Beta de novo sistema operacional da Huawei tem os mesmos códigos do Android
Por Felipe Junqueira | 02 de Fevereiro de 2021 às 21h20
A Huawei promete lançar um novo sistema operacional para celulares em breve, que seria totalmente diferente de Android ou iOS, segundo o material de promoção da própria empresa. Porém, de acordo com um desenvolvedor que passou por um complexo processo para acessar o beta do HarmonyOS, não é bem assim.
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Ron Amadeo, do site Ars Technica, conseguiu acessar a segunda versão de teste do novo sistema operacional da Huawei e constatou que o HarmonyOS nada mais é do que algumas novas linhas de código por cima do Android 10. De acordo com ele, não apenas os recursos são iguais, mas o código de todos eles é o mesmo da versão mais limpa do sistema do Google.
Claro que não existe nenhum problema legal em adaptar o código do Android para fazer uma interface própria, até porque o sistema do robozinho tem código aberto. O problema é que, nas palavras de Richard Yu, presidente da fabricante chinesa, que é a maior vendedora de celulares na China e já ocupou a liderança global, o HarmonyOS é algo “completamente diferente do Android e iOS”.
E não foi apenas Yu a divulgar o sistema como algo novo e diferente. O presidente de software para o consumidor, Wang Chenglu, reforçou a declaração ao dizer que o “HarmonyOS não é uma cópia do Android, nem uma cópia do iOS”. Não foi exatamente o que Amadeo viu nas linhas de código do beta.
Copia, mas não faz igual?
O HarmonyOS parece basicamente uma pequena modificação da interface EMUI em que a Huawei trocou os nomes para mostrar o de seu novo sistema. Da tela de inicialização até a que mostra informações do telefone, tudo parece com o Android 10 sob a skin da Huawei, sem as menções ao sistema do Google ou à antiga interface da companhia chinesa.
“A justificativa oficial é que a Huawei portou a interface EMUI para o sistema HarmonyOS, mas todos os bits sob a skin também parecem ser do Android”, escreveu Amadeo. Ou seja, não apenas a empresa manteve a aparência de sua interface antiga, mas também não alterou as linhas de código do Android, que é o que faz o sistema funcionar, o que ativa os recursos.
“Uma visita rápida à tela de aplicativos confirma que o telefone roda Android. Você verá aplicativos como ‘Android Services Library’, ‘com.Android.systemui.overlay’, ‘Androidhwext’ e por aí vai”, explicou Amadeo. De acordo com ele, parece que a Huawei fez uma espécie de substituição do termo Android por HarmonyOS, o que fica evidente ao acessar o pacote ‘HarmonyOS System’, que mostra o ícone de sistema do robozinho.
“O ‘verde Android’ é uma pista irrefutável, assim como uma etiqueta que diz ‘versão 10’”, escreveu. “Não era o HarmonyOS versão 2?”, questionou Amadeo.
Beta?
Outro ponto levantado por Amadeo é que o HarmonyOS não parece, nem de longe, uma versão beta de sistema operacional. “Você deveria ver seleção de app inexistente, recursos limitados e outras arestas”, observou. Mas o sistema da Huawei é bem completo e funcional, além de ter uma loja de apps bastante completa, a Huawei App Gallery, “que tem toneladas de apps porque é uma loja de apps Android”.
“Se o HarmonyOS é realmente um ‘novo’ sistema operacional, os engenheiros da Huawei fizeram um trabalho incrível”, destacou o jornalista. “Eles até copiaram perfeitamente cada recurso do Android 10. Há um sistema de navegação por gestos, milhares de configurações, um sistema de permissões, suporte ao NFC toque-e-pague, modo escuro e um painel de notificações matador”, apontou.
O texto segue com mais indicações de que o tal sistema “completamente diferente do Android 10” não passa de um Android 10 em que os desenvolvedores tentaram remover qualquer menção ao sistema do Google.
De novo, não há nenhum mal em usar o código aberto do Android para tentar criar um novo ecossistema, já que não há necessidade alguma de negociar com o Google para isso. A Huawei está proibida de comprar tecnologia, componentes ou produtos americanos, mas a licença de linhas liberadas do robozinho verde não a proíbe de aproveitá-lo como puder — o problema é vender como algo totalmente diferente.
Acesso dificultado
Antes de conseguir chegar ao beta, Amadeo passou por um complexo sistema de verificação da sua identidade. A Huawei exigiu, entre outras coisas, fotos de seu passaporte e cartão de crédito. Em vez de disponibilizar um simples arquivo SDK, a companhia chinesa exige que o acesso de qualquer desenvolvedor seja por meio de máquina virtual, que acessa, aparentemente, um dispositivo físico na China.
Isso também não seria um problema, claro. Cada empresa cria seus próprios métodos de verificação para desenvolvedores interessados em criar apps para seus sistemas operacionais. E talvez a ideia da Huawei até seja tentar evitar que simples curiosos acessem o código-fonte do HarmonyOS, mas o ideal seria tentar facilitar, até para receber sugestões de melhorias.
A sorte da Huawei, como o próprio Amadeo aponta na conclusão de seu artigo, é que o governo chinês tem interesse em que o HarmonyOS vingue; e a China tem um mercado consumidor potencial de 1,4 bilhão de pessoas. Apesar de todos os problemas, é possível que a Huawei tenha êxito onde tantas outras empresas, como a poderosa Microsoft ou a Nokia, até então maior fabricante de celulares do mundo, fracassaram.
Fonte: Ars Technica