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Olimpíadas | Atletas trans levam vantagem ou não nas competições esportivas?

Por| Editado por Luciana Zaramela | 24 de Julho de 2021 às 13h30

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Kyle Dias/Unsplash
Kyle Dias/Unsplash

Além de serem as Olimpíadas que ocorreram em plena pandemia da COVID-19, os Jogos Olímpicos de Tóquio podem entrar para a história por mais um motivo: será a primeira vez que uma atleta abertamente trans participará da competição mundial. A levantadora de peso da Nova Zelândia, Laurel Hubbard, será a primeira atleta transgênero a participar oficialmente do evento. No entanto, a questão está longe de ser consenso e as regras sobre inclusão ainda estão em fase de aperfeiçoamento.

Fora das Olimpíadas, são conhecidos alguns casos famosos de atletas trans, disputando jogos oficiais. No Brasil, a jogadora de vôlei Tifanny Abreu foi a primeira mulher trans a atuar na elite do esporte brasileiro e, em consequência do seu ineditismo, foi alvo de inúmeras críticas. No MMA, a norte-americana Fallon Fox estreou, no ano de 2012, no octógono como a primeira lutadora trans.

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Mesmo que o tema pareça novo, a vontade de chegar a esses espaços é antiga para os atletas. Nos anos 1950, a primeira tenista transsexual, Renée Richards, disputou um torneio profissional de tênis nos Estados Unidos, representando a Universidade de Yale.

Como as Olimpíadas enxergam a questão dos hormônios?

Nos últimos anos, a discussão sobre a inclusão de atletas trans fez com que o Comitê Olímpico Internacional (COI) modificasse a sua resolução sobre a participação desses esportistas. Por exemplo, hoje, a cirurgia de redesignação sexual não é mais obrigatória. No entanto, a participação (ou não) se dá, principalmente, através das concentrações hormonais dessas pessoas. No caso das mulheres trans, a quantidade de testosterona não pode ultrapassar 10 nanomol por litro de sangue, contando os doze meses anteriores à competição.

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"Em 2016, o COI adotou uma diretriz em que mulheres trans poderiam competir após 1 ano de níveis de testosterona abaixo de 10 nanomol por litro. O atletismo mundial posteriormente estabeleceu uma regra que exigia 5 nanomol por litro", explicou a médica especializada na área dos esportes e pesquisadora, Joanna Harper, para o site WEB MD. Por mais que as concentrações variem, elas se assimilam, já que adotam sistemas diferentes de contagem.

De acordo com Harper, "95% das mulheres cisgênero têm testosterona abaixo de 2 nanomol por litro. E em um estudo recente com cerca de 250 mulheres trans, 94% delas tinham testosterona abaixo de 2 nanomol por litro". Dessa forma, "não importa realmente se o limite é de 5 ou 10 nanomol por litro, porque a maioria das mulheres trans terá menos de 2", comenta.

Massa corporal, força e "vantagens"

Questionada sobre as possíveis vantagens das atletas trans, Harper explica que há vantagens, mas também algumas desvantagens. Inclusive, "venho dizendo, desde 2018, que deveríamos olhar esporte por esporte nos regulamentos para atletas trans". Vale mencionar que ela já aconselhou o COI e outros órgãos esportivos sobre gênero e esportes.

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Para a médica, "a questão importante não é: 'as mulheres trans têm vantagens?'. O que realmente importa é que mulheres trans e cis podem competir entre si em uma disputa equivalente. Não há indicação de que as mulheres trans estejam perto de assumir o esporte feminino, isso não está acontecendo agora. Nem é provável que aconteça no futuro".

Competindo com as atletas trans

No campo das vantagens das atletas trans, está a massa corporal e a força que não são necessariamente afetadas pela transição de gênero. No entanto, ainda faltam estudos que demonstrem como essas questões podem afetar os esportes. Por exemplo, "a massa corporal magra e a força são menos afetadas do que a hemoglobina [que pode aumentar a resistência e é encontrada em níveis maiores nos homens cis], mas não temos estudos com atletas trans", explica a médica.

