Conheça a curiosa e bizarra história do criador do icônico DeLorean
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
É difícil falar sobre De Volta para Futuro sem citar seu ícone máximo: a máquina do tempo. De todas as referências aos longas, o DeLorean é, certamente, a mais conhecida delas.
- De Volta para o Futuro | Conheça 5 carros que já apareceram na trilogia
- De Volta para o Futuro: DMC DeLorean será relançado como carro elétrico de luxo
A ideia de transformar um carro na chave temporal para outras eras surgiu ao acaso e deu muito certo — o conceito original era que Marty e Doc Brown usassem uma geladeira. Tanto que, se você ver um desses automóveis na rua, você imediatamente espera que ele corra a 88 milhas por hora e deixe um rastro de fogo antes de sumir da sua frente.
Porém, você conhece a história do veículo? É irônico como todo mundo conhece o carro e lembra dele automaticamente quando falamos da série, mas quase ninguém sabe sobre o homem que emprestou seu nome a esse ícone dos cinemas e da cultura pop. E, mais irônico ainda é o quanto esse fato coincide com a sua história, que em nada lembra a comédia de McFly.
O homem por trás da lenda
A vida de John DeLorean foi repleta de altos e baixos. Filho de imigrantes, ele cresceu em meio à Grande Depressão de 1929 e, ainda assim, conseguiu construir seu nome a ponto de ser chamado de O Príncipe da Automobilística na década de 1980 pela revista People Weekly. Só que esse título e a glória também tiveram um fim.
Os carros estiveram desde cedo presente na vida de DeLorean. A começar pelo seu local de nascimento: Detroit. Até hoje, a cidade estadunidense é conhecida como a capital mundial da indústria automotiva, principalmente por ter sido onde Henry Ford começou com as fábricas da Ford no início do século XX.
E foi exatamente em uma dessas fábricas que o pai de John, o romeno Zachari, começou a trabalhar quando chegou aos Estados Unidos.
E, provando que o óleo nas veias era algo de família, se formou em engenharia e logo entrou para o mundo dos carros, começando na Chrysler e, em seguida, indo para a Packard Motor Company. Porém, foi somente após sua entrada na General Motors, em 1956, que o nome "DeLorean" começou a ganhar força.
Prova disso é que os famosos muscle cars americanos são obra dele. Dentro da GM, ele passou a atuar como engenheiro-chefe na Pontiac e ajudou a fazer com que aquela pequena divisão da companhia se transformasse em uma das mais populares montadoras do país. E o responsável por essa mudança foi o Pontiac GTO, um carro potente e que não demorou para se transformar em uma mania nacional e no sonho de todo jovem.
A participação de DeLorean na criação do GTO foi discreta, mas não menos importante. Afinal, o que seria de um automóvel sem aquelas pequenas praticidades? Exemplo disso é que os limpadores de para-brisa e a própria disposição dos faróis foram ideia dele, assim como o motor V8 Tempest bem mais poderoso que qualquer outro veículo da época.
Com isso, em 1964, as vendas do Pontiac GTO cresceram astronomicamente e deram um certo status a John DeLorean dentro da companhia. Seu salário inicial de US$ 20 mil anuais saltou para US$ 650 mil e, mais do que isso, ele deixou de ser "apenas" o engenheiro-chefe para ser o chefe de toda a Pontiac e o vice-presidente da GM. E era claro que isso ia influenciar seu ego.
O jornalista J. Patrick Wright, no livro On a Clear Day You Can See General Motors: John Z. DeLorean's Look Inside the Automotive Giant, descreve o criador do carro de De Volta para o Futuro como alguém "vaidoso, impulsivo e, algumas vezes, arrogante".
Isso sem falar que seu estilo de vida logo começou a criar uma reputação negativa, seja pelo modo como se vestia, seu relacionamento com estrelas de Hollywood ou pela imagem de "executivo rebelde" que ele tentava passar.
Isso fez com que, em 1973, ele saísse da General Motors — ainda que muitos rumores afirmem que ele foi, na verdade, demitido.
O narcisismo no retrovisor
É com sua saída da GM que John DeLorean decide dar seu maior passo até então e cria sua própria montadora. E nada mais óbvio que alguém tão narcisista quanto ele usar seu próprio nome para a sua empresa. Era a oportunidade perfeita para moldar ainda mais sua imagem e ganhar ainda mais fama.
Naquele mesmo ano, ele fundou a DeLorean Motor Company — ou apenas DMC. Reunindo investidores do mundo todo, ele passou a trabalhar no primeiro modelo de sua marca, o DMC-12, o carro usado por Doc Emmet Brown para construir sua máquina do tempo em De Volta para o Futuro.
