Salas de áudio estilo Clubhouse vieram para ficar ou são fenômeno passageiro?
Por Igor Almenara | Editado por Douglas Ciriaco | 26 de Março de 2021 às 19h05
Em fevereiro deste ano, uma nova rede social chamou a atenção do público brasileiro. O Clubhouse, plataforma focada na troca de experiências e diálogos exclusivamente por áudios, encarou uma ascensão meteórica — mesmo com distribuição limitada aos usuários de dispositivos Apple — e "bagunçou" o mercado com uma tendência pouco aproveitada pelos líderes do segmento.
Baixada a poeira gerada pela sua chegada, os principais competidores do mercado de redes sociais observaram o crescimento do novo concorrente e correm atrás do prejuízo com soluções desenvolvidas em tempo recorde.
O Twitter tenta abocanhar o sucesso com o Spaces; Facebook e Instagram estão com ferramentas em desenvolvimento há algumas semanas; nem mesmo o Telegram ficará de fora, visto que o mensageiro já apresenta salas de áudio análogas ao Clubhouse.
A influência movimentou até o mercado chinês, país onde a criação de Rohan Seth e Paul Davison — fundadores do Clubhouse — teve acessos suprimidos pelo governo local. Por lá, a Xiaomi tenta ocupar o vácuo deixado pelo app com o Mi Talk, serviço de mensagens que foi totalmente retrabalhado para abrigar as salas de áudio. A empresa-mãe do TikTok, a ByteDance, também planeja se inserir no segmento, mas o projeto ainda está em discussões internas.
Com o cenário para a disputa devidamente preparado, o Clubhouse precisa manter sua comunidade ativa e alcançar público ainda maior para preservar sua posição de “pioneira”, sem que seja engolida pelas soluções alternativas de plataformas mais consolidadas.
Entretanto, antes disso, perguntas sobre esse segmento ainda existem. Salas de áudio não são um conceito novo, contudo se mostraram mais interessantes durante a pandemia — momento em que o distanciamento social ainda é regra, o trabalho é feito de casa e o contato com amigos foi reduzido significativamente. Sendo assim, será que as salas de áudio são um fenômeno passageiro? A competição esfriará essa tendência? E, não menos importante, de onde vem o Clubhouse e por que fez tanto sucesso?
A resposta é “depende”
Assim como para várias outras questões sobre tecnologia, as respostas não são tão simples. O crescimento repentino do Clubhouse é um sinal de que o mercado não é imutável e há espaço para novas ideias vindas de fontes ainda não tão conhecidas. Por isso, tudo depende dos próximos passos tomados pela companhia e quanto do seu sucesso será abocanhado pelas alternativas lançadas em paralelo.
Diretor da empresa de marketing de influência Squid, Rafael Arty acredita que o destino do Clubhouse é imprevisível. Essa expansão repentina de plataformas não é inédita — basta lembrar do TikTok, que não perdeu alcance mesmo com a entrada de rivais de peso como Instagram e Snapchat nessa disputa.
“Quando o TikTok se popularizou, por exemplo, as outras redes buscaram ferramentas e formatos para competir com a rede e, mesmo com a criação de soluções parecidas, tal como a do Instagram, o TikTok continua crescendo”, lembrou Arty. “Uma rede social não anula a outra. É interessante notar que essa competição estimula os usuários a transitarem pelas redes e testarem novos formatos e conteúdos.”
Ademais, sobre a consolidação das salas de áudio, o executivo foi enfático: “As chances são grandes”. Para ele, esse modelo vem ganhando espaço nas plataformas — seja no WhatsApp, Twitter ou Telegram — e “há muita empolgação” em torno do Clubhouse devido ao seu formato inovador e que aposta nessa tendência. Contudo, é preciso investir em novidades para manter o público diante de tantas abordagens semelhantes, reconhece o especialista.
No momento certo
O Clubhouse foi lançado em abril de 2020 e, desde então, começou a fomentar sua base de usuários. Até sua chegada notável no Brasil, a rede social aproveitou o impulso ocasionado pela minimização do contato social devido à pandemia e já em dezembro contava com cerca de 600 mil pessoas registradas. Entretanto, foi só em fevereiro deste ano que o aplicativo ganhou espaço por aqui.
A demora, por sua vez, não foi necessariamente um atraso, na visão de Arty. “Um ponto que pode ser considerado para a viralização da ferramenta é que grandes empreendedores e celebridades como Elon Musk e Oprah Winfrey e, aqui no Brasil, Anitta, Boninho e Tatá Werneck passaram a utilizar a plataforma e aumentaram a visibilidade do Clubhouse”, explica.
Segundo o App Annie, a plataforma registrou um total de 8 milhões de downloads ainda em 16 de fevereiro deste ano graças à base conquistada em países como a Alemanha, Brasil, Japão e Reino Unido.
Ainda que muitos fatores externos tenham favorecido suas maiores conquistas, não há demérito para a gestão do Clubhouse nesse processo. Na verdade, parte da sua estratégia teria sido o que mais colaborou com sua decolagem, e ela foi a “exclusividade”.
O clube do iPhone
Embora uma distribuição limitada leve ao alcance limitado de usuários, a abordagem exclusiva para dispositivos Apple do Clubhouse não causou impactos negativos. Pelo contrário, a restrição foi um dos principais fatores que projetaram a plataforma como a rede social do momento, pelo menos na visão de Rafael Arty.
“Não estar disponível em todos os sistemas operacionais é um grande fator para aumentar a curiosidade do que a ferramenta oferece”, comenta o diretor da Squid. Ele lembra que o Instagram adotou uma estratégia semelhante em 2010, chegando ao Android apenas dois anos depois, em abril de 2012.
Além disso, o sistema de cadastro através da distribuição de convites limitados também levantou a bola da rede social — agora, sendo tópico de conversas em mensageiros, com o convite entre amigos, e a distribuição entre conhecidos em fóruns e outras redes sociais, como Twitter e grupos do Facebook. A combinação das técnicas, portanto, teria formado o conjunto completo para atrair a atenção dos mais curiosos, com divulgação “orgânica” e recursos até então inéditos.
Em janeiro de 2021, a rede social anunciou que começaria a trabalhar na sua versão para dispositivos Android, mas um lançamento para a plataforma do Googleainda está "a meses" de distância, segundo a própria companhia.
De acordo com uma publicação em seu site oficial, a maior preocupação do Clubhouse nessa migração é proporcionar uma boa experiência de uso para toda a base de usuários e o crescimento implica em demandas maiores para os servidores, sendo assim, é crucial que a infraestrutura seja preparada para a maior quantidade de acessos — mas isso leva tempo e dinheiro.
Quanto a permanência dessa onda por salas de áudio, só o tempo dirá. Existe um mercado a ser explorado com o novo formato, entretanto, as maiores plataformas só serão estabelecidas quando demonstrarem comprometimento na manutenção da sua comunidade e entrega de novas ferramentas, incluindo meios para monetização de conteúdo — como salas exclusivas, assinaturas e parcerias.
Por enquanto, o cenário ainda é incerto, mas é válido se manter atento aos desdobramentos que essa grande ideia de Rohan Seth e Paul Davison resultarão no cotidiano.