Rastreamento e teste genético: a arte de detectar câncer antes dele aparecer
Por Nathan Vieira • Editado por Claudio Yuge |
Na última segunda-feira (5), um estudo de Harvard mostrou que vacinas projetadas para combater o melanoma (a forma mais letal de câncer de pele) mantêm seus efeitos no sistema imunológico anos após a injeção, levantando olhares para os avanços da ciência no combate contra o câncer. No entanto, a importância desse combate não se limita apenas aos diagnósticos: quanto antes descobrir a predisposição a ter a doença, melhor, e a tecnologia contribui com essa questão por meio do mapeamento genético.
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A cada ano são diagnosticadas mais de 12 milhões de pessoas com câncer no mundo. No Brasil, esse número chega a mais de 600 mil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). O câncer pode ser potencialmente grave e até fatal, mas na maioria das vezes trata-se de uma doença curável, especialmente quando diagnosticada precocemente. Com o teste genético, a pessoa consegue descobrir o risco de desenvolver a doença com muito mais tempo para se prevenir.
Ainda de acordo com o INCA, um a cada quatro casos de câncer de ovário e um a cada dez casos de câncer de mama estão relacionados a alterações genéticas hereditárias, ou seja, herdadas pelos pacientes, o que demonstra a importância do mapeamento genético para prevenção, diagnóstico precoce e tratamento da doença.
O Dr. em Genética David Schlesinger — sócio fundador da Mendelics e CEO do meuDNA, healthtech voltada para o mapeamento genético — explica que o nosso corpo é formado por trilhões de células, todas dotadas de um núcleo. Lá está o nosso código genético, o DNA. E o mapeamento genético é uma estratégia que permite uma análise do DNA, fazendo o sequenciamento completo do Exoma, a parte dos genes que codificam as proteínas.
"Nos testes, o DNA é extraído pela saliva, pelo usuário, em casa mesmo. Assim que envia a amostra ao laboratório, o DNA é analisado através da tecnologia Exoma, que faz um sequenciamento completo dos genes. Por meio de inteligência artificial e bioinformática, as informações são comparadas com bancos de dados genéticos, para definir quais são as variantes genéticas que podem causar doenças", explica o especialista.
O Dr. ressalta que os testes genéticos existentes no Brasil podem indicar risco a doenças, mas também investigar as origens do DNA, como os testes nuclear, o mitocondrial e o cromossomo Y. No caso do nuclear, analisa a maior parte do DNA que temos, que está no núcleo da célula, e afirma a ancestralidade do indivíduo. O especialista também menciona o bochechinha, teste que identifica mais de 320 doenças silenciosas e tratáveis, desenvolvidas na primeira infância. "O critério para escolher um teste é o respaldo científico", recomenda Schlesinger.
Isabel "Bel" Cristina, de 24 anos, descobriu o câncer de mama com 20. O diagnóstico precoce preocupou os médicos e seu oncologista a encaminhou para uma geneticista para fazer o mapeamento genético. Por ser algo caro no Brasil, a médica sugeriu colher o material aqui e enviar para um laboratório nos EUA. "Eu descobri uma predisposição ao câncer chamada Li-Fraumeni e essa predisposição impactou a minha vida positivamente, porque quando eu descobri, pude tomar os cuidados necessários, como fazer os exames anuais", conta.
Rita Siqueira, que sempre teve curiosidade para saber se possui genes que possam resultar em doenças crônicas ou câncer no futuro, descobriu por meio de testes genéticos uma sensibilidade a certos tipos de medicamento, e que seu organismo metaboliza aspirina de forma muito rápida, por isso não seria um antiagregante plaquetário de primeira escolha em casos de desenvolver uma possível trombose, por exemplo.
Rita descobriu que os resultados dos dois laboratórios bateram e não há fator de risco genético associado à trombose. "Entretanto, algo que eu já desconfiava se confirmou: tenho nos genes dois fatores que predispõem a doenças cardíacas, como infarto agudo do miocárdio e cardiomiopatia. Saber que carrego esses genes vai me ajudar a direcionar um estilo de vida e uma dieta ideal. O bacana é que posso levar os exames para um cardiologista quando for marcar uma consulta, e de lá ele já vai saber o que meus genes guardam sobre doenças cardíacas e quais remédios funcionariam melhor — dentro das limitações de cada exame, claro", afirma.
Mapeamento genético no combate ao câncer
O especialista descreve que o mapeamento genético pode identificar risco a cinco tipos de câncer: de Mama (feminino e masculino), ovário, próstata, colorretal, de pele (melanoma e endométrio), mas também outros riscos, como triglicerídeos altos, colesterol alto e doença de Wilson (uma doença hereditária que provoca um acúmulo excessivo de cobre nos órgãos).
Para Dr. Schlesinger, o mapeamento genético pode prevenir milhões de futuros casos de câncer. "Com a identificação da mutação, o usuário pode procurar seu médico para fazer um monitoramento mais detalhado para a detecção precoce da doença. Este monitoramento inclui medidas como: iniciar exames clínicos, indicar o uso de medicamentos e até cirurgias preventivas, tais como uma mastectomia bilateral, além de alertar seus familiares sobre o risco", explica.
