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Pessoas estão com sintomas da COVID-19 há mais de dois meses após a contaminação

Por| 23 de Junho de 2020 às 20h00

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Já se passaram alguns meses desde que o novo coronavírus provocou uma pandemia que atingiu o mundo todo. Até o momento, ainda não temos um medicamento comprovadamente eficaz para o seu tratamento, tampouco uma vacina, mesmo que testes em humanos já estejam acontecendo.

Em relação aos sintomas da COVID-19, eles foram aparecendo aos poucos na mídia, conforme foram sendo relatados e, hoje, já é possível fazer o diagnóstico da doença apenas com os relatos de pacientes que buscam por ajuda — com exceção das pessoas assintomáticas, claro.

Agora, alguns pacientes vêm relatando que os sintomas continuam aparecendo eventualmente, mesmo várias semanas depois da contaminação. Este é o relato da jornalista britânica Vonny LeClerc ao site The Atlantic, que começou a apresentar sinais de COVID-19 poucos dias após 16 de março, quando Boris Johnson, o primeiro-ministro, anunciou as medidas de distanciamento social.

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Nos primeiros dias, LeClerc começou a sentir calafrios e a ficar com o rosto corado, para depois desenvolver para tosse, dor no peito e nas juntas. Depois de uma semana de cama e descansando, começou a se sentir melhor, mas dias depois esses sintomas voltaram junto a outros: febre intermitente, dificuldade para respirar e perda do olfato e paladar.

De acordo com a publicação, no dia 66 LeClerc ainda sentia alguns sintomas. Aos 32 anos, a jornalista conta que antes da contaminação era uma pessoa "fit" e saudável. "Agora eu fui reduzida para não conseguir ficar de pé embaixo do chuveiro sem sentir fatiga. Eu tentei ir ao supermercado e fiquei de cama por dias depois disso. Não é como qualquer coisa que eu tenha experienciado antes", desabafa.

LeClerc também vem vivenciando a dificuldade em fazer um teste para a COVID-19, com vários médicos dizendo que não há dúvidas de que seja a doença. Com tudo o que a jornalista vem sentindo, ela acaba não se encaixando nas categorias que definem a doença até o momento, sendo definida pelo site como estando em um "limbo estatístico".

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O The Atlantic também conversou com outra pessoa que vem passando pelo mesmo de LeClerc, sofrendo com os sintomas mesmo estando no dia 78 da contaminação. "Eu sinto que é como ninguém entendesse. Eu não acho que as pessoas estão cientes que existe um meio termo, quando isso te desestabiliza e você não morre e nem tem um caso leve", desabafa Chloe Kaplan, de Washington D.C.

Pesquisa e dados

Fiona Lowestein, professora de yoga, professora e escritora, foi ao hospital com sintomas da COVID-19 um dia depois de LeClerc e no nono dia criou um grupo de apoio na ferramenta Slack para se comunicar com pessoas que estavam sofrendo com a doença. Um dos canais que reúnem pessoas que vêm sentindo sintomas há mais de 30 dias já conta com mais de 3,700 membros.

Neste canal de comunicação foram feitas pesquisas que chegaram às seguintes conclusões:

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  • Cerca de três a cada cinco pessoas têm idades entre 30 e 49 anos;
  • 56% não foram hospitalizados;
  • 38% foram à emergência mas não foram internados;
  • Um quarto testaram positivo para a COVID-19 mas quase a metade não chegaram a fazer o teste.

A maioria das pessoas que responderam à pesquisa são dos Estados Unidos ou do Reino Unido, grande parte foram contaminadas ainda em março, quando a quantidade de testes ainda era escassa. Outras, por outro lado, não quiseram fazer o teste porque seus sintomas não estavam de acordo com o padrão estabelecido, como uma das pacientes que não sentia febre ou tosse, apenas perda de olfato e problemas gastrointestinais.

Um quarto dos participantes do estudo relataram que testaram negativo para o novo coronavírus, o que não significa, necessariamente, que eles não possuem a COVID-19. De acordo com estudos, os testes de diagnóstico da doença podem falhar em identificar a infecção em até 30% dos casos, com falsos negativos sendo mais comuns uma semana depois de os primeiros sintomas de um paciente aparecerem.

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É possível contaminar outras pessoas nessa situação?

De acordo com Paul Garner, professor e especialista em doenças infecciosas que também está experenciando os sintomas há mais de 80 dias, acredita que neste caso não é mais possível levar a doença a outras pessoas. Por outro lado, Meg Hamilton, norte-americana estudante de enfermagem, já está com os sintomas há mais de 60 dias e foi considerada pelo departamento de saúde local como contagiosa enquanto estivesse com febre alta.

Ou seja, mais uma questão que segue em aberto por se tratar de uma doença nova, ainda sendo necessário aguardar inúmeros testes e estudos para descobrir esses fatores tão misteriosos que surgem com a propagação do novo coronavírus.

O que os médicos têm a dizer?

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Akiko Iwasaki, imunologista da Universidade de Yale, sugere três possibilidades para a contaminação estar apresentando sintomas por tanto tempo. A primeira é que o SARS-CoV-2 pode viver em órgãos diferentes, que acabam não sendo coletados pelos testes feitos com os cotonetes.

