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Daltonismo: com ajuda de gadgets, é possível enxergar as cores normalmente?

Por| 02 de Março de 2020 às 14h00

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Daltonismo: com ajuda de gadgets, é possível enxergar as cores normalmente?
Daltonismo: com ajuda de gadgets, é possível enxergar as cores normalmente?

O Canaltech costuma mostrar um lado diferente da tecnologia: o modo como ela pode proporcionar ajuda a diversas pessoas, como uma verdadeira aliada diante das dificuldades, seja por meio de aplicativos, recursos on-line ou inteligência artificial. A área tech está aí para facilitar a vida do ser humano, e tem sido cada vez mais voltada para a saúde. Com isso em mente, já apresentamos ferramentas que ajudam usuários com autismo, ansiedade ou ainda vários tipos de deficiência.

Mas e o daltonismo? Será que que tem essa deficiência visual pode contar com a ajuda de aplicativos e outras formas de inovação?

Antes de tudo, é preciso compreender o que é o daltonismo. Para isso, a nossa equipe conversou com o Dr. Fernando Zeitounian, oftalmologista da DaVita Serviços Médicos. Ele explica que o daltonismo é uma doença ocular em que algumas células da retina (porção interna do olho) estão ausentes ou não funcionam normalmente. Sendo assim, é caracterizada pela dificuldade de discriminar cores, principalmente verde e vermelho, e afeta quase que exclusivamente homens (97% dos casos), por herdarem a doença da mãe (portadora assintomática).

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“Na maioria das vezes, a doença é causada por uma alteração genética no cromossomo X (transmitido da mãe para o filho) e, assim, a pessoa nasce com essa condição genética. No entanto, há casos raros em que a dificuldade de visualizar cores se desenvolve ao longo do tempo”, explica o oftalmologista. Fernando aproveita para acrescentar que não há cura para o daltonismo porque a alteração celular é genética e definitiva.

Quando se trata de diagnóstico de daltonismo, o oftalmologista conta que é feito por meio de figuras que misturam cores e formas, formando números. “Pessoas sem a doença verão os números sem dificuldade. Pessoas com daltonismo não enxergarão os números ou verão números diferentes. Chama-se teste de Ishihara e está disponível na internet e nos consultórios oftalmológicos”. Fernando ainda orienta que procurar um oftalmologista é a primeira e a melhor coisa a ser feita em caso de suspeita de daltonismo, para que seja feito o diagnóstico.

No entanto, embora não haja tratamento, Fernando conta que existem várias propostas para ajudar a pessoa com daltonismo. “Sites em que a escolha de cores permite uma melhor diferenciação de objetos é uma delas. Recursos que aumentam o contraste, apesar de não permitir diferenciação de cores, auxiliam na identificação de formas”.

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Questionado sobre o impacto do daltonismo, o oftalmologista conta que, como a diferenciação de cores está prejudicada, quaisquer atividades que envolvam a necessidade de boa discriminação de cores estão comprometidas, tais como: pilotar avião, trabalhar em indústria de tintas ou em indústria da moda, pintura automotiva, entre outras.

“Ao dirigir veículos, mesmo não diferenciando muito bem o verde do vermelho no semáforo, o daltônico acaba associando a luz superior ao vermelho, a intermediária ao amarelo e a inferior ao verde e tomando as ações necessárias em cada caso. No entanto, para as demais atividades, o daltônico não apresenta dificuldades, já que acaba se adaptando às situações do dia-a-dia e vive bem”, Fernando explica.

Um outro olhar sobre o daltonismo

No entanto, além de ouvir de um especialista, também decidimos compreender o daltonismo sob o ponto de vista de um portador dessa variação genética. Nesse caso, trata-se do arquiteto Lucas Carvalho, que levou um bom tempo até a descoberta. Acontece que Lucas tem um irmão gêmeo, e os dois são univitelinos (em outras palavras, idênticos), então o irmão também tem daltonismo. Isso retardou a descoberta, pois as dúvidas em relação ao discernimento de cores passaram despercebidas durante anos.

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A descoberta aconteceu quando Lucas estava na oitava série, com 13 anos. “Meu irmão e eu estávamos vendo um livro de biologia e tinha um daqueles testes de Ishihara. Os colegas viam as figuras, mas nós não. Não foi um grande impacto ou revelação para nós. Nunca entendi muito bem o por que todo mundo achava tão fácil ‘ver as coisas’” relembra. Na infância, quando estava na primeira série, por exemplo, Lucas lembra que pintava as folhas das árvores de marrom, então a professora pensava que estava representando as folhas secas.

