Cientistas "revertem" câncer metastático no pâncreas com reprogramação celular
Por Fidel Forato | Editado por Luciana Zaramela | 02 de Junho de 2022 às 16h20
Sem apresentar melhoras com os tratamentos oncológicos tradicionais, uma mulher norte-americana, de 71 anos, topou participar de um tratamento experimental — e que ainda não está pronto para ser feito em larga escala. Através da reprogramação gênica das células T (glóbulos brancos), uma equipe de médicos e cientistas conseguiu reverter o quadro de câncer de pâncreas com metástase.
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Publicado na revista científica The New England Journal of Medicine (Nejm), o relato do tratamento que, no futuro, poderá salvar milhares de vidas foi liderado pelos cientistas Eric Tran e Rom Leidner, do Earle A. Chiles Research Institute, nos Estados Unidos.
Apesar do sucesso com a paciente Kathy Wilkes, a equipe médica ainda a acompanha para verificar se o câncer voltará. Além disso, uma outra paciente não resistiu à evolução do tumor no pâncreas, mesmo após receber este tratamento experimental.
Tratamento de câncer no pâncreas é extremamente difícil
Especialistas explicam que o câncer de pâncreas é um dos tipos mais difíceis de serem tratados. Em média, cerca de 10% dos pacientes vivem mais de cinco anos após descobrirem este tipo de tumor, porque é considerado muito agressivo.
Na maioria dos casos, o câncer já se espalhou no momento em que é descoberto, explica William Jarnagin, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, para o jornal de The New York Times. Neste estágio, a efetividade dos tratamentos é reduzida. Jarnagin também comenta que, mesmo quando os tumores são removidos cirurgicamente, cerca de 85% dos pacientes sofrem com a recorrência do quadro.
Como funciona a reprogramação celular?
Para solucionar as dificuldades em tratar o câncer de pâncreas, a equipe de médicos norte-americanos trabalha com a ideia de transformar as próprias células do paciente em um medicamento vivo. Para ser mais específico, as células T do sistema imunológico são editadas geneticamente e reprogramadas.
Cabe explicar que este tipo de célula compõe o que chamamos de glóbulos brancos e, normalmente, defendem o organismo contra invasores, mas não são específicas contra tumores. Então, os cientistas precisam ensinar as células T a reconhecerem e atacarem as lesões tumorais.
Como as células T são treinadas?
A vantagem é que o sistema imunológico encara as células cancerosos como algo anormal. Inclusive, os tumores carregam fragmentos de proteínas cancerígenas mutantes em sua superfície e estas podem ser usadas “como migalhas de pão moleculares”, explica Rom Leidner, um dos autores do estudo. A solução é ensinar o organismo a reconhecer a células anormais, através desse biomarcador (alvo/migalhas).
O alvo é uma proteína mutante comum em cerca de 25% de todos os tipos de tumor, a KRAS. Esta proteína é encontrada em aproximadamente 95% dos tumores no pâncreas e, por isso, foi escolhida para a terapia em fase de testes. Em breve, ela poderá ser usada em experimentos contra o câncer de cólon e de pulmão, esperam os especialistas.
Após definir este alvo, a equipe coleta as próprias células T do paciente e, no laboratório, as modifica geneticamente. Através desse procedimento, elas passam a reconhecer e, eventualmente, devem "atacar" os pedaços de proteínas mutantes, as KRAS. Por fim, as células reprogramadas são infundidas de volta no paciente.
Futuro do tratamento
De acordo com Leidner, “a beleza disso” é que as células T somente atacarão as células cancerígenas, ou seja, as outras células saudáveis do organismo não serão afetadas. Com isso, a possibilidade de efeitos adversos cai significativamente. Agora, mais testes são necessários para aperfeiçoar o potencial tratamento.
Vale lembrar que, apara além da reprogramação gênica, outros cientistas trabalham em diferentes frentes contra os mais diversos tipos de câncer. Pesquisas em curso avaliam o uso de vírus editados geneticamente ou ainda de moléculas presentes em plantas para tratar os tumores. Nesse caminho, é provável que, nos próximos anos, terapias ainda mais promissoras contra essa doença podem estar disponíveis para a humanidade.