Han Solo – Uma História Star Wars que parece de uma galáxia ainda mais distante
Por Sihan Felix | •
Antes de seguir adiante, cuidado. Esta crítica contém spoilers!
A louca obsessão do cinema hollywoodiano atual para explicar o que não deveria ser explicado tem dois lados bem claros: a máquina comercial – pois o que foi muito rentável tem potencial para continuar lucrando – e a criatividade cada vez mais decrescente dos roteiristas. O problema é que ambos estão profundamente ligados. Se, obviamente, o cinema industrial americano sobrevive de bilheteria, é muito provável que uma obra muito lucrativa que não tinha planejamento de ganhar qualquer sequência acabe sendo a primeira de uma trilogia e, se continuar dando lucro, seja ainda mais estendida.
Mas todo filme passa antes de praticamente tudo pela escrita do roteiro. Por isso, se roteiristas são contratados para desenvolver algo preexistente, o trabalho começa comprometido por não haver uma liberdade pessoal. O que há, quando muito, é uma licença para bem explorar um universo já existente na mente de milhões de pessoas e com a supervisão daqueles que não estão pensando exatamente no cinema, mas em quantas semanas em cartaz a produção reaverá o seu orçamento.
Han Solo: Uma História Star Wars pode se encaixar muito bem em tudo isso. O segundo derivado da saga Star Wars (após Rogue One – que tem o mesmo subtítulo por aqui), que teve uma produção tão ou mais problemática do que o antecessor, havia sido desenganado pela própria Disney. Uma fonte da companhia chegou a revelar em entrevista que já estavam todos preparados para um desastre por causa dos problemas durante a produção, ressaltando que o protagonista (Alden Ehrenreich) não sabe atuar e que o roteiro é péssimo. E, quando se fala em fracasso nesses casos, refere-se a lucro.
Será mesmo?
É difícil prever algo quando o seu produto já virou uma religião. Quando se fala em Star Wars, não há como existir uma certeza prévia. O público está longe de ser homogêneo. Nesse sentido, Han Solo: Uma História Star Wars pode tanto agradar quanto provocar alguma rejeição intensa. E há motivos para ambas os posicionamentos.
Trata-se do filme menos grandiloquente de todos os 12 lançados até agora (contando com as duas animações) e, apesar das aventuras protagonizadas por Han (Ehrenreich) darem um ritmo sempre progressivo à trama, há um misto de agilidade e contemplação que destoa do universo. Essa incerteza quanto a si mesmo provavelmente é proveniente dos já ditos problemas de produção, que merecem ser comentados – mas não devem servir como justificativas para o resultado final. O filme, para o público, é aquele que se assiste. Para o caso de os responsáveis quererem que cheguem outras finalizações após o lançamento nos cinemas, faz-se o que fez Ridley Scott e os produtores de Blade Runner, o Caçador de Androides (entre outros) e se lançam mais versões.
A verdade é que a contratação do diretor Ron Howard (de Uma Mente Brilhante e Rush: No Limite da Emoção) após a demissão da dupla Phil Lord e Christopher Miller (de Uma Aventura LEGO) diz muito sobre o produto derradeiro. Enquanto Lord e Miller dão sempre ênfase à comédia e ao ritmo ágil e mais pipoca (como bem fizeram nos dois Anjos da Lei com Channing Tatum e Jonah Hill), Howard investe nas camadas dos seus personagens, procurando o que há de mais interessante em suas falas e ações e intensificando as atuações. O problema é que Howard não lida muito bem quando o roteiro não lhe permite se aprofundar (vide O Dilema e Inferno). Dessa forma, ao procurar engrandecer Han através de diversas investidas com a câmera abaixo da linha dos seus olhos (o contra-plongée), o diretor parece menos importado em revelar o personagem como ele já o é dentro da saga e mais em dignificá-lo.
"Eu te amo." "Eu Sei."
Essa escolha seria interessante se estivéssemos conhecendo um herói no sentido mais épico. O problema é que o Han que conquistou e continua conquistando gerações é um mercenário declarado, que desvia muitas vezes do politicamente correto, que respondeu à Princesa Leia com um “Eu sei.” após ela dizer “Eu te amo.” pela primeira vez. Tudo isso, o Han de Harrison Ford (mesmo sem o ator gostar do personagem) havia construído na base também do mistério. Assim sendo, trazer à tona o passado daquele homem e o fazer com tentativas de reflexões profundas não só desmonta o mito como o modifica. Suas origens silenciosas eram um trunfo de sua personalidade.
