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DNA do Brasil | Entenda como o DNA brasileiro pode mudar a medicina de precisão

Por| 22 de Outubro de 2020 às 11h00

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Gerd Altmann/Pixabay
Gerd Altmann/Pixabay

Para incluir o Brasil no mapa da genômica mundial e diversificar bancos de dados com populações multiétnicas e miscigenadas — algo ainda raro nas pesquisas do tipo e que pode turbinar a saúde de precisão —, desde janeiro deste ano, a geneticista e professora da USP Lygia da Veiga Pereira coordena o projeto DNA do Brasil. Além de parceria com o Google Cloud e a DASA, a iniciativa que ambiciona sequenciar 40 mil genomas brasileiros passou a contar, recentemente, com incentivo do Ministério da Saúde.

Para além do sequenciamento e disponibilização das informações em banco de dados públicos, a iniciativa busca relacionar genes com possíveis doenças e formas de prevenção. De olho na medicina de precisão, a pesquisadora Pereira compartilhou os primeiros resultados do projeto DNA do Brasil durante a III Semana de Biotecnologia USP, organizada pelo Programa Interunidades de Pós-Graduação em Biotecnologia e pelo Centro Acadêmico Barbara McClintock, com programação totalmente virtual até sexta-feira (23).

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Nesses primeiros meses, “recebemos 2,8 mil amostras de DNA e já temos na nuvem os primeiros 1,2 mil genomas brasileiros que começamos a analisar", conta a professora Lygia sobre os resultados preliminares da pesquisa DNA do Brasil. Até agora, foram descobertas 25 milhões de variações genéticas inéditas para o estudo da biologia humana.

Por que sequenciar o genoma brasileiro?

De forma resumida, o genoma humano é a nossa sequência completa de DNA, que apresenta algumas variações bem pequenas numericamente, mas muito significativas de indivíduo para indivíduo. Agora, as partes do DNA são conhecidos como os genes e carregam informações importantes de um ser vivo — basicamente, as unidades de hereditariedade de um indivíduo — e são necessárias para produção de proteínas no organismo. O curioso, entre os seres, é que existe a variabilidade genética, ou seja, formas alternativas de um mesmo gene entre uma espécie e é o que nos diferencia enquanto humanos.

Para se entender a genética das doenças complexas — como hipertensão, alzheimer, depressão, diabetes —, é necessário compreender de que forma o genoma as pode expressar. "Elas são os resultados, provavelmente, de milhares de pequenas variações do genoma de cada indivíduo que somadas conferem um risco maior ou menor. Para termos poder estatístico para identificar esses fatores genéticos, precisamos sequenciar centenas de milhares de indivíduos e fazermos essas correlações", explica a geneticista sobre a importância da pesquisa.

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A partir desse entendimento, é possível pensar em uma medicina de precisão, onde será possível prever e até mesmo prevenir o desenvolvimento de doenças, com o genoma de uma pessoa. O que representaria uma grande diminuição de custos na saúde, já que o tratamento é mais caro que a prevenção. Além disso, entender melhor a biologia humana possibilita a descoberta de novas terapias. Entretanto, hoje, esse universo de possibilidade está mais restrito à população caucasiana.

“No momento, a saúde de precisão é mais precisa para caucasianos e isso não é ético. Precisamos desenvolver essa saúde de precisão para toda humanidade”, defende a professora Pereira. Isso porque a maioria das pesquisas da área de genética ainda são voltadas apenas para populações brancas, mas essas descobertas não se aplicam necessariamente a pessoas de outras ancestralidades (asiáticos, latinos, africanos).

Agora, quando se analisa populações miscigenadas, como a brasileira, é possível identificar posições do genoma humano ainda não identificados e que pode melhorar a compreensão de condições genéticas que favorecem a propensão a alguma doença, por exemplo. É isso que faz do projeto DNA do Brasil tão interessante.

