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Crítica Evangelion 3.0+1.01 | Um final incrível e problemático para um ícone

Por| Editado por Jones Oliveira | 13 de Agosto de 2021 às 19h20

Divulgação/Amazon Prime Video
Divulgação/Amazon Prime Video
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Evangelion nunca foi sobre robôs gigantes. Embora a franquia tenha se tornado um sucesso mundial justamente por causa dos seus mechas e influenciado praticamente tudo do gênero que veio na sequência, a verdade é que eles nunca foram a parte central da série. A trama sempre girou em torno da relação de seus personagens e de seus sentimentos. E o mais recente filme, Evangelion 3.0+1.01: A Esperança, trata muito bem disso.

O longa é a quarta e última parte da série Rebuild of Evangelion, que funciona como uma espécie de remake do anime original, e traz a visão definitiva do diretor Hideaki Anno para a história que ele iniciou lá em 1995. E o que esse “Director’s Cut” faz é deixar clara a mensagem que ele está há mais de 25 anos tentando nos contar.

Durante todo esse tempo, os fãs apontavam sobre como a história da série era sobre depressão e como o próprio autor se personificava na figura do protagonista Shinji Ikari para discutir a doença e tratar de temas sobre solidão e isolamento. E o novo filme vai um pouco mais além nessa discussão para mostrar que, no fim, as coisas ruins existem também para nos conduzir pelo caminho do amadurecimento.

Atenção! Daqui em diante este texto pode conter spoilers.

O ciclo sem fim

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Há uma fala que traduz muito bem esse espírito ainda no primeiro ato de A Esperança. “A vida é um ciclo contínuo de bons e maus momentos”, afirma uma das personagens. O diálogo acontece de forma corriqueira e sem grande importância para a trama, mas pontua muito bem toda a jornada dos protagonistas ao longo de toda a série Evangelion, sobretudo nesse fechamento.

Essa ideia de que vivemos de maneira cíclica é bastante presente na história. É o novo cataclisma que quase acabou com o mundo novamente, são os sobreviventes vivendo um dia de cada vez para remontar suas rotinas, são os velhos comportamentos que se repetem e criam novos traumas. O ciclo é uma constante, seja de coisas boas ou ruins, e o que o longa discute é se usamos isso para crescer ou para nos esconder daquilo que nos machuca.

O fato de os personagens principais não terem crescido é bem simbólico (Imagem: Divulgação/Prime Video)
O fato de os personagens principais não terem crescido é bem simbólico (Imagem: Divulgação/Prime Video)

Isso fica bem evidente já nas primeiras cenas. O anime dá sequência aos eventos do filme anterior, em que Shinji causou o que eles chamam de “Quase Terceiro Impacto” e que matou milhares de pessoas e forçou uma reestruturação da sociedade. Tomado pela culpa, o garoto se entrega à depressão e passa a viver em um estado catatônico, evitando se relacionar com os outros e praticamente sem sair da sua cama. 

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E há aqui uma alegoria bastante interessante para representar isso tudo. Enquanto o mundo à sua volta seguiu em frente diante do ocorrido e cresceu, Shinji, Asuka e os demais pilotos dos EVAs continuam as mesmas crianças que a gente conheceu no anime original. 

Longe de tratar a depressão como algo infantil ou coisa parecida. A questão aqui é o modo que Evangelion 3.0+1.01 ilustra a dificuldade desses personagens de se resolverem e seguirem em frente. Enquanto aqueles que tiveram suas vidas afetadas pelo Impacto aceitaram suas dores e cresceram — em todos os sentidos do termo —, os pilotos ainda seguem estagnados remoendo esses sentimentos.

Asuka está igualmente agressiva e irritante em A Esperança (Imagem: Reprodução/Prime Video)
Asuka está igualmente agressiva e irritante em A Esperança (Imagem: Reprodução/Prime Video)

E por mais que seja um saco acompanhar esse Shinji completamente imobilizado e uma Asuka ainda mais agressiva, o primeiro ato de A Esperança faz um excelente trabalho na hora de apresentar a temática. Ainda que o ritmo mais lento incomode vez ou outra, essa primeira hora do filme é inteiramente dedicada a desenvolver essa ideia do ciclo e de seus dois lados: ao mesmo tempo em que é necessário, às vezes é preciso romper com ele para deixar a inércia.

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Isso tudo é bem claro no contraste existente no arco de Shinji e Rei. Os dois pilotos são acolhidos por uma pequena aldeia de sobreviventes formada por ex-colegas de classe que seguiram com suas vidas e cresceram. E enquanto o garoto se fecha para o mundo para remoer sua culpa e seu fracasso, o Rei se abre para o novo e para as descobertas que sempre estiveram fora do seu ciclo com a NERV.

Toda essa discussão se concentra principalmente na primeira hora de Evangelion 3.0+1.01: A Esperança e que destoa bastante do tom do restante do longa — não por acaso, há uma quebra entre o primeiro e o segundo ato, quase como se fosse para pontuar que são filmes diferentes. Ainda assim, todo o debate sobre o ciclo de alegrias e tristezas e como isso nos leva ao amadurecimento é algo que ecoa não apenas com o embate final, mas com tudo aquilo que a série Evangelion vem apresentando desde o anime original. E é aí que você entende o porquê essa é uma história tão importante e influente na cultura pop mesmo depois de tanto tempo.

