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Anvisa liberou a maconha? Quais as ligações entre cannabis, ciência e Brasil?

Por| 03 de Dezembro de 2019 às 17h50

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Anvisa liberou a maconha? Quais as ligações entre cannabis, ciência e Brasil?
Anvisa liberou a maconha? Quais as ligações entre cannabis, ciência e Brasil?

Cannabis, maconha, erva, marijuana, cânhamo, ganja... todas estas são denominações para a controversa, polêmica — e em muitos lugares, proibida — planta, cultivada há milênios na Ásia e conhecida por seus efeitos psicoativos. Mesmo milenar, do ponto de vista científico, ainda não está claro se a Cannabis possui benefícios para o corpo humano, nem se a maconha pode provocar dependência química ou efeitos negativos em longo prazo. Tudo porque sua pesquisa nunca foi permitida.

No entanto, o mundo tem vivido uma reviravolta nesse sentido, pelo menos nos últimos 10 anos. Vários estados americanos permitem alguma forma de seu consumo, como Massachusetts e Califórnia, o que tem levantado uma onda de cientistas e pesquisas, de olho, principalmente, no seu aspecto medicinal. Essas águas já chegaram ao Brasil que aprovou, hoje (3), a venda de produtos à base de cannabis em farmácias. A polêmica sobre a verdinha já chegou até na NFL — liga esportiva profissional de futebol americano.

Entenda o que está acontecendo com a planta e as condições que passarão por aprovação da Agência!

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Entenda os compostos da Maconha

À medida que mais regiões do mundo legalizam o uso recreativo e/ou medicinal da maconha, ela começa a ser entendida do ponto de vista clínico. Novos estudos conduzidos para a geração de medicamentos com potencial terapêutico para uma infinidade de doenças passam a ser desenvolvidos. Até agora, o grande desafio é entender como funcionam seus compostos e de que forma podem ser combinados para produzir seus efeitos, que vão desde funções anestésicas até psicoativas.

Entre os componentes mais conhecidos da erva, estão o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), ambos canabinoides, ou seja: eles são exclusivos da planta e se ligam a receptores do corpo humano, especificamente os CB1 e CB2. Com ambos gerando sensações anestésicas e terapêuticas, uma das principais diferenças entre o CBD e o THC é a capacidade de reações psicoativas.

Por isso mesmo, a oferta no mercado de compostos à base de cannabis varia de acordo com a legislação local, mas regula, principalmente, a proporção de THC, que costuma ser mais limitada, por ser um psicotrópico neurodepressor de ação rápida. Em contrapartida, os limites nas proporções de CBD são mais raros.

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As proporções desses canabinoides também podem variar e modificar, inclusive, os efeitos da planta pura, por isso mesmo as reações da cannabis mudam em cada rodada de consumo. Outros estudos apontam que a absorção se altera, dependendo do período do dia em que é consumida ou do humor do usuário. Agora, com a cannabis ganhando o status de remédio, os pesquisadores finalmente conseguirão incluir dados concretos e já estão começando a entender como o CBD pode modular os efeitos frequentemente indesejados do THC.

Adie Wilson-Poe, pesquisador da substância para o tratamento de dores na Universidade de Washington, pensa na cannabis (como planta) “como um multivitamínico para a inflamação.” Pesquisas também descobriram que, ao se aplicar THC e CBD a células cancerígenas em laboratório, a combinação inibe o crescimento de tumores, neutralizando sua progressão e levando a lesão à morte.

Mesmo assim, um dos tratamentos mais famosos do THC, por exemplo, é redução da pressão ocular para tratamento de glaucoma. Dessa maneira, o futuro da maconha medicinal depende, em grande parte, da quebra do efeito em conjunto das substâncias, principalmente dos usos do THC e do CBD sozinhos.

"Precisamos entender quais composições são mais adequadas para quais indicações e quais tipos de pacientes", defende Wilson-Poe. "Portanto, entender esses mecanismos é absolutamente crucial para fornecer a esses pacientes remédios personalizados que aliviam seus sintomas sem produzir os efeitos colaterais indesejados."

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O CBD no esporte americano

Não psicótico e nem viciante, o CDB é uma poderosa ferramenta que pode controlar a dor, principalmente, quando usado como extrato de canabidiol. Apostando nas capacidades analgésicas e na capacidade de aliviar inflamações crônicas da substância, muitos atletas profissionais dos Estados Unidos confirmam que fazem uso.

É o caso do ex-jogador profissional de hóquei, Riley Cote. Aposentado, Cote sofria com dores crônicas e, desde 2013, utiliza o CBD duas vezes ao dia, que segundo ele "tem sido um divisor de águas, com certeza" na sua vida. E o jogador não está sozinho na área dos esportes: há um número significativo de jogadores aposentados da NFL que usam o óleo — mas aqueles que estão na ativa ainda são silenciados no tema, pelo risco de sanções comerciais.

