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Por que é tão difícil parar de fumar?

Por| Editado por Luciana Zaramela | 21 de Agosto de 2021 às 09h30

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Há não muito tempo, era permitido fumar cigarros em qualquer ambiente fechado, até mesmo em aviões. Isso porque, há algumas décadas, pouco se falava sobre os riscos do tabagismo à saúde, e a prática era até tratada pela publicidade como algo que transparecia confiança, algo que só pessoas bem resolvidas e bem-sucedidas faziam.

No entanto, com o tempo, os riscos começaram a ficar a cada vez mais claros, tornando-se uma questão de saúde pública. Com isso, hoje em dia, as marcas de cigarro são obrigadas a incluir na embalagens fotos e informações sobre os problemas de saúde causados pelos cigarros. Informação é o que não falta quando o assunto é o tabagismo, mas isso não impede que mais e mais pessoas comecem a fumar e não consigam parar.

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O tabagismo é um vício, e acaba se tornando uma missão difícil conseguir largar a prática. O que acontece, então, com o nosso corpo quando nos tornamos dependentes do cigarro? Por que é tão difícil parar? Para entender melhor, o Canaltech conversou com Karine Cunha, psiquiatra da Clínica Ella - Centro de Saúde Feminina e pelo IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), e com algumas pessoas que fumam, já tentaram parar e não conseguiram.

Tolerância e abstinência

Perguntamos à Cunha o motivo de o tabagismo ser considerado um vício, e a psiquiatra disse que toda substância que vicia, ou seja, provoca dependência, tem duas características fundamentais: tolerância e a síndrome de abstinência. A especialista explica que a tolerância acontece quando há a redução do efeito da substância com o seu uso contínuo. "Então, como o seu efeito vai reduzindo, a pessoa passa a usar quantidades cada vez maiores. A pessoa começa, por exemplo, fumando um cigarro, dois, e eles vão perdendo o efeito. Para ter mais, a pessoa passa a fumar mais. Um maço, dois maços", pontua.

Já a síndrome de abstinência é um conjunto de sintomas desagradáveis sofridos pelo organismo quando a substância é retirada, não consumida. "O nosso cérebro está habituado com aquela substância química", diz Karine. "E quando você tira essa substância, o corpo sente falta. Ele pede pelo consumo". Para aliviar essa síndrome, então, a pessoa acaba voltando a consumir o que está causando o vício.

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A psiquiatra conta ainda que qualquer dependência é difícil de largar porque envolve não só as questões físicas do organismo, como também psicológicas. Inclusive, muitas pessoas acabam começando a fumar para tentar combater sintomas frustração ou de ansiedade, por exemplo, ou até de depressão. "Aquilo [fumar] se tornou um hábito e todo hábito é muito difícil de ser abandonado. Então a pessoa tem que estar bastante focada e determinada para conseguir abandonar qualquer tipo de substância que provoque dependência", comenta.

Quanto mais tempo e maior é a quantidade que a pessoa fuma, mais difícil será conseguir parar, como explica a médica, principalmente quando uma determinada substância começa a ser consumida na adolescência. Neste período, o cérebro ainda está em formação, então a substância acaba alterando o desenvolvimento do órgão, a química, os neurônios e neurotransmissores. "Então, quando o início é mais precoce, e a quantidade utilizada é maior, é muito mais difícil abandonar a dependência.

Ainda sobre os efeitos de uma substância viciante no cérebro, a psiquiatra explica que a atuação acontece na região chamada sistema de recompensa cerebral. "Você consome a substância e então tem uma liberação química de neurotransmissores nesse sistema de recompensa cerebral, principalmente dopamina e serotonina", revela a médica. Então, a pessoa passa por uma sensação grande de prazer e euforia, deixando o cérebro acostumado a sentir tudo isso e querer cada vez mais, fazendo com que a substância seja consumida em excesso. Isso afeta o comportamento do indivíduo, que acaba fazendo o consumo da nicotina mesmo sabendo o quanto faz mal, mesmo querendo parar. Cunha conta, inclusive, que já atendeu vários pacientes que tentaram parar de fumar mais de uma vez na vida.