Ainda, por mais que Ehrenreich tente emular os trejeitos de Ford, seu carisma não é o suficiente. Mesmo que esteja afogado pelas incursões introspectivas de Howard, o ator não responde bem ao papel e acaba por lembrar a sua personagem em Ave, César! (dos irmãos Coen). Nesse filme, ele interpreta justamente um rapaz que, em resumo, não sabe atuar. Não há como exagerar e dizer que a vida imita a arte – ou que, no caso, a arte imita a própria arte. Mas fica uma sensação de que Han seria um personagem muito mais interessante nas mãos de um ator mais expressivo e que internalizasse com mais paixão aquela persona – como tão bem o fez, por exemplo, Robert De Niro ao viver o jovem Vito Corleone em O Poderoso Chefão II (personagem que fora imortalizado por Marlon Brando no primeiro filme).
Já as tentativas de Donald Glover de construir o seu Lando Calrissian são intrigantes. Ao mesmo tempo em que o anti-herói parece igualmente preso às dimensões dos planos escolhidos pela direção, Glover é, felizmente, um ator com competência o suficiente para dinamizar suas aparições que, quase tão profundas quanto às do parceiro protagonista, tentam engrandecer a sua própria existência.
Dessa maneira, pode não ser difícil lembrar do próprio Rush: No Limite da Emoção, que mostra, quase sempre com muito heroísmo, Niki Lauda (Daniel Brühl) e James Hunt (Chris Hemsworth). Paralelamente, em Han Solo: Uma História Star Wars, Emilia Clarke (Qi’ra) funciona tão bem quanto as personagens de Olivia Wilde ou Alexandra Maria Lara no filme sobre os pilotos da Fórmula 1 e Woody Harrelson (Beckett) é tão acertado em sua composição de personagem que é possível desprender-se do filme e imaginar a trajetória daquele homem sem precisar de qualquer prequel – aquele mesmo efeito causado pelo Han de Harrison Ford.
L3-37 para sempre
Além disso, o roteiro (de Jonathan Kasdan e Lawrence Kasdan) peca ao tratar com dimensões homeopáticas a sempre grandiosa luta contra o Lado Negro da Força. Nesse quesito, Ron Howard se esforça ao procurar ampliar a aventura rasa criada para ilustrar o passado de Han e transformá-la em algo homérico. O diretor é auxiliado somente por alguns poucos lampejos do que é, de fato, o já criado universo Star Wars, como a breve aparição de Darth Maul (interpretado pelo ator original de Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma, Ray Park) e a história daquela que mais vale a pena em todo o filme: L3-37 (Phoebe Waller-Bridge).
A robô rouba a cena com seu velado-mas-nem-tanto caso de amor com Lando, fazendo com que a relação de Han com Chewbacca (Joonas Suotamo) pareça supérflua. Ela (a robô) é um exemplar que demonstra que sempre há resquícios de criatividade quando se cria dentro do rico mundo de George Lucas. Inclusive, o legado de L3-37 é o mais representativo de todo o filme. Fica a sensação de que ela sempre esteve e sempre estará presente.
Parte de um universo preexistente e bem consolidado
A questão final é que Ron Howard parece não ter entendido que os personagens que ele tinha em mãos são grandes por si só e o roteiro, que antes funcionava para apresentar figuras extraordinárias, mundos diferentes e heróis e vilões de dimensões enormes está entregue a uma aventura banal.
Se não fosse pela emblemática trilha de John Williams (aqui parafraseada com habilidade por John Powell) e pelos nomes e aparências dos personagens principais (graças ao ótimo desenho de produção), a sensação seria de estar assistindo a um filme genérico com efeitos visuais da melhor qualidade. Um entretenimento que pode, sim, ser bem razoável se for levado em consideração como obra única, mas que perde a maior parte de sua força se posicionado como o que ele é: parte de um universo preexistente e bem consolidado.