Um outro filme

Só que ainda estamos falando de Evangelion, o que significa que nada disso estaria presente de forma clara e sem seus exageros. Enquanto o primeiro ato de A Esperança subverte as expectativas e mostra uma história mais emocional que é muito interessante, a segunda parte se entrega para a ação e traz à tona toda a confusão que é típica da série. 

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Chega a ser triste dizer que a parte com robôs gigantes é a menos interessante (Imagem: Divulgação/Prime Video)
Chega a ser triste dizer que a parte com robôs gigantes é a menos interessante (Imagem: Divulgação/Prime Video)

Todos os conceitos pseudomísticos embalados em muita ficção científica e absurdos estão lá para fazer você se perder e se perguntar o que diabos você está assistindo. Há quem diga que esse é o grande charme de Evangelion, mas a verdade é que tudo isso se revela algo tão hermético que parece que a história se volta apenas para aqueles fãs que passaram os últimos 25 anos remoendo esse universo, sem se importar com quem está chegando agora.

E não se trata apenas de desligar o cérebro para assistir a uns robôs saindo no soco e a muitas explosões. O ponto é que a primeira parte de Evangelion 3.0+1.01 se revela tão interessante e sensível que o show de pirotecnia que vem na sequência se torna desnecessário. A quebra é tão grande que a ação interminável que se desenrola por quase 1h30 fica inteiramente sem peso.

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Ainda que tudo seja muito bonito e impactante — com direito a algumas referências a Star Wars: Os Últimos Jedi —, toda a ladainha envolvendo a NERV, WILLE e sistema anti-L é desnecessariamente confuso e burocrático que você só aceita e espera aquilo acabar para que a história possa seguir em frente. E o problema é que todo esse embate de naves e robôs gigantes se arrasta por muito mais tempo do que o necessário e faz com que as 2h30 de filme sejam intermináveis.

Todo o segundo ato é centrado em uma batalha de naves sem propósito (Imagem: Divulgação/Prime Video)
Todo o segundo ato é centrado em uma batalha de naves sem propósito (Imagem: Divulgação/Prime Video)

Aliás, esse é um problema de direção que está presente em toda a segunda metade do filme. Além de um excesso de nudez e ângulos ginecológicos em personagens menores de idade que é bastante problemático e sem propósito, as lutas excessivamente longas tiram o peso daquilo que é importante. Quando tudo é grandioso, nada mais o é.

E isso fica bem claro na ação envolvendo os EVAs. Por mais que seja muito legal ver esses robôs saindo no soco, dando pirueta e descarregando uma metralhadora gigante ao mesmo tempo em que empunha uma lança, Evangelion 3.0+1.01 exagera no tom e perde aquilo que fazia o anime original ser tão original: o impacto.

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A série sempre foi muito crua e realista em certos aspectos, apesar de toda a maluquice de sua história. A animação original tinha um peso para os robôs e você sentia o quanto era duro (em todos os sentidos) pilotar aquilo. Mesmo com todas as peripécias, era possível perceber a força necessária para o movimento e como isso castigava o corpo daquelas crianças, ainda mais durante as batalhas. No fim de tudo, Evangelion era o anime em que os mechas desligavam porque acabava a bateria no meio da luta.

É tanta pirotecnia e macaquice que deixa de ser Evangelion (Imagem: Divulgação/Prime Video)
É tanta pirotecnia e macaquice que deixa de ser Evangelion (Imagem: Divulgação/Prime Video)

Só que, em A Esperança, a direção leva a história para uma ação tão desenfreada que nada disso está lá. Os EVAs estão tão soltos e leves que todo esse peso que simbolizava o fardo carregado pelos pilotos desaparece para dar lugar a muita macaquice e explosão. É bonito de se ver, mas isso é qualquer outra coisa, menos Evangelion.

O problema é que isso tudo antecede as grandes explicações do filme, quando Evangelion 3.0+1.01 amarra todas as maluquices da série com as temáticas que o autor apresentou até aqui. A forma com que ele faz isso é interessante — embora um tanto confusa em muitos aspectos —, mas chega em um momento em que o espectador já está completamente desconectado do filme. 

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O peso da batalha final se perde diante de muita ação desnecessária (Imagem: Reprodução/Prime Video)
O peso da batalha final se perde diante de muita ação desnecessária (Imagem: Reprodução/Prime Video)

A Esperança perde tanto tempo e energia em exageros desnecessários que o seu desfecho acontece já sem força. O filme fecha uma história de 25 anos muito bem ao espelhar o ciclo de dor de Gendo Ikari naquilo que conhecemos de Shinji e mostrar como o herói percebe isso para poder quebrar o mesmo ciclo e, enfim, amadurecer. Só que, da mesma forma que os seus EVAs, tudo isso acontece sem peso algum.

No fim das contas, Evangelion 3.0+1.01: A Esperança ainda é um excelente encerramento para um clássico da cultura pop e que não tira o brilho de um dos melhores animes já feitos. Só que, ao mesmo tempo, deixa mais claro do que nunca os seus problemas e excessos que ainda mantém a obra fechada em seu próprio nicho. Era a oportunidade de levar para novos públicos, mas segue tão hermética quanto antes.

Evangelion 3.0+1.01: A Esperança está disponível no catálogo do Prime Video para todos os assinantes.