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O que é taxa R? Quando é hora de afrouxar a quarentena?

Por| 15 de Junho de 2020 às 11h00

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Reprodução/ BBC
Reprodução/ BBC

Nunca a sociedade se viu tão próxima de termos médicos e epidemiológicos em seu cotidiano como agora, em plena pandemia e com todo mundo conectado à internet. A velocidade de propagação da informação é assustadora, mas no meio disso, aparecem alguns termos bastante desafiadores. 

Para te ajudar e se familiarizar com a "língua" dos especialistas em saúde pública, o Canaltech montou um glossário sobre COVID-19 e os principais termos de referência à doença, que pipocam dia após dia nos noticiários. No entanto, alguns merecem mais atenção devido à sua complexidade: e a taxa R é um deles. 

Afinal de contas, o que significa dizer que a taxa de transmissão de uma cidade ou região está perto de 0 ou perto de 1? Aliás, o que é R0?

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A matemática do vírus

Para entender como um vírus vem se propagando em situação de epidemia em uma cidade ou estado, existe um parâmetro que avalia sua possibilidade de transmissão entre a população. Trata-se de um coeficiente chamado R, de suma importância para entender, entre outras coisas, se o isolamento social está surtindo efeito, por exemplo.

O R significa "número de reprodução basal (ou básico)" e serve para determinar o potencial de propagação de um vírus, sob determinadas condições. De acordo com o infectologista Artur Brito, da Beneficência Portuguesa de São Paulo, "R0, ou número básico de reprodução, é o número médio de contágios causados por cada pessoa infectada. Números maiores que 1 indicam uma taxa de transmissão sustentada, ou seja, os casos tendem a aumentar. O contrário ocorre quando esse número é menor que 1".

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De posse desse número, as autoridades de saúde conseguem estabelecer uma medida da intensidade das intervenções necessárias para o controle da epidemia. São vários os modelos de aplicação matemática para se obter o coeficiente R, dependendo das variáveis e da situação epidemiológica que se quer investigar.

Segundo Adam Kuscharski, epidemiologista e matemático na London School of Hygiene & Tropical Medicine, a matemática é essencial para entender comportamento de doenças como Ebola, SARS, gripe e COVID-19. No caso da COVID-19, são quatro os pilares que se deve considerar para chegar a um resultado: 

  • Duração da infecciosidade: quanto mais tempo um indivíduo permanece doente, maior potencial de contaminação de outras pessoas ele possui. Por isso, se for isolado prontamente, esse potencial reduz.  
  • Oportunidade: significa o número de pessoas com quem um infectado teve contato em um dia. É um indicador de comportamento social, que também ajuda a determinar se essa pessoa esteve isolada ou não.
  • Probabilidade de transmissão: as chances de acontecer a propagação do vírus quando duas pessoas se encontram.  
  • Susceptibilidade: dentro de uma situação com duração, oportunidade e probabilidade de transmissão, a susceptibilidade está para as chances de que outra pessoa contraia o coronavírus e adoeça na sequência. 

Considerando tudo isso, ainda de acordo com Kucharski: "O quão preocupados deveríamos estar com uma infecção? Se R estiver acima de 1, na média de cada caso, significa que um infectado pode transmitir a doença para, pelo menos, uma pessoa. Assim, veremos um crescimento [na transmissão da doença]. Se estiver abaixo de 1, significa que um grupo de pessoas infectadas está propagando menos o vírus", explica. "Ao multiplicar todos os fatores [Duração, Oportunidade, Probabilidade e Susceptibilidade], teremos o coeficiente de reprodução. Assim, se escalonarmos algum destes fatores para cima ou para baixo, afetaremos diretamente o valor de R".

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Impacto do distanciamento, isolamento ou quarentena na reabertura das atividades

Para compreender como, na prática, o distanciamento social interfere no coeficiente R de uma cidade, o Canaltech conversou mais detalhadamente com o infectologista Artur Brito.

Segundo o médico, o R equivale a quantos novos contágios uma pessoa infectada vai gerar. "Quando esse número é maior do que 1, a epidemia é auto-sustentada. O isolamento, quando não temos a vacina para impedir a transmissão ou medicamentos que também possam impactar negativamente nesse aspecto, é a melhor estratégia para reduzir esse número, já que diminui a quantidade de pessoas com que cada um tem contato, reduzindo a transmissão do vírus".

