Crítica | Ava é uma ação genérica válida e simbólica
Por Sihan Felix |
Ava (Jessica Chastain) trabalha para uma espécie de organização secreta como assassina. Seus alvos são políticos e membros da alta classe que fizeram algo de errado. A partir dessa apresentação direta, o roteiro de Matthew Newton (de Quem Somos Agora) dá uma certa humanidade à protagonista, deixando claro que ela sempre tenta saber o que seus alvos fizeram para merecer a morte.
Não há discussões menos rasas no texto de Newton. Não se sabe exatamente o que é certo ou errado e as vítimas são descartáveis. O foco é, de fato, Ava. Nesse sentido, o diretor Tate Taylor (de Ma — filme de 2019) parece tratar as situações como se o todo fosse um road movie de corpos durante o primeiro ato. Assim, por mais que Chastain tenha força como a personagem, ela parece presa a uma história que pouco avança e praticamente em nada tem bases.
Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!
Preso ao texto
As motivações da personagem são tão irrelevantes dentro da proposta de Taylor que as reações de sua irmã (Jess Weixler) e Michael (Common) sobre quem ela (Ava) é podem ter um efeito de identificação junto ao público: afinal, quem é aquela mulher? — pergunta que é feita literalmente nos minutos finais do filme.
Em uma comparação que parece inevitável, existe uma aura construída nos primeiros momentos de De Volta ao Jogo (de Chad Stahelski e David Leitch, 2014) que, aqui, está completamente descoberta. Se, naquela produção, o bicho-papão John Wick tem motivações, habilidades e o medo que representa o seu nome trazidos à tona desde cedo, em Ava, o único ponto claro que se mostra é a sua competência na função de assassina — o que pode dar um ar genérico ao resultado.
Além disso, por mais que Chastain seja uma atriz expressiva, as cenas de ação são soterradas por uma direção justamente genérica. Apesar de claras — é possível entender tudo o que está acontecendo —, essas circunstâncias que poderiam ceder mais força ao filme acabam se igualando ao roteiro, ou seja: Taylor está mais preocupado em ilustrar o desenvolvimento da história do que em impor sua visão enquanto diretor.
Por essa perspectiva, Ava não se aproxima nem mesmo de Atômica (de Leitch, 2017) e do recente The Old Guard (de Gina Prince-Bythewood, 2020), ambos protagonizados por Charlize Theron, que, assim como os filmes da franquia John Wick, têm a ação como um elemento dinâmico forte e jamais passageiro. Os confrontos funcionam como uma ferramenta estilística e, desse modo, conseguem gerar sensações que marcam seus filmes.
Enquanto isso, Taylor talvez não marque por sua visão na direção, mas pelas ocorrências impostas pelo roteiro: a luta entre um homem mais jovem (Simon – interpretado por Colin Farrell) e um de idade (Duke – John Malkovich) e o embate entre o mesmo Simon e a personagem de Chastain. Em síntese, não é a completude das cenas que parecem fundamentar e, de repente, trazer alguma marca para Ava, é o texto e, neste, o diretor parece preso.
Heroínas também podem
No final das contas, Ava, mesmo assim, consegue divertir. Pode ser que não tenha potencial para uma sequência, por mais que tenha deixado espaço para isso. De todo jeito, é sempre bom ver nascer uma protagonista de ação que, de quebra, ainda insere Geena Davis, uma atriz que foi esquecida dentro do gênero somente por ser mulher – em uma época que mulheres protagonistas em filmes de ação só funcionavam se o filme em si fosse muito acima da média para público e crítica, como a quadrilogia Alien com sua tenente Ripley (Sigourney Weaver) ou os dois primeiros Exterminador do Futuro com Sarah Connor (Linda Hamilton).
Chastain, então, como coprodutora de Ava, parece fazer uma homenagem à atriz. Interpretando sua mãe, Davis (aos 64 anos de idade) demonstra uma energia que foi esmagada pela indústria machista. Uma direção atenta, faria a oscarizada veterana passar o bastão para a protagonista com uma reverência muito maior do que, justamente, aquilo que já estava escrito: o papel de mãe.
De qualquer forma, a luz de quem protagonizou o divertido A Ilha da Garganta Cortada e Despertar de um Pesadelo (ambos de Renny Harlin, 1995 e 1996 respectivamente) está ali e Chastain demonstra ter um brilho muito parecido estando em uma época menos desfavorável. Se Theron, no momento, reina quando se fala de uma mulher em ação, em um mundo ideal, do mesmo modo que heróis convivem em harmonia com suas diferenças, heroínas também podem.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.