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Em 2020, projeto DNA do Brasil deve sequenciar o genoma de 47 mil brasileiros

Por| 27 de Dezembro de 2019 às 17h05

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DNA do Brasil
DNA do Brasil

No final de janeiro de 2020, já estará em andamento a maior empreitada científica que vai, finalmente, colocar o país no mapa da genômica mundial. Liderado pela geneticista Lygia da Veiga Pereira em parceria com a empresa de medicina diagnóstica Dasa e a plataforma de computação em nuvem Google Cloud, o projeto DNA do Brasil planeja descobrir padrões no genoma brasileiro e disponibilizar suas descobertas em bancos de dados globais e públicos.

No entanto, começar uma corrida depois de dada a largada é, via de regra, muito mais difícil. Até porque quem começa depois corre o risco, mais do que perder a prova, ficar para trás no curso da história. Evitar isso é justamente o desafio da professora da USP, Lygia da Veiga Pereira, que espera em um ano ter 7 mil genomas brasileiros sequenciados e outros 40 mil escalados.

Nessa corrida em que o Brasil é lanterninha, cerca de 80% dos genomas sequenciados no mundo são feitos de pessoas caucasianas, ou seja, “são genomas de gente branca, de origem europeia ou norte-americana”, explica professora da USP e responsável pelo projeto. Isso significa que grande parte dos novos medicamentos e investimentos na saúde beneficiam, diretamente, esses grupos e não necessariamente todas as pessoas. Lembrando que a maioria da polução brasileira é fruto de descendentes dos povos africanos, asiáticos e europeus .

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Mesmo que o país não seja proprietário das tecnologias, sequenciar é uma tarefa realizável. O maior desafio, como pontua a líder do projeto DNA do Brasil, é que “para as populações miscigenadas, nós conhecemos muito pouco da genética das doenças comuns. A nossa capacidade de dar um resultado, baseado na análise do genoma, para uma pessoa com predisposição para hipertensão, Alzheimer ou diabetes, ainda é baixa.”

Por isso, sequenciar centenas de milhares de brasileiros é tão importante, mesmo que algumas partes — principalmente investidores — não consigam ver essa prioridade. Como conta a professora Lygia, que não conseguiu investimentos do Ministério da Saúde, e teve que recorrer à iniciativa privada. Um desafio e tanto, já que como brinca, financiar pesquisas “não dá direito a ingresso em shows para clientes.”

No caso do DNA do Brasil, o elemento mais fantástico é a transformação de 3,2 bilhões de sequências do código genético de cada voluntário em dados computacionais, mais precisamente um arquivo de 500 GB. Além desse admirável feito, para o sucesso do empreendimento, em longo prazo, a professora da USP ainda aguarda pela implementação de prontuários eletrônicos no SUS e o barateamento no processo de sequenciamento do genoma.

O preço do genoma

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Uma das barreiras para a pesquisa do genoma no país é seus custos, mas há uma tendência global de barateamento deste valor. Isso se pensarmos que o sequenciamento do primeiro genoma humano levou cerca de 13 anos para ser feito e custou mais de dois bilhões de dólares.

A tecnologia, hoje, é muito mais barata. Em três dias, é possível sequenciar o DNA humano por mil dólares. Segundo a geneticista da USP, “nós já diminuímos muito o preço, mas ainda não é [uma técnica] popular. A meta da indústria é chegar a um genoma humano por cem dólares.” Valor esse que deve ampliar e muito o acesso ao procedimento.

Ainda distante dessa realidade, a pesquisa brasileira necessita de fomento e a professora foi algumas vezes à Brasília em busca de agência federais. Sem sucesso, foi buscar alternativas na iniciativa privada, onde acreditava que encontraria patrocinadores “se não pela ciência, pela visibilidade de um projeto que é do Brasil, não é da Lygia ou da USP, mas do país inteiro.”

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De fato, foi o que aconteceu. Em um primeiro momento, a professora da USP conta: "Fizemos uma cotação de preços internacional e conseguimos uma ótima proposta da BGI [empresa chinesa de sequenciamento de genoma]." No enanto, a empresa brasileira Dasa fez uma contraproposta melhor, em parceria com a Illumina [empresa que produz máquinas que sequenciam o DNA], e posteriormente entrou a parceria com o Google Cloud.

Procurando potencializar o projeto DNA do Brasil, a professora segue “esperançosa” com novos patrocinadores. Como explica, “seria muito importante se a indústria farmacêutica nacional enxergasse uma oportunidade aqui, como em outros países [onde esses projetos já estão acontecendo] que existem investimentos e parceria das farmacêuticas.” Até porque os dados, que serão descobertos, são preciosos e podem ajudar, inclusive, no desenvolvimento de novos produtos.

