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Você sabe o que são comfort series? Entenda o efeito que elas causam no cérebro

Por| 08 de Junho de 2020 às 09h30

(Imagem: Divuglação/Warner)
(Imagem: Divuglação/Warner)
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A situação é a seguinte: você acabou de chegar em casa depois de um dia intenso, cheio de problemas no trabalho, brigas com o seu chefe e, de quebra, aquele trânsito de tirar do sério na hora de voltar. No entanto, bastou sentar no sofá e colocar naquela série (aquela de sempre) para rever um de seus episódios favoritos para relaxar e se livrar do estresse. Você se identificou? Pois é. Essas são as comfort series! Basicamente, elas são aquelas séries que assistimos inúmeras vezes sem enjoar e que têm o poder de acalmar e relaxar em qualquer ocasião.

Para entender definitivamente quais são os efeitos que essas séries podem gerar no cérebro, a equipe do Canaltech conversou com dois especialistas: o psicólogo Dr. Roberto Debski e a psicóloga Marina Prado Franco, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental e Mestre em Psicologia Clínica. Os psicólogos apontam que todos os comportamentos e substâncias que geram prazer estimulam o circuito de recompensa cerebral, uma série de estruturas no sistema nervoso central que, ao receber esses estímulos, liberam neurotransmissores, como dopamina, endorfina e serotonina, que causam sensações de relaxamento, conforto e bem-estar.

"Essas sensações geram desejo de mais prazer ainda, e muitas vezes esse é o mecanismo que inicia respostas como as adicções e vícios, que se tornam de difícil controle e fonte de adoecimento, nesses casos. Assistir séries e vídeos pode ser uma forma de prazer dentre outras, sem desenvolver maiores problemas, como também pode se desenvolver uma adicção, o que pode desviar a atenção de outros temas e ações importantes que ficam relegados a um segundo plano. Essa diferença pode ser devida a fatores genéticos, ambientais, sociais e educacionais", explica Debski.

Áreas do cérebro ligadas ao prazer

A área do cérebro responsável pelo prazer é chamada pelos especialistas de circuito de recompensa
A área do cérebro responsável pelo prazer é chamada pelos especialistas de circuito de recompensa

Franco explica que a área do nosso cérebro que está ligada ao prazer é chamada de circuito de recompensa, mas trata-se do sistema mesocorticolímbico. "Nesse sistema, acontece a interligação de algumas partes, como, por exemplo, a amígdala, o hipocampo e parte do córtex pré-frontal. Há, nesse circuito, a produção da dopamina, o que traz a sensação de bem-estar e faz com que a gente queira repetir essa experiência, por conta até de áreas do cérebro ligadas à memória".

Debski explica que esse sistema é composto por circuitos neuronais responsáveis por ações que são reforçadas positiva ou negativamente. Quando recebe um estímulo prazeroso, o núcleo accumbens (uma parte da via de recompensa, gerando prazer, impulsividade) produz a liberação do neurotransmissor dopamina que gera sensação de prazer. "Isso também ocorre nos casos dos efeitos das drogas e drogadicção, porém, nesse caso, o estímulo é muito mais intenso. Outras áreas importantes são a área tegumentar ventral, sistema límbico e córtex pré-frontal".

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E quanto as séries? Será que elas podem ajudar a diminuir a ansiedade e seus sintomas? Debski aponta que, por causa da liberação dos neurotransmissores que causam prazer e bem-estar, todas atividades prazerosas podem ajudar, ao menos momentaneamente, a reduzir os estímulos estressantes e ansiogênicos, os quais retornarão assim que o efeito dos neurotransmissores passar.

Para Franco, justamente por ativar esse sistema de recompensa, assistir a essas produções pode acabar, sim, resultando na diminuição da ansiedade. "Em situações como a pandemia que estamos vivenciando, em somos expostos a estímulos que vão causar a sensação de ansiedade e medo numa frequência maior que em dias normais, digamos assim, é muito importante fazer atividades que permitam acesso a esses estímulos prazerosos para a nossa mente. Através do acesso a esses estímulos, estaríamos até mesmo utilizando da inteligência emocional para tentar reverter esse processo de ansiedade ou alteração de humor para um humor considerado mais positivo", aponta a psicóloga.