Esse temor é controverso, mas existe, mesmo que, em 2017, a Agência Mundial Antidopagem (WADA) tenha removido o CBD de sua lista de substâncias proibidas. Neste ano, a Associação Nacional de Jogadores da Liga de Futebol Americano firmou uma parceria com a NFL para estudar maconha e CBD como alternativas a outras terapias para o tratamento de dores. Uma medida surpreendente vinda de uma instituição que, por anos, marginalizou as potencialidades do medicamento.

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Atualmente, na NFL, os jogadores pegos nos exames podem perder jogos ou até mesmo serem banidos do esporte. Por enquanto, somente a Liga Nacional de Hóquei parou de penalizar os jogadores que testam positivo para a maconha.

Desafios da regulamentação

Os componentes da maconha são usados em tratamentos para saúde mental, como epilepsia, autismo e crises de ansiedade, mas ainda não existem estudos que confirmem seus resultados. No entanto, cientistas acreditam que o CBD, de fato, pode auxiliar nesses tratamentos, além do alívio de dores e inflamações crônicas, mas como funcionam exatamente e quais são as doses adequadas ou os melhores métodos de administração continuam sendo investigados.

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"Um grande número de pessoas está vendo benefícios, então há algo lá", defende Jeffrey Raber, químico e CEO da Werc Shop — um laboratório de cannabis na Califórnia. "Não acho que estamos muito perto de descobrir (os verdadeiros potenciais), ainda", conclui Raber. O problema é que, sem isso, diferentemente dos remédios para dor sem receita, como aspirina e ibuprofeno, não existe um parâmetro que informe ao paciente quantas gramas ele deve utilizar.

Existem apenas algumas pistas. Como é o caso do estudo que descobriu que o uso do extrato de canabidiol (CBD) nas articulações de ratos portadores de artrite poderia ajudar no tratamento da doença, reduzindo a inflamação. Outra pesquisa anunciou que o CBD também poderia reduzir a dor da osteoartrite. Na pesquisa, foi mostrado que ratos foram capazes de suportar mais peso em seus membros afetados e tiveram menos inflamação nas articulações, após o uso do extrato.

No entanto, roedores não são pessoas e seus metabolismos funcionam de maneira diferente, por mais que as semelhanças com seres humanos em níveis sistêmicos existam. Como a dor é algo muito complexo e depende de diversas variáveis do sistema nervoso, além de possuir muitas causas, ela só pode ser melhor estudada em seres humanos. "Nós realmente precisamos de mais ensaios clínicos e mais pesquisas", defende Andrea Hohmann, pesquisadora da Universidade de Indiana.

Por isso mesmo, nada sobre os produtos à base de maconha é padronizado. Alguns deles podem ser inclusive adulterados, especialmente em lugares onde a substância é ilegal. Alguns desses produtos podem ter adicionados em sua composição, por exemplo, outros produtos químicos não relacionados a terapia alguma. “O CBD é provavelmente o que se pode chamar de droga suja”, afirma Hohmann, sobre as possíveis contaminações dessas substâncias, quando não reguladas.

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Maconha no Brasil

Esta terça-feira (3) simboliza um marco para os ativistas da maconha no Brasil. A partir desta data, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou num novo regulamento para registro de produtos à base de cannabis para fins medicinais, em todo o país, estabelecendo parâmetros de qualidade.

Com o regulamento, a comercialização dos produtos, no país, ocorrerá exclusivamente em farmácias e drogarias sem manipulação e mediante prescrição médica. Em outras palavras, isso significa que os produtos poderão ser comercializados, mas não plantados. Caso empresas queiram produzir os produtos em território nacional, terão que importar somente o extrato da planta, já que o seu cultivo permanece ilegal. Além disso, o consumo recreativo também continua ilegal e o ato de comprar ou vender fora destes estabelecimentos configura crime.

O novo marco regulatório cria uma nova classe de produtos sujeitos à vigilância sanitária, os produtos à base de cannabis. As normas incluem procedimentos para a concessão de uma Autorização Sanitária para a fabricação e a importação desses produtos, além de estabelecer requisitos para comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos para fins medicinais.

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Entre os novos parâmetros, os rótulos não devem conter termos como “medicamento, remédio, fitoterápico, suplemento, natural ou qualquer outro que tenha semelhança com estes.” Outro ponto, é que as regras para a prescrição do produto variam de acordo com a concentração de tetrahidrocanabinol (THC), que é limitada. Segundo o regulamento, compostos com concentrações de THC superiores a 0,2% só "poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento."

Em comunicado, a Anvisa lembra que “as empresas não devem abandonar as suas estratégias de pesquisa para comprovação de eficácia e segurança das suas formulações, pois pelo atual conhecimento estamos diante de uma situação em transição regulatória."

Até então, os pacientes que utilizam óleos e extratos à base de canabidiol, durante seus tratamentos, precisam de aval da Anvisa para importarem os produtos, que vinham com alto custo. Mesmo assim, a demanda por pedidos era crescente no órgão desde 2015, principalmente no tratamento de epilepsia, autismo, dor crônica, doença de Parkinson e transtornos de ansiedade, o que mostra que a substância age diretamente no sistema nervoso central.

A regulamentação aprovada será publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias e passará a viger 90 dias após a publicação.

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Fonte: Wired; Anvisa; Wired