É verdade que o sinal do Wi-Fi pode causar câncer?
Por Rafael Rodrigues da Silva • Editado por Luciana Zaramela | •
Nos últimos trinta anos, o telefone e o acesso à internet deixaram de ser itens de luxo para se tornar tão necessários quanto luz elétrica e água encanada em qualquer residência ou prédio comercial. Assim, estamos a todo momento rodeado de aparelhos que emitem e recebem sinais a todo momento: celulares, roteadores, computadores, smart speakers, smartwatches, e praticamente qualquer aparelho que estiver conectado a uma rede de telefones ou de internet. Esse sinais se somam às já mais antigas transmissões de rádio e TV na atmosfera, e fazem com que, a todo momento, em qualquer lugar, estejamos expostos a radiação de todos os lados. Mas será que toda essa exposição pode fazer mal para nossa saúde?
O inimigo da vez
Temos visto o surgimento de um novo debate entre aqueles que desconfiam das inovações tecnológicas: o de que a prolongada exposição ao sinal emitido pelos roteadores Wi-Fi pode causar câncer. Os defensores dessa teoria afirmam que, por causa disso, é necessário desligar o aparelho sempre que não se estiver usando-o — e, se possível, não utilizar roteador Wi-Fi, preferindo conectar todos os equipamentos da sua casa na internet via cabo. Mas por que essas pessoas acham que o Wi-Fi é tão perigoso assim para a saúde?
O motivo principal é o modo como os roteadores Wi-Fi enviam o sinal de internet para os aparelhos: eles utilizam sinais de Radiação Eletromagnética (EMF), o mesmo tipo de radiação emitida pelos celulares para se comunicar com as torres de telefonia e efetuar ligações, e por conta disso esses equipamentos representariam uma série de perigos para o corpo humano.
Os críticos do uso de sinal Wi-Fi citam como prova um estudo realizado em 2013 pelo Departamento de Engenharia Elétrica e Eletrônica da Universidade de Melbourne, que revelou que a exposição prolongada a sinais EMF pode afetar nossa qualidade do sono. A causa disso estaria na glândula pineal (glândula responsável pela produção de melatonina, hormônio que atua na organização dos ritmos biológicos e regula nosso período de sono), que, de acordo com o estudo, reconheceria os sinais EMF e os traduziria não como um sinal de telefonia, mas como presença de luz. Isso faria com que ela não produzisse a quantidade necessária de melatonina para o corpo, causando um sono mais leve e que faria a pessoa acordar ainda cansada.
Outro dano dos quais os sinais EMF são acusados é de interferir nas atividades de reprodução celular do corpo. Isso porque cada célula hemácia (aquelas vermelhas responsáveis pelo transporte de nutrientes e oxigênio para as outras células do organismo) possui uma espécie de “receptor Wi-Fi” usado para a comunicação das células umas com as outras, e estudos sugerem que o EMF seja captado por esses receptores. Entres as interferência causadas por essa captação estariam a criação de células redondas e perfeitas (o que acaba interferindo na quantidade de nutrientes e oxigênio que pode ser transportado por ela) e interfere também na capacidade delas de se livrar de toxinas e radicais livres, o que no longo prazo comprometeria praticamente todas as funções orgânicas do corpo humano.
E claro, há sempre a ameaça do maior inimigo quando falamos de radiação: o câncer. Os críticos da EMF costumam sempre citar o BioInitiative Report, um documento publicado em 2012 (e atualizado em 2014 e 2017) que reúne os resultados de mais de 1800 pesquisas acadêmicas que sugerem que a constante exposição ao EMF de telefones celulares pode aumentar a incidência de tumores cerebrais nos usuários. Assim, como os sinais de roteadores WI-Fi seriam os mesmos usados pelos aparelhos celulares, eles também seriam um risco para a saúde. E como esses problemas são causados não apenas pela simples exposição, mas pela exposição prolongada a esses sinais, desligar o roteador sempre que possível ajudaria a diminuir essa exposição e, em longo prazo, as chances de se desenvolver algum tipo de câncer.