Conversamos com psicólogos para entender as reações que as comfort series trazem ao cérebro
Conversamos com psicólogos para entender as reações que as comfort series trazem ao cérebro

Ela ainda ressalta que há diferença entre assistir a produções violentas e tensas e produções de comédia. "No caso das produções mais violentas, o efeito é justamente o contrário, então muitas vezes são ativadas áreas da nossa memória que nos conectam com situações semelhantes que já tenhamos vivenciado, algum trauma, e isso faz com que tenha sintomas corporais que relembram aquele trauma. Então pode até mesmo trazer um aumento de ansiedade, aceleração do coração", conta.

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Debski pondera as afirmações da colega e tem um ponto de vista diferente sobre o tema: "Produções de suspense ou e mesmo terror podem ser desconfortáveis para muitos, mas também são muito prazerosas para diversas pessoas, pois também podem liberar os neurotransmissores do prazer e estimular a liberação de outras substâncias como a adrenalina, que acelera o organismo e gera tensão, sensação de suspense, que é altamente prazerosa para alguns e incômoda para outros", opina. "É uma questão de predisposição, hábito e temperamento individuais", acrescenta.

 A importância de ter prazer

Os especialistas alertam que sempre é importante fazermos atividades prazerosas, porém elas devem ser de natureza potencialmente saudável e não geradoras de doenças e adicções. Debski opina que devemos encontrar prazer nas atividades lúdicas, no estilo de vida saudável, na aprendizagem, nos relacionamentos interpessoais. O profissional inclui que rir é fonte de prazer e bem-estar, além de liberar os neurotransmissores que geram essas sensações, e assim estimula favoravelmente as funções orgânicas inclusive a imunidade, o metabolismo e o bem-estar.

O psicólogo também aponta que terapias nos possibilitam aprender a lidar com nossas dificuldades, superar limitações, melhorar os relacionamentos e ampliar a consciência, transformando a vida e nossos resultados. "Isso, por si, é altamente prazeroso para aqueles que se dispuserem a enfrentar o caminho do crescimento pessoal, independentemente do tipo de abordagem que envolva a terapia".

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Franco acrescenta que existem alguns tipos de terapia que funcionam com essa proposta de trazer à tona estímulos que aumentam o prazer e bem-estar, como algo que chamam de ativação comportamental. Isso é feito com o indivíduo observando sua rotina e vendo quais atividades provocaram mais bem-estar para depois repeti-las em busca daquela sensação. "Tem também a própria terapia comportamental que é você, através de mudanças de comportamento, ativar certas áreas do cérebro mais ligadas à sensação de prazer e bem-estar e alterar o humor", diz.

Dormir assistindo série faz mal?

Especialistas alertam que dormir assistindo televisão ou qualquer vídeo faz mal a longo prazo, prejudicando o sono
Especialistas alertam que dormir assistindo televisão ou qualquer vídeo faz mal a longo prazo, prejudicando o sono

Mas e quando a série é tão comfort que faz a gente... dormir? Certo. Uma vez ou outra não faz mal nenhum, mas, segundo os especialistas, a longo prazo isso pode ser sinônimo de problemas. Debski aponta que, quando vamos dormir, não é saudável estarmos assistindo à TV ou vídeos. O sono depende do bom funcionamento do ritmo circadiano, o chamado relógio biológico, do equilíbrio entre a melatonina e o cortisol, e precisamos de uma gradual redução das atividades conforme se aproxima o horário de dormir, da redução dos estímulos excitantes, da agitação e da luminosidade.

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"A higiene do sono se faz fundamental principalmente para pessoas que têm dificuldade de dormir, pois nos prepara para esse período tão importante do dia, quando o corpo e a mente se reparam dos estímulos diários, nos preparando para o dia que virá a seguir", explica.

Franco vai além: "Dormir assistindo a um filme ou uma série, a longo prazo, pode fazer mal por conta da produção da melatonina, que é o hormônio ligado ao sono, e essa produção pode ser alterada a ponto de não conseguirmos chegar àquele sono profundo, que é o sono realmente reparador".

A psicóloga completa: "Para chegar ao sono mais profundo é necessário um ambiente mais escuro e sem muitos estímulos para que o cérebro não fique em estado de alerta. A presença de sons vai trazer essa excitação do cérebro. A longo prazo, poderia impactar, sim, na qualidade do sono e diretamente na saúde".