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Karine explica que os ingredientes do cigarro são o que mais provoca sintomas de abstinência, que surge a partir de 24 horas após o último consumo, com pico de um a quatro dias. "Então, se a pessoa fica 24 horas sem fumar, ela já começa a ter os sintomas, que nos primeiros quatro dias vêm com uma intensidade muito grande, durando cerca de um mês, ou até mais. A intensidade vai reduzindo com o passar dos dias, mas os sintomas são bem proeminentes" conta a médica. Entre os principais sintomas, que costumam aparecer ao mesmo tempo, estão:

  • Humor depressivo;
  • Insônia;
  • Irritabilidade;
  • Ansiedade;
  • Dificuldade de concentração;
  • Inquietação;
  • Aumento de apetite e ganho de peso.

Tentativas

O Canaltech conversou com algumas pessoas que já tentaram parar de fumar e não conseguiram. O início, as motivações e os sintomas são praticamente os mesmos, o que comprova que acabar com o tabagismo não é tarefa fácil e que há muitas questões envolvidas.

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 O começo

Raul Barroso, de 26 anos, diz que fuma desde os 15 anos (11 no total) e que começou a prática por influência externa, como acontece com muitas questões da adolescência. Ele conta que queria impressionar uma garota, mas acabou nunca parando. Ele já tentou parar duas ou três vezes, e a mais recente aconteceu quando ele tentou mudar de vida após uma cirurgia bariátrica. "Simplesmente coloquei na minha cabeça que queria parar e fiz acompanhamento para tratar a minha ansiedade. Deu certo até eu fazer cirurgia, pois precisei parar com remédio de ansiedade e voltei a fumar para controlar", explica.

Flávio Faria, publicitário de 29 anos, diz que começou a fumar ainda mais jovem, aos 12, e já totaliza 17 anos de vício. Com uma história um pouco diferente da de Rui, ele começou a fumar não só por influência de amigos da escola, como também pela família por também ter convivido com uma mãe fumante. Ele tentou parar três vezes, duas por conta própria e uma por aconselhamento médico. "Em duas oportunidades tentei parar apenas diminuindo a quantidade diária e em uma com ajuda médica que receitou o adesivo e um remédio de ansiedade", conta.

Conversamos também com Jonathan Nunes, de 26 anos, que também fuma desde os 12, totalizando 14 anos de tabagismo. Ele começou a fumar por curiosidade e já tentou parar inúmeras vezes por questões financeiras, pelo cheiro do cigarro e principalmente pela saúde. O auxiliar administrativo conta que conseguiu parar por um ano, mas acabou voltando.

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No caso de Felipe Soares, de 29 anos, o tabagismo começou quando ele tinha 19 anos por influência de um primo. "Íamos toda sexta-feira para uma balada e ele sempre levava um cigarro cor-de-rosa que tinha sabor, e quando eu bebia fumava junto com ele. Felipe também já tentou parar algumas vezes, ficando no máximo quatro meses sem a nicotina, motivado pela questão financeira e de saúde.

Sentimentos

Raul nos contou que, de fato, se considera um dependente da nicotina, e que quando ficava sem fumar se sentia melhor e menos cansado, mas ao mesmo tempo estressado, impaciente e procurando sempre fazer algo para ocupar a mente. "Por mais que falem que é fácil, em horário em que não temos acesso ao cigarro a ansiedade ataca", diz, revelando ainda que o cigarro acaba sendo um refúgio para o estresse diário, o que também já foi "descontado" na comida. O jovem revela que depois da cirurgia passou a acompanhar a saúde do pulmão e que espera parar novamente. Outro empecilho, no momento, é o fato de estar sozinho na pandemia, o que é a realidade de muitas pessoas.

Flávio contou ao Canaltech que, quando parou de fumar, não sentiu muita falta nos primeiros dias, o que acabou mudando drasticamente nos dias seguintes. "Conforme o tempo passava, eu me sentia meio trêmulo e fraco, com bastante dores de cabeça", pontua o publicitário em relação aos sintomas físicos. Sobre os sintomas psicológicos, mais uma vez a ansiedade, irritação e inquietude foram as respostas. Ele se considera dependente, não faz acompanhamento médico e pretende tentar parar com o vício novamente, dizendo que o que impede é a força de vontade, que é ofuscada pelo conhecimento de quais são os sintomas de abstinência. Além disso, Flávio diz saber que é preciso aprender a controlar os impulsos.

