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Oito perguntas sobre: o Marco Legal das Startups

Por| 01 de Novembro de 2020 às 21h00

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Rawpixel/Depositphotos
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Depois de anos de espera, o governo federal finalmente levou ao Congresso Nacional o chamado Marco Legal das Startups, um conjunto de leis que promete facilitar a vida de empresas do gênero.

O objetivo do texto é criar pontos que delimitam bem a área de atuação das startups, proporcionando um ambiente mais seguro juridicamente para empreendedores e também potenciais investidores.

E o Marco Legal chega em bom momento. Segundo dados da Associação Brasileira das Startups (ABStartups), no cenário geral de startups no Brasil, temos, atualmente mais de 12,7 mil empresas nesta categoria. E a distribuição destas pelo país tem acentuada concentração regional: são 5730 empresas situadas no Sudeste, 2231 na região Sul, 994 atuando no Nordeste, 580 no Centro-Oeste e somente 228 na região Norte. O ecossistema ainda é formado por 363 incubadoras e 57 aceleradoras.

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E deste total, muitas delas se encontram em diferentes etapas de desenvolvimento (idealização, operação, tração e escalonamento). Por isso, é necessário termos um marco legal que proporcione a todas um cenário mais seguro em termos jurídico e que atraia potenciais investidores, sejam eles os chamados "investidores-anjo" ou aqueles oriundos de fundos de investimento de capital de risco.

Em resumo, o Marco Legal das Startups chega para tentar desburocratizar processos que, em muitos casos, emperram o crescimento do ecossistema do país. E para falar sobre o que esta nova legislação traz de positivo - e também sobre os pontos ausentes - o "Oito perguntas sobre" deste domingo conversou com Eduardo Zilberberg, sócio-coordenador da área de Venture Capital e Startups do Dias Carneiro Advogados, além de sócio na área de Fusões e Aquisições. Ele frequentemente assessora clientes em fusões e aquisições, private equity, joint ventures e reorganizações de empresas e traz um panorama geral de como o marco legal pode afetar positivamente o setor.

Confira como foi o papo:

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Canaltech - De forma geral, o que é o Marco Legal das Startups? Como ele poderá ajudar o ecossistema deste tipo de empresa no Brasil? Quais os principais pontos do Marco Legal?

Eduardo Zilberberg: O Marco Legal das Startups é uma legislação que busca estimular o empreendedorismo e a inovação. Há alguns pilares que podem ser destacados. Um deles é a desburocratização, ou seja, simplificar as regras, principalmente, para as empresas classificadas como startups, que possuem faturamento e porte limitados.

O segundo pilar tem relação com a maior segurança aos investidores, a partir de alternativas para aporte de capital e regras para proteger os investidores dos passivos da empresa, com o objetivo de estimular os investimentos em startups.

O terceiro ponto trata da relação das startups com o Governo. A iniciativa visa regular os processos licitatórios, permitindo maior inclusão dessas empresas nos contratos, e consequentemente, reduzindo custos para as entidades públicas.

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No dia 19/10, o texto definitivo que foi apresentado pelo governo ao Congresso: é o Projeto de Lei Complementar 249/2020 e já está tramitando na Câmara dos Deputados.

CT - Há algo semelhante ao Marco Legal para startups em outros países? Quais deles são referências nesse sentido?

E.Z.: Cada país tem iniciativas e formas de estimular a inovação e o empreendedorismo. Um exemplo é o Estados Unidos, que implantou o The Jumpstart Our Business Startups Act, incentivando o crowdfunding. As regras, inclusive, inspiraram a legislação brasileira quanto ao crowdfunding.

Entretanto, o Marco Legal das Startups visa endereçar os problemas locais, como exemplo a burocracia na abertura de empresas. Nos Estados Unidos, já é muito fácil e rápido abrir uma empresa, de modo que iniciativas são adaptadas a cada realidade.

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CT - Que dificuldades as startups enfrentam hoje no ambiente de negócios brasileiros e que o Marco Legal pode auxiliar?

E.Z.: Podemos citar a demora para abertura das empresas. Nos Estados Unidos, é possível abrir uma empresa em 24 horas. No Brasil, pode levar semanas ou até meses, a depender da situação. Por exemplo, para receber um aporte de capital de um sócio americano, a empresa precisa providenciar a notarização e apostilamento da documentação no país de origem, bem como traduzir e registrar em cartório antes de prosseguir com o registro na junta comercial.

