Isolamento social | Cientistas estudam os efeitos da solidão no corpo e cérebro
Por Natalie Rosa |
A solidão não é algo fácil de lidar, uma vez que gostar de estar sozinho é uma situação bastante diferente. Agora, com a pandemia do novo coronavírus e as instruções de isolamento social, esse "problema" vem se agravando a cada vez mais.
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De acordo com Doug Nemecek, médico-chefe do plano de saúde norte-americano Cigna, a solidão já atingiu níveis epidêmicos. Um estudo realizado pela própria empresa mostra ainda que estar sozinho por um longo período pode trazer complicações para o bem-estar físico e mental, principalmente se associadas à obesidade e tabagismo.
Neste momento de pandemia, em que o isolamento é necessário para o bem da saúde geral, é preciso mais do que nunca entender as reações da solidão no ser humano. O termo "solidão" vai muito além de não ter um relacionamento amoroso ou poucos amigos, mas sim do sentimento de não pertencer a um grupo, como explica Julianne Holt-Lunstad, professora de psicologia e neurociência da Universidade Brigham Young, em Utah, nos Estados Unidos.
"É bastante angustiante quando não sentimos que fazemos parte de um grupo. Precisamos lidar com um ambiente inteiramente nosso, sem ajuda de outros, o que coloca o nosso cérebro em estado de alerta, mas também indica que o resto do nosso corpo também está neste estado de alerta", explica a profissional, revelando ainda que as consequências são um estado alto de estresse e desgaste do organismo.
Para a Dra. Holt-Lunstad, a pandemia do novo coronavírus será, possivelmente, a experiência mais estressante da vida de muitas pessoas, uma vez que milhões de indivíduos foram infectados no mundo inteiro, o desemprego explodiu e a vida cotidiana foi extremamente limitada. Normalmente, condições tão estressantes podem ser amenizadas com o apoio de família e amigos, o que não deve acontecer de forma física para evitar a contaminação. Isso acaba tornando o dia após dia muito mais difícil.
Estudos sobre a solidão
A NASA vem estudando os efeitos do confinamento de seus astronautas há vários anos, chegando à conclusões que estão de acordo com outras pesquisas: o isolamento pode causar problemas comportamentais e cognitivos. Alguns estudos, por outro lado, estão indo mais além e buscando por evidências que comprovem como a solidão afeta um organismo de forma física.
Pesquisadores do centro médico Rush Alzheimer's Disease Center, em Chicago, conduziram um estudo com 823 adultos mais velhos por um período de quatro anos. Os participantes responderam perguntas que avaliaram solidão, demência e doença de Alzheimer, passando ainda por testes de pensamento, aprendizado e memória, com atribuição de pontuação entre 1 e 5. O resultado mostrou que o fator de risco para Alzheimer aumentou em 51% para cada ponto da escala.
Também foram feitas autópsias em pessoas que acabaram falecendo durante o estudo, e a solidão não mostrou ser a causa para as principais alterações cerebrais associadas à doença de Alzheimer, como danos ao tecido devido à falta de fluxo sanguíneo. No entanto, segundo um dos pesquisadores do estudo, Robert S. Wilson, a solidão pode ser um dos fatores que tornam as pessoas mais vulneráveis a sofrerem de efeitos destrutivos de neuropatologias relacionadas à idade.
"A solidão pode ser um bom causador do declínio cognitivo acelerado", conta Turhan Canli, professor de neurociência integrativa na Universidade Stony Brook, no estado de Nova York. O médico explica também que a relação entre a solidão e os problemas de saúde ainda não é completamente compreendida, mas acredita que a ideia do sentimento de depressão faz com que as pessoas deixem de se cuidar, o que causa na má alimentação, falta de sono e ansiedade.
Dr. Canli comenta ainda que já esteve envolvido com estudos de David Bennet, pesquisador do centro de pesquisa Rush Alzheimer's Disease Center, que buscou explorar como genes diferentes são expressos em pessoas que são solitárias ou não. Há cerca de 30 anos, Bennet começou um estudo longínquo no qual os participantes aceitaram fazer exames físicos e psicológicos anualmente, e também doar seus cérebros após a morte para estudos.
Os pesquisadores analisaram duas regiões do cérebro que estão relacionadas à cognição e à emoção, descobrindo naqueles que eram mais solitários genes associados ao câncer, doenças cardiovasculares e inflamatórias. "Na verdade, existe uma rede de conexões entre esses genes diferentes e um pode afetar o outro. Isso pode ser uma razão genética fundamental sobre o motivo de essas doenças poderem aparecer em função da solidão", explica Canli.
A pesquisa também não comprova que a solidão possa causar doenças cardíacas, por exemplo, e muitos outros estudos ainda devem ser feitos, incluindo relacionados à herança genética. Um trabalho anterior conduzido por Steve Cole, pesquisador da UCLA, sugere a possibilidade de que a liberação de determinados hormônios como consequência do estresse da solidão pode estar ativando genes ligados a problemas de saúde.
Ainda não há previsão de normalização do cenário da pandemia, uma vez que o relaxamento das medidas de isolamento social vem provocando a volta ou o aumento de novos casos de COVID-19. Segundo Nemeck, é o momento de estar aberto a ter conversas sobre a solidão, combatendo o estigma que o sentimento carrega.
Fonte: CNET