Crítica Onde Está Meu Coração | Uma obra prima em forma de série
Por Diandra Guedes • Editado por Jones Oliveira |
Lançada no Globoplay em maio de 2021, a série de drama Onde Está Meu Coração chegou à Globo em fevereiro de 2023, chamando a atenção do público e provando que é uma verdadeira obra prima em forma de minissérie. Com dez capítulos no total, a produção que é estrelada por Letícia Colin (Sessão de Terapia) mostra como o vício em drogas pode acabar com a vida de uma pessoa e de todos que estão à sua volta.
Na trama, Colin é Amanda, uma médica branca, de família rica que vive em São Paulo e faz residência em um hospital particular. Ela é filha de David (Fábio Assunção) e Sofia (Mariana Lima) e é casada com Miguel (Daniel de Oliveira), com quem tem uma boa relação e divide o gosto pelas drogas.
Acontece que Amanda se viciou em crack e não consegue mais esconder sua abstinência, chegando a usar a droga até mesmo dentro do hospital. Tudo isso é mostrado logo no primeiro episódio, provando que a série não fica preenchendo espaços desnecessários e vai direto ao ponto.
Em poucos capítulos, a vemos perder o controle gradativamente à medida que fica sem a droga. Nesse ponto já dá para entender porque Colin foi indicada ao Emmy. Com uma atuação magistral, a atriz dá o tom certo à personagem, explorando todas as nuances necessárias e fazendo por merecer cada prêmio que venha a ser indicada.
Uma das sequências mais interessantes é quando ela foge dos funcionários da clínica que foram chamados pelo seu pai para interná-la. A atriz entrega um show de atuação e torna a cena cada vez mais verídica. Outro destaque acontece quando Amanda, completamente drogada, vai a um galpão para usar a droga. Sofia até tenta tirá-la daquela situação, mas a médica está tão entregue ao vício que acaba fingindo desconhecer a mãe.
Aqui vale ressaltar que Onde Está Meu Coração é um retrato visceral da vida de uma pessoa acometida pelo abuso de drogas. A série mostra que o vício pode vitimar qualquer pessoa: rica ou pobre, branca ou preta, homem ou mulher. Todos os dez episódios são muito bem dirigidos por Luísa Lima, que trouxe um olhar sensível, capaz de despertar a emoção no espectador.
E cabe falar que a série é para ser vista e sentida. É difícil que alguém passe ilesa por ela. É, certamente, aquele tipo de produção que fica na mente do público por um bom tempo depois que acaba.
Muito além do crack e de Amanda
Apesar da protagonista ser uma potência e, obviamente, o ponto central da série, ela não é a única personagem que rouba a cena. Isso porque os coadjuvantes de Onde Está Meu Coração são muito bem trabalhados.
Sofia é uma mulher forte, determinada, cheia de desejos pela vida, mas que é arrastada pelos problemas da filha, do marido e do trabalho. Mariana Lima, claro, não decepciona e mostra que quando tudo desmorona só quem fica é a mãe.
Daniel de Oliveira também se sai bem como Miguel, que embora tenha embarcado no mundo das drogas com Amanda, logo a abandona quando aparecem as primeiras dificuldades. Os dois têm química em cena, e o desenvolvimento da relação é bem trabalhado na obra.
O maior destaque, no entanto, fica para David, vivido por Assunção. Na série ele também é um médico que lutou por um tempo contra o alcoolismo, mas que acaba cedendo ao vício quando não consegue mais lidar com a filha drogada. Além do álcool e do cigarro, David também comete adultério com a secretária Marta (Bárbara Colen).
Assunção conduz com maestria o personagem, sempre dividido entre a razão de ficar sóbrio e ser um exemplo para a filha, e a fraqueza que o faz sucumbir ao vício e se tornar um infiel. Com um currículo extenso, o ator mostrou mais uma vez porque sempre foi um queridinho da televisão. Sem excessos e misuras desnecessárias, ele criou um pai dedicado e apaixonado pela filha, que fez tudo que foi possível para cuidá-la e protegê-la, mas que continuou sendo humano e frágil.
Entre as melhores sequências de pai e filha, destaca-se a do penúltimo episódio, quando Amanda — já sóbria — vai atrás do pai que está bebendo cerveja em uma praia. Ali, a inversão de papéis mostra a vulnerabilidade da vida: a filha já recuperada tentando trazer o pai de volta para a sobriedade.
Pequenas falhas também fazem parte
Como nem só de acertos vive uma produção, dois personagens incomodam. A primeira é Vivian, vivida por Camila Márdila (que brilhou em Bom Dia, Verônica). A personagem é um tanto quanto caricata, mesmo que o exagero faça parte do seu enredo. Chata e sem carisma, Vivian mais irrita do que propriamente se firma como uma antagonista.
Já a outra é Júlia, irmã de Amanda, vivida por Manu Morelli. A jovem não sabe se quer a castidade antes do casamento, se quer namorar, se quer ficar com o cunhado. Seu arco é mal trabalhado e ela se resume a apenas uma adolescente chata, mimada e um tanto quanto cruel em alguns momentos.
Outro furo importante é que Onde Está Meu Coração derrapa na geografia e faz parecer que Santos e São Paulo são tão próximas que dá para ir a pé. Não é bem assim, e a falha fica nítida em vários momentos.
Trilha sonora é ponto alto
Voltando aos elogios, se os atores e a direção não deixam a desejar na série, a trilha sonora também corrobora com o sucesso da produção. As canções trazem o melhor da discografia internacional e nacional, e parecem se encaixar perfeitamente aos momentos em que são inseridas.
O destaque fica para Motor de Gal Costa e para Mora na Filosofia de Caetano Veloso, que ganhou outra roupagem na voz de Colin, se tornando, inclusive, o encerramento da obra.
Onde Está Meu Coração e todas as etapas do vício
Por fim, a série criada por George Moura e Sergio Goldenberg tem um texto sensível e passa por todas as possíveis fases do vício: o uso, a abstinência, a prostituição, o roubo, a internação e a sobriedade.
Muito bem escrita, dirigida e interpretada, a produção é um acerto do Globoplay, e continua merecendo o play, mesmo que já tenha estreado há mais de um ano.
Se você quiser dar uma chance a Onde Está Meu Coração, já pode assisti-la no catálogo do streaming.