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Partindo desse pressuposto, podemos imaginar que os setores de saúde pública de cada estado ou cidade possuem uma complexa forma de equacionar o nível de transmissibilidade do vírus e quando isso significa reabertura gradual das atividades comerciais, por exemplo. "A decisão sobre abrir ou não uma cidade é bastante complexa. Existem fatores sanitários (como a taxa de transmissão e a dinâmica do número de casos), mas também fatores econômicos e sociais, como temos visto no Brasil", explica Brito.

Mas, para ter uma ideia de como isso funciona, precisamos levar em consideração alguns fatores essenciais, como a preparação do sistema de saúde e a quantidade de leitos de UTI disponíveis, e o grau de rigorosidade dos governos quanto ao achatamento da curva. 

"Objetivamente, não temos uma resposta ideal, mas estudos relacionando epidemias do passado e recuperação econômica mostram que países que foram mais rigorosos no controle dos casos também apresentaram melhor recuperação econômica. Na minha opinião, o controle do número de novos casos deveria ser nossa principal preocupação nesse momento e a abertura gradual deveria estar intimamente ligada a isso", pontua o especialista.

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Muitos gestores vêm afirmando que há um coeficiente ideal para a reabertura das atividades econômicas, com base na ocupação dos leitos de UTI da rede pública municipal. Mas, segundo Artur, ainda não há uma resposta se questionarmos quando, ou qual o índice ideal para que as cidades reabram ou iniciem o relaxamento. "São Paulo tem mantido uma taxa de ocupação de leitos de UTI constantemente em torno de 70% (um pouco mais alta na região metropolitana e capital). Comparada a outros lugares do país, como Manaus, Belém ou Natal, a situação é confortável. O problema é que uma aceleração no número de novas infecções rapidamente pode levar à superlotação. No contexto de uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes, enfrentando uma doença onde um percentual muito baixo da população possui imunidade, é difícil falar em taxa “segura” de ocupação".

Contágio "real" vs subnotificações

Um dos maiores desafios para a gestão pública é entender, de fato, quantas pessoas estão carreando o vírus e transmitindo a COVID-19 para mais gente. A grande inimiga dessa contagem é a falta de testes suficientes para se elaborar uma estimativa mais concreta, já que mesmo em cinco meses de epidemia no Brasil, ainda não se tem um número satisfatório de exames na rede pública, disponíveis para as massas. Isso prejudica o cálculo e gera subnotificações, ou seja, mesmo que os municípios estejam conseguindo adquirir mais testes, ainda não há quantidade suficiente para determinar a porcentagem doente da população — sintomática ou não. Inclusive, a testagem dos assintomáticos seria essencial para o controle da propagação do vírus. Em outras palavras, os cálculos se baseiam em perspectivas. 

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Perguntando sobre se há um padrão clínico de susceptibilidade na COVID-19, que ajudaria a determinar a taxa R (e descobrir se, por exemplo: em uma semana, uma pessoa, em média, está transmitindo para quantas outras?), Artur é enfático: "não". E ele explica que só esse número não é um norte seguro: "Claro que médicos e outros profissionais de saúde, como enfermeiros e fisioterapeutas, estão mais atentos a dados epidemiológicos, mas em momentos como esse, o grande foco está na assistência. Além disso, a taxa de transmissão sozinha não quer dizer muita coisa. Você precisa entender quem está sendo infectado (idosos x jovens, pessoas com comorbidades x pessoas saudáveis e assim por diante) para planejar ações. Epidemiologistas podem, com os dados corretos (algo também complicado na nossa realidade) influenciar nas medidas de enfrentamento, não é o dia-a-dia do médico", explica.

Já o problema das subnotificações não é exclusivo do Brasil. "No mundo inteiro, a subnotificação cria um grande problema na contabilidade dos casos e na taxa de mortalidade, já que se você só testa casos mais graves, a mortalidade fica artificialmente elevada", pondera o infectologista. Afinal de contas, se não há testes suficientes, não há um escopo realista do cenário local, e isso deixa velada a situação epidemiológica real em uma cidade, estado ou país. 

Artur finaliza, esclarecendo que "a testagem restrita leva a um desconhecimento da dinâmica da epidemia, o que atrasa a resposta das autoridades. O grande problema é que o Brasil tem demorado mais do que os outros países mais afetados a desenvolver uma política de testagem em massa da população, o que pode prolongar a epidemia por aqui".

Para entender quando é a hora de iniciar o relaxamento da quarentena e retomar as atividades comerciais, muitos fatores precisam ser envolvidos. Ultimamente, tem-se falado muito em taxa R: você sabe o que ela significa?