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Crítica | O Preço da Perfeição e a arte de criar drama completamente dispensável

Por| 23 de Dezembro de 2020 às 21h30

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Divulgação: Netflix
Divulgação: Netflix
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O universo da dança, visto de quem tem como base obras relacionadas à arte, como o popular Cisne Negro, consegue ser muito cruel. São poucas vagas, poucas chances, poucas pessoas que conseguem ter o privilégio de se apresentar nos melhores palcos do mundo, ter os melhores professores, aprender as melhores coreografias e dedicar a vida única e exclusivamente para isso.

Em um dos lançamentos mais recentes da Netflix, O Preço da Perfeição, vemos exatamente isso acontecendo. Na série, uma nova bailarina, Neveah Stroyer (Kylie Jefferson), entra na escola de dança Archer School of Ballet, em Chicago, para substituir Cassie (Anna Maiche), que está em coma após uma tentativa de assassinato. A jovem, o que é mostrado logo no início do primeiro episódio, estava dançando na cobertura da escola quando aparece sendo empurrada por uma pessoa misteriosa, que vestia um moletom com capuz.

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Cassie por pouco não morreu, mas conseguiu ser socorrida a tempo pela policial Isabel (Jessica Salgueiro) e ficou em coma no hospital, entre a vida e a morte respirando por aparelhos. É claro que, logo no começo, a série mostraria que seria sustentada com base no clichê de que, se ela acordar, o culpado corre o risco de ter a sua identidade revelada. Mas enquanto isso não acontece, seja Cassie acordar ou acabar não resistindo, a trama aposta em um elenco de personalidades intragáveis que vivem em uma eterna competição, mas que por ser composto por bailarinos profissionais, as performances acabam, como diz o bom ditado da internet, “carregando a série nas costas”.

Atenção: esta crítica contém spoilers da série O Preço da Perfeição!

Em O Preço da Perfeição, a competição corre solta e não há escrúpulos por parte de nenhum personagem na hora de se sair bem. Por se tratar de um universo com espaço para poucos e que exige uma dedicação física e psicológica, que acaba resultando em diversas formas de sacrifícios na vida pessoal e profissional, as atitudes até que são justificáveis. Porém, a trama não compensa pelo asco que os personagens provocam e opta por não trazer um personagem bonzinho, alguém que é sensato em 100% do tempo e que coloca a humanidade em primeiro lugar. Nem mesmo a protagonista.

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A série é carregada de informação, longa e com muitas cenas desnecessárias. As discussões nem sempre fazem sentido, alguns acontecimentos não deixam as peças se encaixarem completamente e é extremamente cansativo acompanhar a vida de todos aqueles dançarinos. As cenas de sexo são praticamente profissionais para jovens de 16 anos, apelando para uma sensualidade nada natural que parece ter sido coreografada para pegar os melhores ângulos pela câmera.

É complicado entender “qual é a deles”, uma vez que em um dia são sensatos e no outro têm comportamentos extremamente desagradáveis. É como se sofressem de um grave distúrbio de personalidade. Um passa a perna no outro a todo tempo e os conflitos são tantos que é fácil esquecer que Cassie está internada, o que lembramos apenas quando alguém vai visitá-la no hospital.

Dentro de toda a história envolvendo a tentativa de assassinato de Cassie, que acaba revelando que tudo não passa de pura inveja, ciúme, competição e atitudes inescrupulosas para estar no topo (nenhuma novidade), outra trama acontece em paralelo, sendo muito mais interessante que o próprio foco em si. Monique Dubois (Lauren Holly), uma das cabeças da escola de balé, tem um acordo com um clube local que investe muito dinheiro para que as bailarinas sejam contratadas como garçonetes e, consequentemente, se tornem acompanhantes.

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No entanto, nem mesmo a investigação dos dançarinos sobre o esquema é empolgante, nem mesmo o desmanche, as ameaças que recebem, a exposição... nada disso empolga. Nenhuma atitude emociona, nos faz torcer, vibrar, se revoltar. Todos os problemas são construídos de uma forma sem graça que acaba transformando a trama apenas em uma grande confusão com pessoas horríveis.

O Preço da Perfeição tinha tudo para ser uma série de empoderamento, com debates profundos sobre racismo, mostrando Neveah se superando a cada vez mais e enfrentando os preconceitos, dando uma lição em todos os colegas que a julgam pelo seu estilo e pela sua dança que tem como bagagem a cultura do hip-hop. A personagem acaba sendo mais do mesmo, praticamente com as atitudes iguais daquelas pessoas que antes a reprimiam.

Poderia falar sobre o feminismo, com as garotas se ajudando de uma forma mais empática, entendendo o lugar da outra, e não passando a perna para ganhar a atenção dos professores. Poderia explorar mais os estereótipos de que homens dançarinos são gays, o preconceito enfrentado por quem realmente é homossexual ou por aqueles que não conseguem seguir o sonho de entrar no balé por preconceito da família.

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Mas nada disso acontece. O Preço da Perfeição até ensaia para trazer à tona esses debates, mas nada evolui, nada se desenvolve. Nem mesmo o momento em que a Cassie acorda e mente sobre quem a empurrou é empolgante, nem quando descobrimos quem realmente foi. As respostas nem ao menos revoltam, pois a série é “água com açúcar” do começo ao fim.

O único grande mérito que pode ser apontado na trama é a arte da dança, com cenas extremamente bem coreografadas, principalmente por se tratar de atores que também dançam profissionalmente. Mas se a intenção da série foi valorizar o balé, a missão falhou por mostrar um mundo desesperançoso de traições, trapaças e crimes, sem nenhum benefício a não ser gerar intrigas, destruir famílias e outras relações. A produção poderia mesclar a realidade do universo com a beleza da arte de forma mais intensa e que valorizasse mais o sacrifício dado pelos profissionais da dança ao que sabem e amam fazer. Mas falhou.

O Preço da Perfeição está disponível na Netflix em 10 episódios.