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Netflix está cancelando séries demais? Impressão sua

Por| 19 de Agosto de 2019 às 11h45

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Divulgação/Netflix
Divulgação/Netflix
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Nos últimos meses, a Netflix tem desenvolvido entre os fãs e a crítica uma fama de “assassina”. Isso porque o serviço de streaming tem “matado” - ou seja, cancelado - diversas séries que possuem uma base de fãs fiel e dedicada - como nos casos de House of Cards, Orange is the New Black e todas as séries da parceria com a Marvel.

Além destas, a empresa também tem anunciado alguns cancelamentos que ninguém consegue entender: por exemplo, semanas depois a estreia de Tuca & Bertie - criada pela cartunista Lisa Hanalwalt, de Bojack Horseman, e estrelada por Tiffany Hadish e Ali Wong - a Netflix anunciou que não encomendará mais episódios da obra. A decisão chocou a crítica, que considerou Tuca & Bertie como uma das melhores séries do ano e esperava que a empresa desse à ela o mesmo tratamento dado à Bojack Horseman, que demorou ao menos duas temporadas para se tornar um sucesso comercial.

Mas essa recente onda de cancelamentos deixa uma coisa muito clara: a Netflix está mudando o seu modo de fazer negócio. Mas, para muita gente, o maior problema não são os cancelamentos, mas a falta de transparência quanto a eles.

Ilusão de ótica

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Apesar da impressão de que a Netflix está “exagerando” na quantidade de cancelamentos este ano, os números mostram que a empresa não é muito diferente de qualquer outra emissora nesse sentido. Entre 2013 e 2017, cerca de 19% de todas as séries que estrearam pela Netflix (contando apenas aquelas produzidas pelo próprio serviço de streaming nos Estados Unidos) tiveram mais do que três temporadas. Esse número é idêntico ao da CBS (o maior canal de TV aberta dos EUA) e a HBO (o maior canal da TV à cabo). Ao mesmo tempo, quase 50% das séries da Netflix lançadas nesse período foram renovadas mais duas vezes antes de serem canceladas - ou seja, tiveram três temporadas antes do encerramento - o que também é um número praticamente idêntico ao da HBO.

Mas, ainda que as porcentagens de cancelamento não sejam tão diferentes de outras emissoras, a quantia que a empresa tem investido em novas produções tem ajudado a criar a “ilusão de ótica” de que a Netflix tem cancelado muita coisa. Isso porque nenhum canal tem investido tanto em séries, filmes e documentários originais quanto a Netflix - a previsão é de que, só neste ano, o serviço de streaming gaste mais de US$ 14 bilhões em suas obras.

Isso acaba criando a sensação de que a empresa está “cancelando tudo” que ela tem, mas é apenas uma impressão criada pelo fato de que, enquanto as outras emissoras costumam produzir cinco ou seis novas séries a cada ano - e na qual metade delas não sobrevive mais do que três temporadas - a Netflix tem estreado dezenas de novos conteúdos (entre séries, filmes e documentários) a cada mês, o que cria a impressão de que ela tem cancelado muita coisa, quando na verdade é apenas a mesma porcentagem de todos os outros canais, aplicado a uma quantidade de produtos muito maior.

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Algo que também é preciso levar em conta é o fato das receitas da Netflix proverem de um lugar muito diferente se comparada a outros canais. Enquanto emissoras como a CBS e NBC dependem do dinheiro dos comerciais que são exibidos durante os programas, o faturamento da Netflix provém puramente do pagamento da assinatura de seus assinantes.

Assim, historicamente, a Netflix tem sempre se preocupado em transmitir programas que possam atrair a atenção de novos assinantes - e, como os números da empresa indicam que, na maior parte dos casos, há uma enorme perda de audiência entre a primeira e a segunda temporada de uma série, é necessário que ela continue sempre investindo na produção de novas obras para continuar a atrair novos assinantes.

Entra também nessa conta a “inércia” dos seus assinantes: de acordo com os dados coletados pela empresa, uma pessoa que já assina o serviço tem poucas chances de interrompê-lo depois que uma série favorita é cancelada, mantendo a assinatura pela facilidade de acesso, mesmo que esse usuário diminua o tempo que dedica à plataforma. Esse comportamento ajuda a empresa a não ter medo de cancelar obras que apresentam resultados abaixo das expectativas ou aquelas que já se prolongaram por tempo demais e os custos de produção são elevados para o que ela traz em termos de audiência, atenção da mídia e, claro, novos clientes. Então, desde que o ritmo de produção de novas obras não diminua, ela pode se sentir confortável para cancelar qualquer uma que achar que não valha a pena financeiramente.