E, nos últimos anos, a preocupação desses críticos aos roteadores Wi-Fi está sendo “vingada” por algumas decisões tomadas na esfera governamental. Em 2015, a França aprovou uma série de leis que limitam o uso de roteadores Wi-Fi, proibindo o uso desses equipamentos em pronto-socorros e limitando o uso em escolas primárias para somente quando absolutamente necessário para propósitos educacionais.
Entendendo radiação
Você então pode pensar: “Nossa, mas se o sinal do Wi-Fi é um tipo de radiação, é claro que ele é perigoso! Toda radiação é perigosa!” e a resposta para esse pensamento será: depende. É claro que radiação é perigosa, como o desastre de Chernobyl já nos provou, mas isso não quer dizer que todo tipo de radiação é perigoso. Muito pelo contrário.
Isso porque não são apenas os celulares, roteadores Wi-Fi e reatores de fissão nuclear que emitem radiação: o seu rádio emite radiação sempre que está ligado, e caso você possua uma antena na sua TV (e não apenas os canais a cabo), ela também emite radiação. Ora, até os raios solares são um tipo de radiação, e são a prova de que as pessoas não entendem o que quer dizer essa palavra, já que muitas vezes a mesma pessoa que fica alertando sobre os perigos do sinal do Wi-Fi também te encoraja a sair da frente do computador ou videogame e ir “lá fora” para aproveitar o Sol.
Isso acontece porque as pessoas não costumam ter conhecimento sobre a divisão dos tipos de radiação, que podem ser classificadas em ionizantes e não-ionizantes. Quando ouvimos falar em “radiação”, automaticamente o que nos vem na cabeça é a radiação do tipo ionizante, que é aquela que é realmente perigosa para o corpo humano, como raios-x, radiação gamma e a radiação ultra-violeta (UV). Enquanto isso, os sinais de rádio, TV, celular e internet estão na aspecto não-ionizante, que são os tipos de radiação que não trazem nenhum risco para o corpo humano.
O nome desses dois tipos de radiação já deixa bem claro sobre o perigo de cada uma delas: a ionizante possui a capacidade de ionizar um elétron — ou seja, possui energia suficiente para excitar os elétrons de um átomo e tirá-los de suas órbitas —, e por isso a exposição constante a esse tipo de radiação pode causa diversos problemas ao corpo humano, incluindo a geração de tumores cancerígenos e até mesmo a falha generalizada do funcionamento dos órgãos. Já as radiações não-ionizantes, como já fica claro pelo nome, não possuem energia o suficiente para influenciar os elétrons de um átomo, o que a torna inofensiva.
A diferença entre estes tipos de radiação está na forma de onda pela qual ela é propagadas: radiações que possuem formas de onda mais longas (ou seja, são propagadas em menor frequência) são consideradas do tipo não-ionizado, e neste padrão estão não apenas os sinais de rádio, TV, celular e Wi-Fi, como também as conhecidas microondas e os raios visíveis de luz. Já aquelas radiações que possuem um comprimento de onda mais curto (ou seja, são propagadas em uma frequência maior) são as realmente perigosas, e é onde se encontram os raios-x, a radiação gamma e os raios UV.
Por isso que nosso Sol é um sistema complexo: ao mesmo tempo em que a radiação que nos ilumina e esquenta nosso planeta é do tipo inofensivo, o astro também emana em menores quantidades raios UV, que são uma radiação do tipo perigosa, e é por isso que a longa exposição ao Sol pode influenciar o desenvolvimento de células cancerígenas.
Outro ponto importante para definir o “estrago” que uma radiação pode fazer é a potência na qual ela é emitida. Por exemplo, a radiação conhecida como microondas é inofensiva, mas ao mesmo tempo pode ser usada para esquentar alimentos — e esse resultado é conseguido unicamente por conta da potência com a qual essas microondas são utilizadas. Para conseguir esquentar os alimentos, um aparelho de microondas padrão utiliza um núcleo com potência de 700W, e com essa potência demora cerca de um minuto, em um ambiente totalmente selado e desenvolvido, para concentrar e amplificar os efeitos da radiação, conseguindo então ferver um litro de água rapidamente. Em comparação, mesmo os roteadores mais potentes — aqueles que possuem cinco antenas e conseguem emitir sinais de internet Wi-Fi numa área de centenas de metros — dificilmente possuem mais de 1W de potência, que é dissipada praticamente apenas na área em contato direto com o aparelho.
