A Capa da Invisibilidade de Harry Potter pode virar realidade graças à ciência
Por Nathan Vieira |
Histórias de fantasia prendem a nossa atenção justamente pelos artifícios que estão além da nossa realidade, mas que seriam muito interessantes se existissem. É o caso de Harry Potter, por exemplo, que fez com que toda uma legião de fãs imaginasse como seria ter poderes mágicos, ir a uma escola para aprender feitiços, voar em vassouras, e coisas do tipo. Quem nunca pensou em como seria legal soltar um Wingardium Leviosa, que atire a primeira pedra. No entanto, além de todo esse universo cheio de magia e da infinidade de feitiços, os itens mágicos presentes nas histórias também têm uma participação muito especial nisso tudo. Fala a verdade, vai: um vira-tempo com certeza resolveria as nossas vidas. Mas o que você pode não saber, é que alguns desses itens fictícios podem se tornar uma realidade graças à tecnologia, e um deles em especial tem atraído a concentração de cientistas para que faça parte das nossas vidas de uma vez por todas: estamos falando da capa da invisibilidade.
Para você que não é tão entrosado assim nas histórias do bruxinho (ou até tenha lido os livros e visto os filmes, mas mesmo assim não se lembra muito), Harry ganhou a capa em seu primeiro Natal na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, em Harry Potter e a Pedra Filosofal. No entanto, a história desse item é muito mais antiga que isso. Em O Conto dos Três Irmãos, de Os Contos de Beedle, o Bardo - um livro fictício que faz parte da cultura bruxa em Harry Potter -, a capa da invisibilidade é descrita como uma das três relíquias da morte, junto com a pedra da ressurreição e a varinha das varinhas.
Segundo essa lenda, três irmãos se depararam com a própria Morte depois de escapar com êxito de uma travessia perigosa em um rio. A Morte fingiu cumprimentar os irmãos por sua magia e disse que cada um ganharia um prêmio por ter sido inteligente o bastante para lhe escapar, mas, com a exceção da capa da invisibilidade - que foi dada ao terceiro irmão e fez com que ele se escondesse da Morte -, os itens só trouxeram desgraças. Daí que vieram as Relíquias da Morte, artefatos que fazem uma participação muito importante no último volume da saga.
E a capa ajudou bastante o Harry durante as suas aventuras. Apesar de superior a qualquer outro manto em termos de durabilidade e longevidade, ela foi incapaz de esconder o bruxo em várias ocasiões, e o protegeu de certos métodos de detecção mágica, como o Olho mágico de Alastor Moody, o Mapa do Maroto e o Feitiço de Revelação da Presença Humana. Também foi incapaz de esconder Harry de criaturas capazes de sentir a localização por outros métodos que não a visão, como Dementadores e Nagini. No entanto, a capa da invisibilidade tinha a limitação de apenas esconder o que era grande o suficiente para cobrir - ela não crescia com o(s) usuário(s), e se qualquer parte deles acidentalmente passasse pelos limites da capa, essa parte arriscaria expor sua presença para qualquer pessoa próxima. Assim, à medida que o trio se tornava mais alto, eles muitas vezes tinham que se inclinar mais para serem completamente cobertos pelo artefato.
Mas você já deve estar se perguntando: “e onde é que está a ciência nisso tudo?”. Acontece que, ao longo dos anos, vários cientistas se inspiraram nessa capa da invisibilidade de Harry Potter buscando tornar esse artefato uma realidade — e é isso o que você descobre nas linhas abaixo.
Quantum Stealth
O caso mais recente é de setembro de 2019: a empresa canadense Hyperstealth desenvolveu o Quantum Stealth, que é constituído por um material fino igual a um papel, e não necessita de qualquer fonte de energia para funcionar. A companhia trabalha com organizações militares desde 2010 para desenvolver o projeto. Certo, justiça seja feita: esse produto não funciona exatamente igual à capa que os bruxos de Hogwarts conhecem, mas ainda assim a técnica é válida. Basicamente, o Quantum Stealth utiliza lentes lenticulares (aquelas que são utilizadas por pessoas míopes) para encobrir e esconder o que está por trás dele, a mesma tecnologia usada em imagens que parecem 3D dependendo do ângulo em que são vistas.