Outra questão é a exigência de publicações e formalidades de acordo com a Lei das S.A., o que acaba aumentando o custo de manutenção e estimulando empresas a constituírem sociedades limitadas que, por sua vez, não são o veículo ideal para que a empresa receber aportes de capital de investidores. O Marco Legal das Startups prevê regras para limitar essas formalidades, entre outras medidas.

CT - A chegada do Marco Legal das Startups pode facilitar os investimentos por parte dos fundos de venture capital? Que tipo de dificuldades eles encontram hoje para realizar aportes?

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E.Z.: O Marco Legal é mais um passo na direção de um ecossistema favorável ao desenvolvimento de startups, o que por sua vez estimula um maior número de investimentos.

CT - Existem pontos que o Marco Legal das Startups não toca e que poderiam ajudar ainda mais o ecossistema?

E.Z.: Foi dado o pontapé inicial para começar a discussão. Mas precisa ser melhorado em muitos aspectos. É necessário que outras legislações acompanhem e ratifiquem essas mudanças; e que os tribunais e os órgão públicos interpretem e apliquem a legislação de forma favorável a empreendedores e investidores.

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CT - Espera-se um aumento no número de novas startups a partir da aprovação do Marco Legal?

E.Z.: O Marco Legal das Startups tem uma boa intenção e cria regras para estimular a desburocratização e o aporte de investidores. No entanto, para avaliar o impacto é preciso aguardar para ver como as novas regras serão interpretadas.

Por exemplo, não adianta a lei tentar limitar a desconsideração da personalidade jurídica se, na prática ainda houver decisões judiciais responsabilizando investidores pelas dívidas das empresas. Porém, à medida que o judiciário respeite a limitação da responsabilidade do investidor teremos maior segurança jurídica, mais investimentos e, consequentemente, maior número de startups.

Da mesma forma funciona para a desburocratização. É preciso entender como as juntas comerciais vão interpretar essas regras, sem criar procedimentos que perpetuem a burocracia e complexidade na abertura – e principalmente no fechamento de empresas.

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A proposta também menciona a possibilidade de contrato de opção de subscrição de ações. Hoje, ainda há controvérsia a respeito do tratamento tributário dado a um aporte recebido em troca de uma opção do investidor receber ações no futuro. Se for considerado como uma receita da empresa, por exemplo, gerando necessidade de tributação, isso com certeza não vai ser um estímulo a essa modalidade de investimento.

CT - Uma das questões que não foram abordadas no Marco Legal das Startups é a trabalhista. O dinamismo que envolve o modo de funcionamento de uma startup exige regras trabalhistas diferentes na sua opinião?

E.Z.: Com efeito, se por um lado o regime de contratação CLT é bastante oneroso para startups, de outro lado a contratação de serviços por meio de uma pessoa jurídica constituída pelo indivíduos (prática conhecida como “pejotização”) é alvo de constantes fiscalizações e acaba criando um passivo para as startups que pode afugentar investidores.

Seria fundamental uma adequação da legislação trabalhista à realidade atual. Além disso, o projeto de lei não ataca a questão da tributação de opções de compra de ação, que hoje é a principal forma de incentivar contratações pelas startups. Assim, não há clareza em relação aos parâmetros que precisam ser adotados pela startup para que ela possa vender participações societárias a empregados sem que isso seja considerado como parte do salário do empregado.

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CT - Outro ponto não abordado no Marco Legal foi a questão tributária. Em sua opinião, startups precisam de um regime tributário diferenciado em relação a outras empresas, dado o modelo de negócios e o nível de investimentos?

E.Z.: As startups não precisam necessariamente ter um regime tributário diferenciado. Porém, as regras de regimes tributários que hoje já existem para beneficiar pequenas empresas precisam ser adaptadas à realidade das startups. Por exemplo, a empresa que for constituída com sociedade anônima ou possuir pessoa jurídica no seu quadro de sócios não pode estar enquadrada no Simples Nacional.

Ocorre que as startups, desde o início, precisam de aportes de capital que seriam feitos por meio de fundos de investimento e que ,por sua vez, exigem a transformação da empresa em sociedade anônima. Ou seja, mesmo que a startup tenha zero de receita, ela não poderá se beneficiar do Simples.