Isso acontece por causa de outra propriedade dos sinais de radiação: eles perdem força exponencialmente não apenas quanto mais longe se está da fonte, mas também para cada barreira que exista no caminho deles. Como a radiação desses aparelhos é propagada na forma de ondas, elas acabam se dispersando quanto mais se afastam da origem do sinal — e, em casos de equipamentos de pouca potência como um roteador, é necessário apenas alguns centímetros de distância para que essa radiação esteja tão dispersa que se torna praticamente nula.
Por isso que, ainda que os transmissores das torres de telefonia celular sejam muito potentes (o que poderia tornar o sinal emitido por eles não tão inofensivo), o fato de eles serem instalados em grandes alturas e, quando possível, em áreas afastadas dos centros urbanos, permite que qualquer radiação danosa que possa ser emitida por essas torres já esteja tão dispersada ao atingir uma pessoa no nível do solo que os efeitos negativos a essas pessoa serão nulos.
Recomendação médica
Um dos organismos oficiais com maior influência mundial na criação de leis e decretos que visam a saúde da população, a Organização Mundial da Saúde (OMS), estabelece claramente em um documento publicado em 2006 que as ondas EMF não oferecem nenhum risco à saúde da população — posicionamento esse que é compartilhado por diversas figuras da medicina, principalmente no campo da oncologia.
De acordo Gary Larson, oncologista diretor do ProCure Proton Therapy Center (uma clínica médica dos Estados Unidos especializada no tratamento de câncer), a maior prova de que a radiação EMF não é nociva para o corpo humano é o fato de não existir nenhum surto de câncer cerebral nos últimos anos.
Isso porque, de acordo com as pesquisas feitas com grandes grupos de pessoas sobre os perigos da exposição à radiação ionizante, é necessário um período de sete anos de contínua exposição para que o organismo comece a sentir os efeitos desta radiação caso ela não esteja sendo irradiada de forma concentrada (como aconteceu em praticamente todos os grandes desastres radioativos da história, como a bomba atômica, o vazamento da usina de Chernobyl ou a descoberta de Césio 137 descartado de uma máquina hospitalar por crianças em um aterro sanitário de Goiás).
Considerando que estamos, pelo menos nos últimos vinte anos de nossas vidas, expostos durante o dia inteiro à radiação EMF — seja de telefones celulares, sinais de rádio ou roteadores de internet —, se essa radiação fosse mesmo algo perigoso deveríamos ter um aumento da incidência de gliomas cancerígenos no sistema nervoso central.
O fato é que esse aumento não ocorreu, e o número de casos de câncer do sistema nervoso de manteve praticamente estável durante todo o último século. E, mesmo que existam casos relatados de gliomas que foram sim provocados, ou cujo desenvolvimento foi incentivado, por radiação, das bilhões de pessoas que são irradiadas o tempo todo por esse tipo de radiação, há apenas 73 casos encontrados de pessoas cujo câncer foi provocado por eles. O número é tão pequeno (73 pessoas entre os atuais 6 bilhões de habitantes do planeta) que não só é irrelevante estatisticamente (0,000001% da população mundial) como é tão raro que funciona mais como um indício de que essas pessoas possam ter algum tipo de mutação que as torna suscetíveis a este tipo de radiação.
Ainda assim, todos esses casos foram provocados por radiação ionizante de baixa potência (por exemplo, a utilizada em exames de raios-x ou em radioterapia para tratamento de células cancerígenas) e ainda não foi encontrada nenhuma relação onde a irradiação à frequências não-ionizantes (como as dos roteadores Wi-Fi) possa ter provocado o mesmo tipo de comportamento.
