Lobotomia | O que é, ainda é permitido fazer?
Por Nathan Vieira | Editado por Luciana Zaramela | 12 de Novembro de 2021 às 08h30
Ao assistir a filmes ou séries, é possível que você já tenha se deparado com a representação de um procedimento chamado lobotomia. Esse é um procedimento cirúrgico cerebral angustiante, em que uma ferramenta longa e pontiaguda, juntamente com um martelo, é usada para realizar uma intervenção no cérebro. A palavra lobotomia tem origem no grego, sendo formada pela junção de λοβός [cérebro] e τομή [cortar], e significa literalmente "secção cerebral". Mas, afinal, o que é exatamente a lobotomia e para o que ela serve do ponto de vista de saúde?
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O procedimento da lobotomia foi introduzido no século 20 e a cirurgia sempre foi controversa. Mas, por algumas décadas, ainda foi utilizada como um tratamento para esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, entre outras doenças mentais.
História da lobotomia
O neurologista português António Egas Moniz inventou a lobotomia em 1935, o que inclusive lhe rendeu um prêmio Nobel. As cirurgias tiveram sucesso no tratamento de pacientes com doenças como depressão, esquizofrenia e síndrome do pânico, mas com direito a efeitos colaterais graves, incluindo aumento da temperatura corporal, vômitos, incontinência urinária e intestinal e problemas oculares, além de apatia e letargia. A comunidade médica inicialmente criticou o procedimento, mas, mesmo assim, começou a usar em países ao redor do mundo.
A descoberta de Moniz foi baseada em procedimentos semelhantes aos que o neurocientista John Fulton, da Yale University, realizava em chimpanzés com comportamentos raivosos, tornando-os mais cooperativos e sem sinais de raiva ou frustração.
O que é a lobotomia?
Os primeiros procedimentos de lobotomia envolviam fazer um buraco no crânio e injetar etanol para destruir as fibras que conectavam o lobo frontal a outras partes do cérebro. Posteriormente, passaram a usar um instrumento cirúrgico denominado leucótomo, que, ao ser girado, fazia uma lesão circular no tecido cerebral.
O psiquiatra italiano Amarro Fiamberti desenvolveu um procedimento que envolvia acessar o lobo frontal através das órbitas oculares, mas em 1945, surgiu a lobotomia transorbital, um método em que o médico inseria a ferramenta na órbita do paciente com o auxílio de um martelo. O instrumento era movido de um lado para outro para separar o lobo frontal do tálamo, a parte do cérebro que recebe e transmite informações sensoriais. As lobotomias transorbitais não exigiam anestesia e eram mais rápidas.
Com o tempo, ficou cada vez mais claro que a cirurgia gerava efeitos negativos na personalidade do paciente, atrapalhando sua autonomia. Embora uma minoria de pessoas tenha notado uma melhora em seus sintomas após a lobotomia, a maioria ficava incapaz de se comunicar, andar ou se alimentar sozinha.
As instituições psiquiátricas desempenharam um papel crítico na prevalência da lobotomia. Na época, havia milhares de sanatórios, todos superlotados e caóticos. Ao administrar lobotomias a pacientes indisciplinados, os médicos poderiam manter o controle na instituição.
Casos famosos de lobotomia
O caso mais famoso de lobotomia é protagonizado por Rosemary Kennedy, irmã de John F. Kennedy, o 35º presidente dos Estados Unidos. Ela nasceu em 13 de setembro de 1918 em meio a um parto cheio de complicações, o que a levou a apresentar dificuldades de aprendizado. Apesar de ter frequentado várias escolas especiais, teve problemas para ler e escrever até a idade adulta.
Em sua fase adulta, Rosemary protagonizou diversos episódios violentos e ataques de raiva, atingindo quem estivesse por perto. Em um dos incidentes, por exemplo, Rosemary chegou a atacar subitamente seu avô materno, Honey Fitz. A família Kennedy chegou a interná-la em um convento, mas ela fugia diversas vezes. Quando as freiras relataram que Rosemary fugia para se encontrar com homens nos bares, o pai (Joseph Kennedy) decidiu tomar uma providência.
Em novembro de 1941, sem consultar a esposa, Joseph autorizou que Rosemary fose lobotomizada. Na época, ela tinha 23 anos. No entanto, depois da cirurgia, Rosemary nunca mais conseguiu mais andar ou falar. Durante a maior parte do tempo, sua existência foi um segredo.
Barbacena
No Brasil, grande parte das lobotomias aconteceu na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, que em 1903 chegou a ser apelidada de “Cidade dos Loucos”, por conta da inauguração de sete instituições psiquiátricas. A mais famosa delas foi o Hospital Colônia. No entanto, 70% dos internados não apresentavam simplesmente nenhum registro de doença mental. Eram homossexuais, alcoólatras, militantes políticos, mães solteiras, mendigos, negros, pobres, índios, pessoas sem documento.
Os internos viviam mal, nus, forçados a trabalhar como suposta terapia em pátios ou em celas. Faltavam água encanada e alimentos. Muitos internos bebiam e se banhavam no esgoto a céu aberto. Cerca de 60 mil internos morreram de fome, frio ou diarreia durante nove décadas até o fechamento do Hospital Colônia, que aconteceu na década de 90. Os "tratamentos" envolviam choques e torturas físicas/psicológicas.
Lobotomia ainda existe?
A popularidade da lobotomia diminuiu na década de 1950, à medida que seus efeitos colaterais se tornaram mais conhecidos. As críticas aos procedimentos também cresceram entre os profissionais da medicina, que denunciavam negligências, uma vez que boa parte dos médicos que realizavam o procedimento não era formada por neurocirurgiões. Ainda pior: alguns pacientes eram lobotomizados sem consentimento.
Foi justamente nessa época que os cientistas desenvolveram medicamentos psicoterapêuticos, muito mais eficazes e seguros no tratamento de transtornos mentais do que a lobotomia. Em 1960, o psiquiatra italiano Franco Basaglia revolucionou o tratamento relacionado a transtornos mentais, investindo uma abordagem de reinserção territorial e cultural do paciente na comunidade, em vez de isolá-lo num manicômio à base de fortes medicações, vigilância ininterrupta, choques elétricos e camisas de força.
Devido aos resultados positivos que alcançou na Itália, a abordagem de Basaglia passou a ser recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir de 1973. A posição da OMS tornou o debate mundial. Atualmente, as operações psicocirúrgicas ainda existem, mas são realizadas raramente. A remoção de áreas cerebrais específicas é reservada para o tratamento de pacientes para os quais todos os outros tratamentos falharam.
Fonte: Live Science, BBC (1, 2) AAAS, Journal of Neurosurgery, NZ Herald, El País, Senado Notícias