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Falta de transparência

Mas a maior frustração de criadores, críticos e fãs com os cancelamentos da Netflix está na falta de transparência sobre a tomada de decisões. Isso porque, ainda que os cancelamentos da empresa sejam baseados em métricas de audiência e interesse do público, há um porém: esses dados não são os mesmas usados pelos outros canais de TV e também não são divulgados publicamente.

A análise do que a Netflix chama de “eficiência” de uma série - que leva em conta não apenas o número de visualizações que um determinado programa teve, mas também quantas pessoas assistiram a todos os episódios, quantas abandonaram na metade e não retornaram, e quantas assistiram mais de uma vez - é a base para as renovações e cancelamentos de tudo o que a companhia produz, mas o cálculo de como isso é feito é um segredo que apenas os analistas da empresa conhecem.

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Claro, nessa equação entram também os custos de produção: quanto mais temporadas tem uma série, mais caro é para produzi-la - pois normalmente existem cláusulas nos contratos dos atores, roteiristas e produtores que garantem aumentos exponenciais a cada nova sessão. Essa é uma prática comum não apenas à Netflix, mas a qualquer emissora de TV, e o motivo de por que metade de todas as séries produzidas por esses canais não passa da terceira temporada, já que fica muito caro continuar produzindo uma atração que não seja um fenômeno de público - como Game of Thrones, Stranger Things, Grey’s Anatomy, The Big Bang Theory e tantas outras que possuam diversas temporadas - depois da terceira.

Mas por que a Netflix não divulga esses números? Ela claramente faz isso quando lhe convém - por exemplo, para fechar um contrato com Ryan Murphy (Glee, American Horror Story), a empresa mostrou a ele todos os números de audiência que possui para a finalização do acordo. E, de acordo com a companhia, ela não disponibiliza esses números porque não é necessário. Já as emissoras de TV que divulgam retorno de audiência e outras métricas do tipo o fazem porque precisam mostrar para os anunciantes quantas pessoas assistem a um determinado programa e porque é interessante que uma Nike da vida pague para divulgar seu produto ou sua marca naquele horário - e, como a Netflix não vende anúncios, não existe essa necessidade de ser tão aberta, até para não facilitar a vida da concorrência - que vem crescendo.

Mas esse posicionamento tem atrapalhado não apenas os fãs, que não entendem porque suas séries favoritas estão sendo canceladas, mas também os próprios produtores - que não possuem informações sobre quem está assistindo as mesmas no momento que se sentam com os executivos da Netflix para negociar uma renovação - ou mesmo dar um outro direcionamento à atração caso necessário. Assim, a empresa tem, nos últimos anos, ganhado uma reputação de “falta de respeito” para com as mentes criativas que assinam com ela, o que pode atrapalhar com que novos produtores de renome tenham interesse em se juntarem ao streaming - principalmente agora que existem diversas outras produtoras atrás desses nomes, como a Disney, a Amazon e a Apple.

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Por isso, o Diretor de Conteúdo da Netflix, Ted Sarandos, afirma que a empresa tem aos poucos mudado sua relação para com esses produtores, sendo muito mais transparente em termos de revelar para eles quem é o público que está assistindo a essas produções e qual o desempenho que ela está tendo em comparação ao ecossistema do serviço como um todo. E, aos poucos, a empresa também tem sido cada vez mais transparente com os seus números de forma pública. Tanto que, nos últimos meses, já divulgou que a minissérie Olhos que Condenam foi vista por mais de 25 milhões de usuários em seu mês de estreia, enquanto a “dramédia” Disque Amiga para Matar foi vista por mais de 30 milhões de assinantes no mesmo período.

Mesmo assim, as informações ainda são muito poucas para que o público consiga ter uma ideia de qual é o verdadeiro “estado de saúde” da Netflix, e a recente onda de cancelamentos tem feito muita gente se preocupar com o futuro do serviço na “guerra do streaming”. Isso porque a empresa deverá ganhar um adversário de peso quando o Disney+ for inaugurado em novembro.

Mesmo que executivos da Netflix afirmem que as decisões tomadas pela cúpula podem mudar rapidamente, com a quantidade de programas cancelados diminuindo ao longo dos anos, enquanto não tivermos dados concretos para entender por que tal programa foi "limado" da grade, petições para salvar séries que morreram sem muita explicação - como nos casos de Santa Clarita Diet e One Day at a Time - continuarão se tornando cada vez mais comuns.

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Fonte: Bloomberg