Quando Lucas e seu gêmeo descobriram, os pais ficaram um pouco preocupados e levaram os dois a um oftalmologista para a realização do diagnóstico. “É algo que, se você não souber, passará batido pela vida... então, nem nos preocupamos com isso”, pontua o arquiteto.

“Hoje em dia eu diria que é um pouco frustrante em alguns momentos, mas ao mesmo tempo rende algumas boas pérolas e o pensamento de que as pessoas deveriam ter mais imaginação na combinação de cores e muitas vezes depender menos delas para comunicação visual. Mas muita gente nem sabe que tem [daltonismo]. Temos tios que, na época que descobrimos, já tinham mais de 40 anos e não sabiam que eram daltônicos”, Lucas conta.

Ele ainda acrescenta que, ao longo de sua carreira como arquiteto, já chegou a passar por algumas saias justas ao escolher revestimentos com clientes e até mesmo em trabalhos em faculdade, por representar algo de forma errada. “Hoje em dia fico cismado se estou usando as cores corretas com o que vejo em termos de roupas na hora de vestir, comprar e demais afazeres diários. Meu grau não é tão severo quanto ao de um labrador, mas ainda assim surgem complicações, às vezes. Já peguei ônibus errado, pois a tela de identificação estava apagada e pensei que era a cor certa [da lataria]”, relata.

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Lucas revela que passa por situações controversas ao sair para comprar roupas sozinho, pois sempre bate uma dúvida quanto à cor da roupa que está comprando, por exemplo. “São coisas bem bobas, mas se você está em um dia ruim, dá para ser a cereja do bolo para querer ficar em casa, se sentir inferior”.

Quanto à tecnologia, Lucas revela que nunca viu, na tecnologia, uma verdadeira aliada. “Lembro que uma vez vi um jogo de videogame com um modo para colorblind, mas lembro que não funcionou para nós. No geral, acho que a tecnologia, de forma geral, desconsidera a limitação, pois jogos e aparelhos sempre utilizam sistemas de cores para sinalizar ligado/desligado e coisas do tipo, que são de difícil distinção”.

Tecnologia e Daltonismo

Embora, para o arquiteto, a tecnologia tenha mais atrapalhado que ajudado, ultimamente tem se observado uma preocupação maior com a saúde e o bem-estar das pessoas. Justiça seja feita: ainda não há uma amplitude de recursos que realmente ajudam os daltônicos. No entanto, trouxemos algumas sugestões de aplicativos e ferramentas que podem facilitar as coisas na medida do possível.

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É o caso, por exemplo, do Color Enhancer. Trata-se de uma extensão para o Google Chrome que permite que você ajuste as cores em todas as páginas para seu grau específico de dificuldade de percepção cromática, mesmo os mais extremos. Sendo assim, se você tem dificuldade em diferenciar cores, com essa extensão todas as páginas acessadas via Chrome ganham um filtro customizável de realce.

As configurações do navegador podem ser personalizadas de acordo com as necessidades do usuário, seguindo algumas instruções simples de configuração, que envolvem a escolha de uma linha de estrelas em caixas coloridas a partir de um conjunto de três. Depois de escolher a linha com as estrelas mais fracas, o usuário ajusta um controle deslizante para ajustar as configurações até que todas as estrelas na linha fiquem visíveis. A extensão do navegador tem cerca de 190.946 usuários até o momento, e está na versão 1.13.2, com a última atualização feita em agosto do ano passado.

Outra extensão é a Dalton, disponível tanto para Google Chrome quanto para Chromium, que traz a possibilidade de ajustar os níveis das cores, dependendo do tipo de daltonismo em causa. Esta ferramenta ajusta-se para pessoas que têm tritanopia – cegueira para a cor azul; deuteranopia – cegueira para a cor verde; ou protanopia – cegueira para a cor vermelha. Após instalar a extensão, um ícone com um D será adicionado no canto superior direito da tela. Para ativar, o usuário terá que clicar nesse ícone e mover o botão no canto superior direito para a direita. A extensão carrega o lema “Ajudar as pessoas a ver o mundo colorido“.

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Há também o ColorAdd, um aplicativo desenvolvido por um designer português que permite que os daltônicos identifiquem para qual cor estão olhando. Funciona da seguinte maneira: o usuário aponta a câmera do celular para a cor que deseja descobrir. Aí cada cor tem um símbolo próprio, que aparece na tela, junto com seu nome. Diversos órgãos públicos portugueses já adotaram a ferramenta, inclusive o metrô de Lisboa, para que os usuários portugueses consigam identificar as linhas com mais facilidade.

Sendo assim, sim, ainda há muitos passos rumo à acessibilidade para pessoas que tenham daltonismo, mas também é válido apontar que, com certa sutileza, a tecnologia tem dado alguns pulos para ajudar esses usuários. Resta esperar por cada vez mais inovação.