Na prática, o material utilizado para o Quantum Stealth “dobra” a luz. Em outras palavras, apenas objetos que estão muito longe ou muito perto poderão ser vistos. Portanto, se um objeto ou uma pessoa se posiciona atrás desse protótipo a uma determinada distância, se tornará invisível, e apenas o que estiver ao seu redor permanecerá sendo visto. Vale lembrar que o material que constitui esse produto é capaz de dobrar luz desde o ultravioleta em nível médio até o início da coloração infravermelha. Entretanto, a invenção não apaga ou esconde o fundo aparente, então assim: se alguém está atrás da “capa” e outra pessoa está olhando de frente, vai enxergar apenas o fundo, como se a pessoa que está escondida realmente não estivesse presente ali no local.
O segredo dessa “mágica” tem nome: Lei de Snell, que diz que o raio de luz, ao desviar e passar para um meio com um índice de refração diferente do qual estava acostumado, sofre alterações e acaba sendo comparado com a velocidade da luz no vácuo – ou seja, tão rápido que se torna impossível de ser visto. Sendo assim, a questão é selecionar dois materiais que, quando seus índices de refração se encontram, apresentem um ponto cego que gera a invisibilidade em si.
Manto microscópico
O Quantum Stealth não é o único estudo científico baseado na capa de invisibilidade de Harry Potter. Em 2015, por exemplo, a revista Science trouxe um artigo contando a jornada de físicos da Universidade da Califórnia durante a criação de uma espécie de manto microscópico e ultrafino, cujo diferencial é que, ao ser colocado sobre objetos do tamanho de células, tornou invisíveis sob a luz.
De acordo com os próprios cientistas, este foi apenas o primeiro passo de um grande estudo, já que o material pode ter dimensões maiores em pouco tempo. Nesse caso, o segredo da “mágica” são nanoantenas de ouro, blocos minúsculos que foram dispostos sobre uma superfície semelhante a uma pele finíssima, com espessura de 80 nanômetros (aproximadamente mil vezes mais fina que um fio de cabelo, para você ter uma noção). Assim que as ondas luminosas batem na superfície, são redirecionadas de tal forma que se tornam imperceptíveis.
O problema é que os padrões das nanoantenas devem ser projetados de forma extremamente precisa para coincidir com as saliências da superfície do objeto que está por baixo, então se o objeto se mexer, a ilusão desaparece - ou seja: mesmo que seja construída em grandes dimensões, uma pessoa não poderia caminhar com a capa se se tornar invisível, como no caso das histórias do bruxinho. Como os pesquisadores destacam, o conceito básico da iluminação ainda existe, ou seja, os raios luminosos vão bater e refletir ali. A diferença é que, por ser um espelho perfeito, o manto não vai absorver praticamente nada. Segundo os pesquisadores, as pequenas antenas de ouro controlam o quanto a luz se espalha na hora de refleti-la. Assim, elas fazem todas as correções necessárias para evitar qualquer variação que revele que há algo embaixo da capa, independente das irregularidades do próprio objeto.
Essas antenas ainda podem ser ajustadas de diferentes maneiras. É a partir delas que a capa pode recriar a imagem que se esconde atrás dela ou enganar os olhos humanos ao nos fazer crer que estamos vendo outra coisa. Em um dos exemplos citados por Xiang Zhang (um dos físicos por trás do estudo) à Science, se existir um manto grande o suficiente para cobrir um tanque, é possível ajustá-lo para fazer com que todos achem que se trata apenas de uma bicicleta. Na época, Zhang disse que o próximo passo da pesquisa é criar formas de produzir esse material em escala industrial, ajustando essas antenas para diferentes comprimentos de onda.