Outro fator envolvido da testagem genética é a queda brutal dos custos, já que tratamentos de câncer são caros. O especialista em genética garante que, se o usuário encontrar mutação no seu teste, o primeiro passo é procurar seu médico, que poderá lhe apoiar nas informações mais importantes para que previna o aparecimento da doença.
Rastreamento
Outra maneira de descobrir o câncer precocemente é o rastreamento. Durante a pandemia muito tem se falado sobre o rastreamento, para descobrir o mais cedo possível os casos de COVID-19 e também acompanhar e evolução de pessoas que tiveram contato com o indivíduo infectado, com a intenção de ver se essa pessoa manifestará algum indício da infecção para tratar desde o início e evitar que haja mais contaminação cruzada.
Quando transpomos essa situação para o câncer, o rastreamento para descobrir precocemente a doença pode aumentar radicalmente as chances de cura. Isso é feito, por exemplo, por meio de consultas médicas periódicas e exames em frequência estipulada por protocolos para diferentes faixas etárias e para diferentes históricos.
"O rastreamento é um recurso utilizado para detecção precoce de diferentes tipos de doenças, incluindo o câncer. Trata-se da realização de exames ou testes diagnósticos em pessoas que não apresentam sinais ou sintomas clínicos da doença, no intuito de se realizar o diagnóstico precoce do câncer ou de lesões sugestivas de câncer e reduzir a incidência e mortalidade da doença", explica a biomédica Angela Maria Moed Lopes, Dra. em Ciências da Saúde, professora do curso de mestrado em Healthcare Management da MUST University (Flórida, EUA) e ex-consultora de projeto do Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica do Ministério da Saúde.
A especialista acrescenta que a aplicação dos testes e exames diagnósticos para rastreamento do câncer é indicada quando o risco de desenvolvimento da doença é mais elevado, e os métodos utilizados são sensíveis, específicos, causam desconforto tolerável e possuem relação custo-efetividade conveniente.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o teste de papanicolau, bem como mamografia, colonoscopia e sangue oculto nas fezes são exemplos de testes e exames utilizados para rastreamento do câncer. A Dra. explica que o papanicolau, ou exame citopatológico, é utilizado para detecção de lesões cancerosas e pré-cancerosas do colo do útero, indicado para mulheres ou pessoas que possuam colo do útero, com idade entre 25 e 64 anos e já iniciaram a atividade sexual.
Já a mamografia é indicada para diagnóstico precoce do câncer de mama em mulheres a partir dos 40 anos de idade, enquanto colonoscopia e o sangue oculto nas fezes são indicados para diagnóstico precoce de câncer de cólon e reto em pessoas entre 50 e 75 anos de idade. "O diagnóstico precoce do câncer aumenta probabilidade de cura da doença, visto que permite a introdução do tratamento nas fases iniciais do câncer, reduz a morbidade e os custos dos sistemas da saúde relacionados aos tratamentos da doença", acrescenta a Dra.
Em um exemplo aplicado, uma pessoa, ao saber precocemente que possui 70% a mais de chances de desenvolver câncer de mama, pode tomar a decisão de diminuir o intervalo das consultas de prevenção no intuito de realizar um acompanhamento mais próximo, passar a avaliar a melhor escolha de plano de saúde para ela, considerando a cobertura de médicos especialistas e uma rede referência no tratamento da doença, caso um dia precise de tratamento ou até mesmo avaliar com seu médico de confiança possibilidades de prevenção válidas para o seu caso.
Câncer x Tecnologia
Para Dra. Angela, o avanço tecnológico tem expandido as possibilidades de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer. Diferentes ferramentas têm sido desenvolvidas, no intuito de melhorar o prognóstico e tratamento desta doença, que é importante causa de óbitos no mundo. "A cirurgia robótica é um exemplo de tecnologia utilizada no tratamento dos diferentes tipos de câncer. Este tipo de cirurgia é menos invasiva, reduz a dor e a perda sanguínea, reduz o tempo de internação o que torna a recuperação do paciente mais tranquila", exemplifica.
A telemedicina tem sido apontada, também, como uma importante ferramenta para tratamento e prevenção ao câncer, pois amplia o acesso dos pacientes ao cuidado especializado, reduzindo problemas relacionados às características sócio demográficas dos mesmos. "Outra importante ferramenta citada para o tratamento do câncer é a medicina personalizada. Sabe-se que os tumores apresentam características distintas entre os indivíduos. A caracterização destas diferenças, por meio de testes genéticos, por exemplo, permitirá a adoção de terapias específicas e individualizadas, garantindo um tratamento mais eficaz", estima a biomédica.
A tecnologia tem auxiliado, também, no diagnóstico dos diferentes tipos de tumores. "Um exemplo foi o desenvolvimento de aparelhos de radiologia mais modernos e sofisticados, como o Pet Scan, que auxilia no diagnóstico precoce, bem como avalia o risco de desenvolvimento de metástases e recidivas, auxiliando o médico quanto ao tratamento a ser utilizado nos pacientes. Na radioterapia, os avanços tecnológicos permitem uma aplicação mais localizada, limitada à área cancerosa, preservando os tecidos e órgãos próximos ao tumor", Angela acrescenta.
Fonte: Com informações de Instituto Nacional do Câncer (INCA)