e Hope por Janet, ou o traçado pela belíssima cena em que o primeiro Homem-Formiga encontra a sua Vespa.

Diz-se que o ser humano só dá valor a algo quando perde esse algo. Mas... e quando não se sabe se perdeu? Esse é o questionamento mais efetivo de Homem-Formiga e a Vespa. O poder da dúvida acaba por criar um elo forte com o futuro, seja na busca por Janet – que se resolve no próprio filme –, seja na solidão quântica de Scott – que se une a tudo o que virá em seu universo. Mas quase nada tem o poder de criar um elo com o passado, com a memória, o que é perigoso e pode arremessar tudo o que foi feito ao esquecimento.