Estudo mostra que uso de telas pode afetar desenvolvimento cognitivo de crianças
Por Munique Shih • Editado por Luciana Zaramela |
Um estudo conduzido recentemente por uma equipe do Centro Médico Nacional Infantil em Xangai, juntamente com a Escola de Medicina da Universidade Jiao Tong de Xangai — ambos na China — descobriu que a exposição excessiva de crianças com idades entre 0 e 3 anos às telas de dispositivos pode afetar os seus controles cognitivos, além do desenvolvimento das suas habilidades de atenção.
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O estudo liderado pelo professor da Escola de Medicina da Universidade Jiao Tong de Xangai, Jiang Fan, mostrou que as crianças com mais de três anos que tiveram maior exposição a telas de dispositivos sofreram maiores consequências incluindo nível reduzido de QI, menor capacidade de compreensão e raciocínio perceptivo, além de comportamento hiperativo.
Para a pesquisa, a equipe de Fan usou a base de dados de uma coorte de nascimentos — que corresponde ao acompanhamento de indivíduos prospectivamente desde o nascimento (ou gestação) até a idade adulta — chamada de SCHEDULE. Ela foi criada em 2012, reunindo informações de mais de 220 mil crianças em 10 províncias e cidades chinesas.
A coorte conta com dados de crianças até os seus 10 anos de idade e também foi usada para outras pesquisas de Fan, que nos últimos anos tem acompanhado o impacto do estilo de vida na saúde das crianças e a influência da exposição às telas de dispositivos no desenvolvimento cognitivo delas em seus primeiros anos de vida.
Com base nos dados, os pesquisadores descobriram que 76% das crianças em Xangai tinham acesso às telas de dispositivos aos 2 anos, enquanto que 24% delas começaram a ver TV devido à influência dos pais antes de completarem 1 ano. Além disso, a duração da exposição de crianças de 3 anos às telas atingiu um tempo médio diário de 2 horas e 50 minutos, com 78,6% delas excedendo o limite de recomendação uma hora por dia.
Consequências da exposição às telas
Para o estudo, a equipe de Fan acompanhou o desenvolvimento de crianças a partir dos 6 meses e avaliaram as mudanças trazidas pela exposição às telas dos dispositivos até os seus 6 anos, considerando os fatores de desenvolvimento cognitivo, linguagem e problemas de comportamento.
Os cientistas classificaram as crianças em três grupos dominantes. O primeiro teve uso contínuo baixo (com quantidade estável de tempo de tela), o segundo teve um aumento acentuado no tempo de tela aos 3 anos e o último teve bastante de tempo de tela antes dos 3 anos e permaneceu com um tempo estável após essa idade.
Os três grupos apresentaram diferenças significativas na função cognitiva e problemas psicocomportamentais ao longo do crescimento até os 6 anos de idade. Em termos de comportamento, as crianças que tiveram um excesso de tempo de tela antes dos 3 anos de idade apresentaram mais problemas psicológicos em comparação com aquelas que tiveram um tempo estável de exposição. Dentre os problemas estavam a hiperatividade e o déficit de atenção.
Desenvolvimento cognitivo
De acordo com Fan, as crianças que tiveram exposição às telas por menos de uma hora por dia até os 6 anos de idade apresentaram melhor desenvolvimento cognitivo-psicológico. O cientista também disse que os efeitos do excesso de tempo de tela podem ser irreversíveis após certa idade, mesmo que se diminua o tempo de consumo.
Fan disse que isso se deve ao fato de que recém-nascidos e crianças pequenas, principalmente aquelas com até 3 anos, se encontram no estágio de desenvolvimento mais rápido do cérebro e que o que o processamento cognitivo ativo durante este período — em que as crianças são estimuladas por um ambiente do mundo real — leva a conexões rápidas entre o pré-cortex e as funções de vários campos do órgão, que são a base para formar as redes necessárias para o controle cognitivo.
Segundo o estudo, os pais devem evitar expor as crianças a telas de dispositivos antes dos 2 anos, especialmente antes de completar um ano e meio, e também devem limitar a exposição à tela a um período de menos de 1 hora por dia para crianças com mais de 2 anos.
Outros cuidados
Com a presença de dispositivos eletrônicos como a televisão e o tablet, o cérebro das crianças adota uma estratégia de processamento passivo e a exposição prolongada a essa estimulação por telas pode representar um grande risco ao desenvolvimento completo de redes de controle cognitivo, segundo Fan.
Mesmo que as crianças usem um software educacional, ainda é possível encontrar um excesso de anúncios capazes de desviar a atenção delas. Além disso, o excesso de exposição às telas também contribui com a falta do desenvolvimento da interação social e do estímulo cognitivo.
Para Fan, é importante fazer bom uso das novas tecnologias para ajudar o desenvolvimento e a educação das crianças, porém também é necessário prevenir os efeitos da exposição excessiva e precoce às telas para preservar o desenvolvimento cerebral dos pequenos.
Os resultados da pesquisa da equipe de Fan sobre os efeitos da exposição da tela no desenvolvimento infantil foram publicados na revista internacional JAMA Pediatrics.
Fonte: sciencenet