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Jonathan contou também que quando parou de fumar sentiu a abstinência. "[Fiquei] bem abalado, com os nervos à flor da pele, mas foi diminuindo. Mas a vontade nunca passou e sempre ficou incomodando", comentou. O jovem se considera um dependente da nicotina, não faz acompanhamento médico do estado de saúde e diz que sempre espera um momento que está bem para uma nova tentativa. "Tem que estar muito bem psicologicamente, porque é muito fácil se sabotar", conta.

Felipe diz que se fica um único dia sem fumar, já se sente agitado e come muita "besteira", além de ficar bastante ansioso e esperando que algo aconteça. Ele nunca fez o acompanhamento dos pulmões e diz que pretende tentar acabar com o vício novamente. "Tento praticamente toda semana, esse ano meu recorde foi de três dias", contou, dizendo que o maior empecilho acaba sendo ele mesmo, pois não se sente bem sem cigarros.

Como abandonar, então, o vício em cigarro?

Karine Cunha diz que tentar fumar sem ajuda é extremamente difícil, e aconselha quem quer parar de fumar para procurar um psicólogo e um psiquiatra, pois cada um dos profissionais vai atuar de forma diferente. "O psiquiatra é o profissional especializado em qualquer tipo de dependência de substância, e existem medicamentos que ajudam muito a pessoa a interromper o consumo", explica. Em relação ao psicólogo, a profissional conta que existem dois tipos de terapia: a psicoterapia tradicional, que ajuda a pessoa a conhecer ela mesma, seus pontos positivos e negativos, e a cognitiva-comportamental, direcionada ao problema da pessoa. "Então, no caso da dependência da nicotina, existem várias sessões estruturadas, quando o psicólogo descobre qual é o gatilho, ou seja, o que faz a pessoa procurar o consumo do cigarro, e ensina a pessoa a desenvolver estratégias para poder interromper o vício", exemplifica.

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Cunha diz que são diversos os tratamentos da dependência de tabaco, cada um deles com um mecanismo de ação diferente. A psiquiatra traz como exemplo a bupropiona, que atua no sistema de recompensa cerebral, mexendo com os neurotransmissores (dopamina, serotonina, noradrenalina), reduzindo o desejo de fumar. Ela possui, no entanto, duas semanas para começar a fazer efeito. A médica dá uma dica para uma pessoa que tiver esse medicamento receitado e quer que o tratamento seja eficaz. "O ideal seria começar a tomar o remédio de duas a três semanas antes do dia escolhido para parar de fumar, então quando chegar nesse dia ela já vai estar com o desejo reduzido", conta.

Outra opção citada pela médica é o uso de adesivos de reposição de nicotina, porque quando a entrada da substância no organismo é interrompida, a pessoa fica com sintomas de abstinência. O adesivo, então, repõe a nicotina no sangue pela corrente sanguínea, reduzindo a abstinência. A eficácia vai depender, no entanto, da quantidade de cigarros que uma pessoa fuma. "Se ela fuma várias cigarros, usamos a concentração maior, e vamos diminuindo as concentrações até zerar", pontua. Em relação às gomas e pastilhas, Karine diz que elas ajudam no momento em que a pessoa sente a vontade incontrolável de fumar, liberando a nicotina absorvida pela mucosa da boca. Sendo assim, elas também diminuem os sintomas de abstinência e a fissura pelo cigarro.

Também existe uma opção chamada vareniclina, que é bastante eficaz no combate ao vício, mas que possui muitos efeitos colaterais. "Geralmente, não iniciamos o tratamento por ele, mas quando o paciente teve várias outras tentativas, com vários outros métodos e não deu certo, usamos. O remédio, sozinho, diminui os sintomas de abstinência e a vontade de fumar", completa.

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Por fim, a psiquiatra diz que para parar de fumar é preciso realmente querer, para então buscar ajuda médica e psicológica para isso. Ela reforça que é ideal que a pessoa esteja em um momento bom da vida para que seja mais fácil, evitando fazer em períodos de estresse, por exemplo, como em términos de relacionamento, entre outras mudanças da vida.