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"Uma das coisas importantes a se notar é que mesmo antes de iniciar a terapia hormonal, as mulheres trans nesses estudos [que já foram feitos] eram, substancialmente, menos fortes do que os homens cis", explica Harper. "Se você olhar para os estudos de mulheres trans não atléticas, verá que as mulheres trans não têm uma massa corporal masculina típica. Mulheres trans estão mais no meio do caminho entre a massa feminina e a masculina e, talvez, ainda mais perto da massa feminina típica", completa.

No entanto, as mulheres trans manterão algumas vantagens sobre as mulheres cis, mesmo após a terapia hormonal. A médica explica que "a mulher trans perderá [parte da sua] força com a transição médica, mas não perderá altura alguma. Nos esportes, como basquete e vôlei, essa vantagem não será atenuada. A vantagem da força será atenuada, mas a vantagem da altura não vai desaparecer". Já a rapidez e a resistência podem diminuir com a transição.

E os atletas trans?

Se as supostas vantagens se concentram principalmente nas atletas trans, a situação é inversa para os homens. Pode ser considerada uma vantagem para o grupo as doses de testosterona que recebem, já que "nenhum outro atleta pode fazer isso", explica Harper. No entanto, o hormônio não irá alterar a altura, o peso e, provavelmente, não fará o atleta alcançar a força masculina típica. "Essas são desvantagens bastante substanciais", comenta.

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"Existem alguns esportes em que você é subdividido por peso, e o fato de os homens trans serem menores não é realmente uma desvantagem, porque, geralmente, você tem o mesmo tamanho de alguém na sua categoria de peso. Esses podem ser os esportes em que os homens trans têm maior sucesso. Mas, novamente, ainda é muito cedo", pontua a médica.

Independente das condições hormonais e físicas, é importante destacar o aspecto psicológico desses atletas, principalmente a saúde mental. Isso porque estudos indicam que fatores psicológicos e sociais podem influenciar negativamente a trajetória dos atletas transgênero. Afinal, sofrem, com maior intensidade, questões como discriminação e menor apoio da sociedade. Por exemplo, a atleta Laurel Hubbard sofreu uma campanha difamatória e transfóbica nas redes sociais pré-olimpíadas.

Atleta entrou na puberdade ou não?

Até agora, a maioria das questões envolve atletas trans que passaram pela transição após a puberdade. No entanto, a situação muda completamente se uma mulher trans nunca passou pela puberdade masculina. "Suspeito que as meninas trans ainda seriam, em média, mais altas. Não tenho certeza disso. Pode haver vantagens mínimas", explica Harper.

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"Quando o COI estabeleceu as regras pela primeira vez, em 2004, eles disseram que essas regras se aplicavam apenas a mulheres trans que vivenciaram a puberdade masculina", comenta. "Portanto, o COI há muito afirma que quaisquer vantagens das mulheres trans que não passam pela puberdade masculina são pequenas o suficiente para que elas não se preocupem com isso. A maioria das organizações esportivas diria a mesma coisa", complementa.

O caso do Rugby

Entidade máxima do rugby — um esporte conhecidamente agressivo —, a World Rugby se manifestou contra a participação de mulheres trans no rugby feminino, citando questões de segurança para proteger as atletas. Pensando em como tornar a inclusão possível, mas mantendo o equilíbrio nas equipes, Harper chegou a sugerir uma regulação, mas esta não foi aceita.

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"Sugeri ao World Rugby que colocassem um limite para cada seleção nacional de uma mulher trans por equipe", contou. Isso porque, se houvesse um aumento de 20% no risco de acidentes quando uma mulher trans enfrenta uma mulher cis, a questão, estatisticamente, poderia ser contornada.

"Se apenas uma das 15 jogadoras em campo fosse trans, então apenas uma porcentagem muito pequena dos passes seriam feitos por uma mulher trans. Em uma determinada partida, você está observando um aumento muito pequeno no risco", completou. Inclusive, é esta posição que a especialista defende, que se avalie a situação individual de cada modalidade para permitir a integração dos atletas.

“Então estamos em um período em que com certeza tem muita coisa a se entender para se achar um meio do caminho, onde não seja injusto nem para um lado, nem para o outro”, reforçou Roberto Nahon, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte e ex-coordenador de Ações Médicas do Comitê Olímpico do Brasil (COB), para a agência de notícias AFP.

Fonte: Web MD e AFP