E o projeto segue de olho em mais investimentos, até porque "esse número precisa crescer", pontua a professora Lygia. "Nós estamos montando uma logística para chegar aos 50 mil sequenciamentos, enquanto isso seria ótimo se o SUS implementasse alguma forma de prontuários eletrônicos. Assim teríamos dados da saúde do Brasil inteiro e poderíamos expandir esse projeto para o sequenciamento de 100 mil brasileiros, depois 200 mil." Isso é claro, contando também com os genomas de 100 dólares que viabilizariam o projeto economicamente.

Etapas do projeto

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O projeto DNA do Brasil começou com a identificação de grupos de brasileiros que já estão bem fenotipados. Isso abrange grupos de brasileiros que estejam sendo acompanhados do ponto de vista da sua saúde e comportamento por estudos epidemiológicos nacionais, financiados pelo Ministério da Saúde.

Entre eles, o maior é conhecido por ELSA e abarca brasileiros de diversas regiões do país, com idades entre 35 e 74 anos. Acompanhado desde 2008, o grupo será a base dos primeiros 15 mil sequenciamentos de genomas brasileiros feitos pelo projeto. Para isso, a equipe do DNA do Brasil irá explicar as funções do programa e, assim, obter um termo de consentimento dos participantes, onde autorizam o uso de seus dados pessoais.

A partir de então, as equipes trabalharão em conjunto para adicionar aos dados já coletados, os novos dados genômicos. Em outras palavras, como afirma a geneticista, acontecerá o cruzamento de informações, e dessa maneira, "criaremos um banco de dados genômicos e de dados clínicos."

A vantagem da pesquisa epidemiológica ELSA é que o DNA dos 15 mil participantes já está armazenado, ou seja, após a autorização, o sequenciamento pode começar imediatamente. E uma vez feito esse sequenciamento, o material biológico se transforma dados computacionais, dando início aos estudos. Como explica a professora Lygia, "cruzaremos os dados genômicos com os dados de saúde para tentar identificar variantes genéticas que estejam envolvidas com alguma predisposição a doenças."

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A meta, como pontua a geneticista, é "encontrar variantes genéticas de origem africana, indígena, europeia, para entendermos a miscigenação da nossa população. Para isso, não precisamos de um laboratório, mas sim de um grande computador, porque esses experimentos são feitos exclusivamente com os dados obtidos."

Com o armazenamento e processamentos dos dados genômicos coletados, entra em ação a parceria do Google Cloud e sua série de ferramentas analíticas para dados de saúde, que são utilizados nos principais programas de genoma de outros países. Com essas informações processadas, de maneira uniforme, será mais fácil para equipe os comparar com os dados genéticos obtidos com os de populações dos Estados Unidos e da Inglaterra, por exemplo.

Quais resultados são esperados?

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A partir de todos os dados levantados, cruzados e analisados, inicia-se uma série de pequisas que buscam compreender propriamente o genoma brasileiro e suas especificidades. É o caso do trabalho da professora da USP, Tábita Hünemeier, que está interessada em entender a miscigenação entre os brasileiros e compreender as frações do DNA indígena e africano que há na população, em uma pesquisa fundamental do ponto de vista histórico.

Já o também professor da USP Diogo Meyer procura desbravar os genes do sistema imunológico brasileiro, analisando o processo evolutivo. Outro professor entre os pesquisadores, Alexandre Pereira, está interessado em estudar as doenças cardiovasculares, de modo a entender quais são as variantes genéticas associadas aos problemas do coração.

As pesquisas levantadas são válidas porque se sabe muito pouco sobre o genoma de populações miscigenadas, já que a maioria dos estudos, hoje, são feitos com genomas caucasianos. "Como é visto em artigos científicos, esses algorítimos que foram desenvolvidos para estimar os riscos em populações brancas não tem o mesmo poder de apreensão em outras populações com uma genética diferente, sejam elas asiáticas, africanas ou latinas", explica a geneticista Lygia.

Por isso, existe "a importância de criarmos um número muito grande de genomas dessas outras populações para que possamos desenvolver essa medicina de precisão para todo a população mundial", conclui a pesquisadora da USP.

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Os dados individuais sobre o genoma também podem ser usados para o tratamento de doenças, como a técnica CRISPR para editar cadeias de DNA em pacientes com determinadas disfunções, que é muito poderosa e pode trazer inúmeros benefícios para a saúde humana. Segundo a professora Lygia, "existem equipes testando seu uso para o tratamento de tumores e do HIV, que são usos altamente positivos."

No entanto, a pesquisadora alerta para o uso da técnica CRISPR na criação de bebês geneticamente modificados, por exemplo, como aconteceu na com as gêmeas chinesas, em 2018, que podem ter mutações inesperadas ao longo de suas vidas. Isso porque, segundo ela, é "entrar em uma área bem cinza da ciência e da ética, onde os riscos não compensam os potenciais benefícios."