A Capa Rochester
No ano retrasado, os pesquisadores Joseph Choi e John Howell, da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, conseguiram camuflar objetos maciços de até 35 centímetros usando técnicas de óptica em um dispositivo digital. Assim, esses elementos ficaram imperceptíveis à visão humana, representando um avanço e tanto se comparado com os estudos de anos anteriores, como o do manto microscópico de Xiang Zhang.
Essa versão 2.0 do manto, desenvolvida pelos pesquisadores americanos, possui um campo muito maior de invisibilidade. Na prática, uma película composta por uma estrutura de finas lentes cilíndricas colocada sobre um tablet que transmite a imagens focadas por ele é capaz de desviar todos os raios de luz que incidem sobre os objetos. Essa distorção torna as coisas vistas pelo tablet, através da lente, invisíveis. É claro que esse dispositivo, assim como o seu anterior, também possui algumas limitações, já que é capaz de cobrir a área restrita a um ângulo de 29 graus, sendo incapaz de ampliar a área invisível. Além disso, se o fundo se movimentar, o objeto volta a ser perceptível pelos olhos humanos.
Na época, os pesquisadores defenderam que precisam melhorar a resolução da imagem, que está longe de ser fiel ao que nossos olhos veem naturalmente. A expectativa é que o próximo passo da pesquisa seja aliar essa tecnologia às lentes flexíveis já disponíveis no mercado; assim, quando aprimorado, o dispositivo poderia até mesmo tornar invisível um carro em movimento. Já pensou que loucura? Harry aprova (ainda mais se for o carro voador dos Weasley).
Capa de invisibilidade barata
John Howell, da Universidade de Rochester (e que ajudou na capa mais aprimorada descrita ali em cima), também desenvolveu um sistema de baixo custo, que ele mesmo descreveu como "muito simples e eficaz", na época. Para a criação desse experimento, Howell teve ajuda do filho Benjamin, de 14 anos de idade.
Consiste, basicamente, em três dispositivos: o primeiro é feito com dois recipientes de acrílico em formato de L, ambos cheios de água. O segundo tem quatro lentes, que o físico contou que custavam apenas US$ 3 na época (o equivalente a R$ 12, embora o preço dessas lentes provavelmente tenha aumentado, já que o estudo foi feito em 2016). O terceiro dispositivo é feito com um conjunto de espelhos de baixo custo. Howell conta que o gasto total com os três sistemas foi de apenas US$ 150 (R$ 600). Em contrapartida, os dispositivos só funcionam quando o observador está de frente para eles.
Capa de Vidro
Antes de todos esses avanços que a gente acompanhou através dos anos, teve um estudo de 2006 feito na Universidade Duke, nos Estados Unidos, que já mirava na confecção de uma capa de invisibilidade. Ela foi criada inicialmente com fios de fibra de vidro, entalhada com cobre. Seis anos depois, os pesquisadores apostaram na evolução desse objeto: entrelaçaram fios de cobre e criaram um material mais complexo e mais eficiente que o original, capaz de quebrar as ondas de luz em duas.
Dessa forma, é como se a luz desse a volta no objeto que fica envolto pela capa, e assim ele fica invisível. Apesar de absorver a maior parte da luz, o material ainda refletia algumas ondas; logo, ainda não era uma capa perfeita de invisibilidade. Na época, Nathan Landy, autor do estudo, disse que a forma como o material altera as ondas de luz pode ser aproveitada em outros campos. Ele ainda apontou que a tecnologia poderia ajudar a criar fibras óticas mais eficientes. E não é que ele acertou? Felizmente, a ciência avança lado a lado com a tecnologia, proporcionando coisas fascinantes — como tornar realidade a capa da invisibilidade de Harry Potter, quem sabe num futuro não muito distante?
Fonte: Hyperstealth, Science, Futurism, Arxiv, Nature Materials