De qualquer maneira, alguns médicos alertam que uma exposição muito concentrada a equipamentos cujo nível de radiação é seguro pode causar problemas futuros, principalmente em crianças. O doutor David Carpenter, diretor do Instituto da Saúde e do Meio Ambiente da Universidade de Albany (EUA), lembra que, por ainda não estar totalmente desenvolvido, o corpo das crianças em idade escolar é mais suscetível a variações no nível de radiação do que o corpo adulto, e mesmo que a radiação a que ela é sujeita no dia-a-dia (sinais de celulares da cidade e tudo aquilo que já conversamos sobre) não deverá afetar o desenvolvimento delas, colocá-las em um ambiente fechado onde existem muitos equipamentos eletrônicos funcionando — por exemplo, uma sala de aula onde funcionam roteadores, computadores e celulares capazes de atender 40 alunos — pode criar um concentração de frequências não-ionizadas com potência suficiente para interferir no desenvolvimento do organismo dessa criança.
Apesar do alerta, Carpenter avisa que isso é apenas uma conjuntura baseada nas teorias da física sobre como a concentração e a potência de sinais não-ionizados pode ser utilizada para interferir sobre um organismo (como já explicamos que acontece no forno de microondas), e que ainda não há nenhum estudo que comprove ou refute essa possibilidade.
Soluções simples
Mas, se mesmo assim você ainda está preocupado sobre como a radiação EMF pode influenciar sua vida, há coisas bem simples que você pode fazer para diminuir a incidência dela sobre o seu organismo.
A principal delas é, se possível, não utilizar nenhum tipo de conexão Wi-Fi em casa e cabear todos os seus equipamentos que acessam a internet. Por menos potente que seja o seu roteador, ele sempre irá emitir radiação EMF (afinal, é o modo como a tecnologia funciona) e, se você está mesmo paranóico sobre isso, o melhor jeito de se livrar da “ameaça” é simplesmente não utilizar um desses equipamentos.
Outra coisa possível de ser feita é evitar usar o telefone celular próximo da cabeça — principalmente se você estiver numa área com pouco sinal (apenas uma barrinha), pois o aparelho tenta a aumentar a radiação emitida por ele na tentativa de melhorar a qualidade da ligação. Assim, se você tem mesmo muito medo dos efeitos da radiação EMF, é recomendável atender e executar ligações apenas no viva-voz e deixar o celular a pelo menos um palmo de distância do seu corpo (a distância necessária para que a radiação emitida se propague o suficiente para ser praticamente nula). Também é possível usar fones de ouvido se você não gostar (ou não puder) atender uma ligação no viva-voz, mas sempre fones de ouvido com fio, já que os fones sem fio emitem até mesmo mais EMF do que um smartphone.
Apesar dessas dicas, é preciso reiterar sempre: não há nenhuma pesquisa científica séria que certifica com toda certeza que usar telefones celulares ou roteadores Wi-Fi aumenta a incidência de câncer. As pesquisas normalmente citadas pelos propagadores do medo da radiação EMF apresentam resultados de correlação (um grupo que usou telefones celulares durante todos os dias apresentou uma maior incidência de câncer do que o grupo que não usou o celular todos os dias), e não de causalidade (o grupo teve uma incidência de câncer maior porque usou o celular todos os dias). Isso quer dizer que mesmo as pesquisas que alertam para o perigo do celular não conseguem estabelecer com absoluta certeza que o aparelho é o único motivo para que a doença tenha se manifestado, e que não existiram outros fatores externos ou genéticos para a manifestação da doença.
Assim, ainda que não exista nenhuma prova de que a radiação EMF seja mesmo responsável por causar câncer, o melhor indicador é a projeção estatística dos casos de câncer no mundo nessas últimas três décadas onde somos bombardeados diariamente por esse tipo de radiação por nossos celulares, e o fato de a quantidade de casos de câncer se manter estável durante todo este tempo é a maior evidência atual de que roteadores de internet Wi-Fi e telefones celulares são completamente seguros para a saúde (claro, desde que nenhum celular exploda no seu bolso ou pegue fogo enquanto estiver carregando).
Fonte: EMF Academy, BioInitiative.org, Consumer Reports, Forbes, Organização Mundial da Saúde, How To Geek