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25 milhões de novas variações genéticas

A atual pesquisa sobre o genoma da população brasileira ainda é pouco expressiva no volume de genomas sequenciados, já que foram pouco mais de mil, perto do que se propõe. No entanto, traz resultados significativos pensando em novas descobertas para a área genética. Para ilustrar essa questão, a pesquisadora Pereira compara os resultados preliminares nacionais com as conclusões do Projeto da Diversidade do Genoma Humano (PDGH), no qual foi sequenciado o genoma de 900 pessoas originárias de 54 países diferentes.

“Eles [os pesquisadores do PDGH] encontraram 73 milhões de variantes diferentes juntando esses genomas diferentes [sequenciados]. Quando olhamos só uma população, a população brasileira de mil genomas, encontramos 63 milhões de variações. Em uma população, a gente encontra 87% do número de variações que é preciso você usar 54 populações diferentes para você encontrar", explica Lygia sobre a importância dos dados.

"Mas o que tem novo na nossa população? 58% dessas variações [brasileiras] são encontradas nesses outros grupos [os dados gênicos do PDGH]. Isso significa que esse sequenciamento da nossa população está nos dando 42% de variações ainda não descritas em genomas humanos. Nesses primeiros mil genomas, significam 25 milhões de variações genéticas que não tinham sido descritas", completa a pesquisadora.

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Entre as dificuldades para alavancar o projeto, está a falta de dados clínicos da saúde dos brasileiros. Isso porque só podem ser sequenciados pessoas que tenham uma longa ficha médica, já que mais do que fazer essas descobertas sobre o genoma, o projeto foca em comparar a relação dos genes com a predisposição de algumas doenças — etapa ainda não iniciada.

“Se o SUS [Sistema Único de Saúde], tiver prontuários eletrônicos, bancos de dados sobre a saúde dos brasileiros. Isso vai permitir que cheguemos aos 100 mil genomas de uma forma mais eficiente", reflete a professora da USP. Vale ressaltar que mesmo com predisposição para uma doença, a pessoa pode nunca a desenvolver, já que isso depende de fatores externos, além da genética.

Descobertas históricas sobre a população brasileira

“Nós temos uma história de formação da nossa população muito peculiar. Até o século XVI, éramos em torno de cinco milhões de índios de diferentes grupos linguísticos. Depois vieram os europeus, quase quatro milhões, trazendo cinco milhões de africanos [de diferentes regiões do continente]”, lembra a pesquisadora, ainda sem considerar cronologicamente, as populações asiáticas. Entender o genoma dessa população permite também entender sua história.

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“Parte das populações [indígenas] foi extinta durante a nossa colonização. Só que fragmentos dos genomas dessas populações ameríndias sobrevivem no brasileiro atual [através de fragmentos do DNA]. Quando tivermos sequenciando o genoma dos brasileiros, vamos conseguir recuperar esses fragmentos de genoma que não existem mais e poderemos reconstruir os genomas dessas diferentes populações"., explica a professor Lygia

“Da mesma maneira para o componente africano. Quando foi instaurada a lei áurea no Brasil, toda a documentação sobre o tráfego de escravos foi destruída. Então, não se tem uma documentação da origem para as pessoas que têm uma ancestralidade africana. Ao sequenciar o genoma dessas pessoas e analisar o componente africano, vamos poder devolver a sua origem e devolver a sua história da vinda de diferentes populações africanas", continua a pesquisadora sobre as possibilidades do projeto.

Por enquanto, é possível identificar uma "assimetria de transmissão de DNA materno e paterno na nossa formação", comenta Pereira. “Olhando a ancestralidade do DNA mitocondrial [que é exclusivamente a herança materna] desses primeiros genomas, vemos uma grande fração africana [34%] e nativa americana [36%]", afirma a pesquisadora. Por outro lado, quando se analisa a herança paterna, expressa no cromossomo Y, a situação não é tão diversificada. “75% dos cromossomos Ys da nossa população traz ancestralidade europeia, só 1% tem ancestralidade nativo americano. E comparado com a herança materna africana a paterna é muito menor", completa a professora.

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Para acessar a página oficial da III Semana de Biotecnologia USP, clique aqui.