E o conceito era realmente algo que parecia ter vindo do futuro. Seu design era diferente de tudo o que a indústria automotiva fazia até então e o fato de ele usar um tipo de aço à prova de ferrugem era algo que chamava a atenção — mas não mais que as icônicas portas de gaivota, que abriam para cima e não para os lados. Era algo tão único e com a assinatura do homem por trás dos sucessos da General Motors que nada parecia dar errado. Mas deu.
O lançamento do DMC-12 foi bastante conturbado por uma série de problemas, a começar pela demora em sua fabricação. Foram quase dez anos de espera desde a fundação da DeLorean Motor Company e nem todo esse tempo serviu para entregar algo que conquistasse o público.
Parte disso estava no fato de a fábrica estar localizada na Irlanda do Norte, onde a mão de obra não qualificada fez com que muitos veículos tivessem que ser refeitos quando chegavam aos Estados Unidos.
Porém, a maior crítica ao carro estava mesmo em seu desempenho. Estamos acostumados a ver o famoso DeLorean atingindo suas 88 milhas por hora — cerca de 141 km/h —, mas o automóvel real estava bem longe disso. Na verdade, a escolha do roteirista Bob Gale por essa velocidade foi exatamente uma piada com a decepção em torno do DMC-12.
Como o site Mental Floss explica, o principal problema do veículo estava na terrível combinação de seu motor de apenas 130 cv de potência com o pesado chassi de aço. Isso fazia com que ele fizesse de zero a 100 km/h em pouco mais de 10 segundos — o que é muito demorado. Assim, a ideia de atingir a velocidade necessária para viajar no tempo foi uma forma de tirar sarro da criação de John DeLorean.
Isso tudo fez com que as vendas ficassem bem aquém do esperado. Lançado em 1981 por US$ 26 mil — bem mais caro que o Chevrolet Corvette da mesma época. A expectativa de John DeLorean era de vender 12 mil carros em um ano, mas ele conseguiu apenas um quarto disso em seis meses. Para mostrar que desgraça pouca é bobagem, os Estados Unidos ainda enfrentaram uma crise no início da década de 1980 e isso agravou ainda mais a situação da DMC.
Tanto que, no ano seguinte, o governo britânico, que havia investido US$ 156 milhões na fábrica para estimular o desenvolvimento de empregos na Irlanda, ordenou o fechamento da DeLorean Motor Company e, para impedir que isso acontecesse, John precisava de muito dinheiro. E situações críticas, às vezes, exigem ações desesperadas.
Narcos sobre rodas
Diante da iminente falência, John DeLorean decidiu apelar. Afinal, se a indústria automotiva está sofrendo com a crise no país, qual outra forma de conseguir dinheiro fácil em plena década de 1980? Com isso, o criador do carro mais icônico da cultura pop entrou para o mundo das drogas.
O antes chamado Príncipe da Automobilística agora estava envolvido em um esquema de tráfico internacional de drogas. Ele se envolveu com o traficante William Hetrick, que trazia cocaína diretamente da Colômbia para revender nos Estados Unidos e isso chamou a atenção do FBI.
Assim, em outubro de 1982, John foi preso após o vazamento de uma fita em que ele aparecia comprando quilos da droga. Em determinado momento da gravação, ele chega a citar que aquilo é melhor do que ouro. De acordo com o órgão de investigação norte-americano, DeLorean pretendia mover cerca de US$ 24 milhões em cocaína pelo país. Com isso o sonho de reerguer sua empresa virou pó.
Apesar de ter sido absolvido de todas as acusações dois anos depois, sua vida nunca mais foi a mesma. Sem a confiança de investidores, DeLorean não conseguiu emplacar mais nenhum grande sucesso e, de quebra, ainda teve que pagar uma série de multas e indenizações aos antigos acionistas da DMC e outros encargos por fraude e sonegação fiscal.
Essa sequência de pagamentos milionários se estendeu também por toda a década de 1990, quando ele foi cobrado por advogados e por outras ações judiciais que corriam contra ele.
John DeLorean até tentou criar novas empresas e uma nova versão do DMC-12, mas nenhuma dessas investidas saiu do papel. Em 1999, ele declarou falência pessoal e, em 19 de março de 2005, faleceu vítima de complicações de um derrame. Em seu túmulo, é possível ver o carro que leva seu nome com as icônicas portas abertas.
Ao todo, a DeLorean Motor Company fabricou 8.536 DMC-12, mas apenas 6 mil ainda estão em circulação nas mãos de colecionadores. E, sem qualquer sombra de dúvidas, o mais famoso deles está perdido em algum ponto do espaço-tempo.
Fonte: The Eighties Club, Mental Floss, Long Reads, Independent