A segunda possibilidade é que fragmentos de genes, mesmo que não infecciosos, estejam desencadeando reações exageradas do sistema imunológico, como se estivesse reagindo a um vírus "fantasma". Já a situação mais provável, segundo Iwasaki, é que o vírus já deixou o organismo, mas o sistema imunológico segue preso em um estado persistente hiperativo.

Infelizmente, por se tratar de um vírus muito recente, ainda é muito cedo para chegar em conclusões definitivas. O acontecimento, no entanto, não é novidade e já foi visto em outras doenças, como a ebola. De acordo com Craig Spencer, do centro médico da Universidade de Columbia, quase todas as pessoas contaminadas pela ebola apresentaram uma complicação a longo prazo, desde sutis até as mais debilitantes.

O Canaltech conversou ainda com médicos brasileiros para tentar entender o ocorrido. A Dra. Ludhmila Hajjar, cardiologista e intensivista, professora da USP, coordenadora da UTI de Cardiologia Covid do Hospital das Clínicas e diretora de Ciência Tecnologia e Inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, contou que mesmo se tratando de uma doença que está no Brasil há apenas quatro meses, há casos de recorrência nos sintomas.

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"É possível que uma pequena parte do vírus tenha sofrido mutação e que a pessoa tenha infecção por um outro tipo de novo coronavirus e, assim, tenha os mesmos sintomas. Também é possível que a pessoa tenha a infecção, não fique completamente imunizada, ou seja, não tenha o igG, e aí tenha mais uma nova infecção pelo mesmo vírus. E ainda é possível que o vírus fique latente, como o vírus do herpes, que, acontecendo algum estresse, alguma queda da imunidade, ele pode recorrer ou provocar os sintomas. Então podem acontecer novos sintomas, sintomas mais leves e eventualmente até mais graves", explica.

Dr. Ronaldo Silveira de Paiva, professor da da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Campus Londrina, também contou uma hipótese ao Canaltech. "Alguns pacientes ficam com uma reatividade dos brônquios, um quadro que chamamos de hiperreatividade brônquica, e isso não acontece só com a COVID-19, outras infecções respiratórias podem fazer isso também. Principalmente se o paciente tiver uma alergia de base, como rinite alérgica, sinusite alérgica, asma, esses pacientes podem ter um quadro de tosse persistente", explica.

O Dr. Raphael Brandão, médico oncologista que está à frente da plataforma de telemedicina gratuita Missão COVID, que ajuda a população no nomento do diagnóstico, conta não ter relatos de recidivas, mas diz que vê na prática pacientes apresentando quadro gripal e pneumonia bacteriana que são consideradas COVID-19. "Não acho que exista uma 'insistência', acredito que esta seja a evolução natural e continuamos sem poder dizer que trata-se de reinfecção", aponta.

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Dra. Hajjar conta ainda sobre as consequências que a COVID-19 provoca na vida das pessoas contaminadas, visto que a doença é longa e pode durar até 20 dias. "Isso realmente pode ter um impacto muito grande não só na vida do doente como na questão do Sistema de Saúde, pois ele fica superlotado. A estrutura de saúde precisa rodar, então esse é um ponto chave. Um doente internado na UTI por 15 a 20 dias é muito suscetível a complicações do próprio cuidado de saúde. Quanto mais grave o doente, maior a chance de ele ir para a UTI e maior a chance de a internação dele ser mais prolongada", relata.

Já Dr. Paiva diz não ter relatos de complicações a longo prazo, como doença pulmonar crônica, por exemplo. Ele ressalta que a doença é muito nova, com um pouco mais de seis meses de existência, então ainda não há relatos a longo prazo de como a doença irá evoluir. Dr. Brandão diz também que a evolução é heterogênea e que é difícil estabelecer uma previsão de suas consequências a longo prazo.

Como toda a informação por trás da doença ainda é escassa, pacientes que vêm experienciando as consequências da COVID-19 e os sintomas podem acabar desencadeando consequências psicológicas. Questionamos aos médicos se muito do que é sentido pode ter fator mental. "Ainda não existem estudos com essa doença demonstrando isso, mas sabemos que isso acontece com outras doenças. Tanto o estresse quanto a ansiedade podem ter um impacto negativo na recuperação do doente. É importante que o paciente confie, que ele tenha um humor adequado, que ele tenha boa expectativa e que ele possa ter acesso ao sistema de saúde adequado. Tudo isso conferirá a maior chance de recuperação", disse a Dra. Ludhmila Hajjar.

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Dr. Ronaldo Paiva revelou que o estresse e a ansiedade podem ter uma relação com os sintomas da COVID-19, entre outras doenças. "Temos uma doença global, que provocou uma pandemia, e que domina o noticiário. Então, acaba tendo um aumento dos transtornos de humor. Pessoas com depressão e ansiedade podem sim ter o quadro descompensado. E temos visto isso na prática, mesmo pessoas descartadas da doença (COVID-19) têm uma grande ansiedade, tanto em ficar doentes ou que acabam insistindo no diagnóstico da COVID", revela o professor.

Para Raphael Brandão, sintomas da mente, como ansiedade e depressão, sempre vão aparecer em frente a doenças, como a COVID-19. "É claro que estes são sinais e sintomas que devemos abordar durante o tratamento, isso tem impacto em alguns desfechos positivo destes pacientes", finaliza.

Fonte: The Atlantic