Entrevista: Por que usuários brasileiros estão deixando o Facebook?
Por Rafael Arbulu |
No último dia 10, o Canaltech publicou uma nota referente à recente pesquisa do Instituto Datafolha, apontando um recuo de 5% na base de usuários brasileira do Facebook. De acordo com a pesquisa, cerca de 56% dos entrevistados disseram ter um perfil mantido na plataforma, versus 61% em novembro de 2017. O Datafolha chama isso de “tendência de queda”, ou seja, não representa uma perda de usuários per se, mas a expectativa é que essa evasão aumente nos próximos anos.
A fim de atribuir motivos que possam ter levado a essa leve fuga, bem como determinar quais comportamentos dos usuários para com as redes chegaram nessa situação, a nossa equipe procurou o especialista em tecnologia e inovação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o professor Arthur Igreja, que apontou para uma desconfiança generalizada com a rede, ainda que ela mantenha um alto nível de consumo social em relação aos fãs brasileiros.
Antes de mais nada, o professor aponta que não enxerga esse recuo do Facebook como uma espécie de “troca” por outras plataformas sociais, como por exemplo o Twitter: “os brasileiros ainda estão entre os mais ativos no mundo em redes sociais. Há uma migração de plataforma, mas o brasileiro continua consumindo muito — ainda que um pouco menos — pelo Facebook, direcionando maior tempo ao Instagram e WhatsApp”. O especialista acredita, porém, que o futuro deve mostrar uma percepção mais nociva à rede pois, segundo ele, os usuários estão percebendo quedas de produtividade e excessos de distração. “O próprio Mark Zuckerberg disse que está tóxico o uso das redes sociais”.
Falando especificamente sobre o público brasileiro, o professor enxerga outras razões para essa mudança de paradigma, citando os recentes entraves do Facebook com segurança e proteção às informações pessoais dos usuários e também as recentes polaridades políticas: “Com a última eleição extremamente polarizada, os ânimos inflamados, familiares e amigos brigando, sabemos que onde acontece a briga o local fica “manchado”, a pessoa fica na memória onde ela brigou e foi isso que aconteceu com o Facebook. Isso ocorreu nos EUA em 2016, no Brasil em 2018, ano que vem teremos mais um ciclo eleitoral, mas as tensões municipais normalmente são menores”, comenta.
“Isso tudo levou ao Facebook ser atingido por uma série de ataques. As pessoas estão se dando conta do quanto de informações são colocadas na rede social e perceberam que compartilham milhares de dados — com quem estão, onde estão e com quem se relacionam — e muitas vezes, esses dados são comercializados. Assim, as pessoas passaram a ter um pouco mais de cuidado e receio de usar o Facebook”, ele conclui.
A apreensão com as informações disponibilizadas à rede social já era algo de se esperar: desde o início de 2018, com o escândalo da firma de inteligência de mercado Cambridge Analytica, a maior rede social do mundo vem enfrentando percalços no que tange à segurança do usuário. Entre idas e vindas em diversos comitês político-jurídicos nos EUA e na Europa, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, prometeu implementar medidas adicionais de segurança que deveriam posicionar mais camadas de proteção entre o que o usuário compartilha, e o que empresas podem usar.
Isso não impediu, porém, que mais de 540 milhões de registros de usuários fossem expostos em um servidor sem senha de proteção dentro de servidores da Amazon, no início de abril. Tal servidor era utilizado por duas empresas desenvolvedoras de apps que conectavam-se aos perfis de internautas por meio da API do Facebook para desenvolvedores.
Mais além, a exposição de fãs brasileiros à polarização política (e correntes de fake news e desinformação que até hoje são veiculadas não apenas no Facebook, mas também pelo Instagram e WhatsApp) levaram à percepções crescentemente negativas da empresa como um todo: “Esse é um outro ponto — os usuários, principalmente aqui no Brasil durante o período eleitoral, participaram de uma verdadeira guerra. A polarização política aumentou e isso gerou um incômodo. Podemos dizer, então, que o Facebook está passando por uma crise de identidade: hoje, é difícil identificar se ele é um portal de notícias, uma rede de relacionamento ou um classificado de ofertas. Essa pesquisa [do Datafolha] reflete que as pessoas estão sofrendo com os excessos no uso do Facebook”, comenta Arthur Igreja.
Um problema mais complicado com essa evasão reflete nas empresas e negócios: hoje, o Facebook possui inúmeras ferramentas e recursos direcionados ao universo corporativo. É só lembrar de nomes como “Facebook Ads”, bem como acordos de transmissão de eventos diversificados com emissoras e promotoras esportivas, que o potencial dano de uma fuga de usuários fica óbvio. Com a redução de volume de usuários (algo que o Facebook ainda não sofreu, vale citar), empresas que investem nisso percebem que o público-alvo está migrando e, consequentemente, passarão a seguí-lo para outras searas.
“O impacto disso se reflete em empresas que investiram por anos para construir seus ‘castelos de mídia’ no Facebook. De uma forma simplista, digamos que é perigoso você construir seu negócio em um ‘terreno alugado’”, comenta Arthur Igreja. “O Facebook parecia ser uma ‘mídia definitiva’, onde empresas, jornais e comunicadores em geral fizeram investimentos pesados de posts patrocinados, e agora a audiência começa a esvaziar. Mas é sempre assim: o Orkut também passou por isso”, lembra.
Sobre o ostracismo, ele vai mais fundo: “A única certeza é que, se uma rede não se adaptar na mesma velocidade dos costumes do consumidor, ela vai perder a audiência e cair. Bem rápido. Esse é aquele efeito de que as pessoas se concentram nas redes onde elas confortavelmente encontram seus amigos e familiares com mais facilidade. Então, começou com um vazamento de 5% de usuários, mas para isso se alastrar não é muito difícil”, completa.
O Canaltech buscou o Instituto Datafolha para detalhar um pouco mais das informações de sua pesquisa, mas por ora, ainda não obteve resposta.