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Mapear o solo marítimo até 2030 só será possível com colaboração coletiva

Por  • Editado por Luciana Zaramela | 

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Tom Patterson/Domínio Público
Tom Patterson/Domínio Público

Mapear o solo oceânico é um desafio — o esforço, que tem ocupado cientistas por décadas, faz parte de uma “corrida” que planeja cartografar o território submarino até 2030. A resposta, sugerida pela organização responsável pela iniciativa, Seabed 2030, pode ser o crowdsourcing, contribuição colaborativa que pode juntar diferentes mapas batimétricos coletados por embarcações de pesquisa. Há muitos entraves, no entanto — dos militares e estratégicos aos de viabilidade — com o avanço sendo bastante lento nos últimos anos.

A história do mapeamento do solo marítimo tem séculos. Inicialmente povoada por lendas de criaturas mitológicas, cidades perdidas e deuses, até mesmo marinheiros da era vitoriana, no século XIX, acreditavam que não havia fundo do mar, apenas um abismo interminável onde os afogados acabavam em um purgatório aquático.

Com pesquisas científicas modernas e tecnologias de sonar, descobrimos que o fundo do mar, na verdade, abriga lagos de água salobra, vulcões submarinos e planícies subaquáticas. Segundo a estimativa da Seabed 2030, no entanto, o último mapa de todo o solo marinho (compilado pela organização) está apenas próximo de 25% de toda a extensão oceânica.

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A ideia da instituição é tornar o mapa completo público pela Organização Hidrográfica Internacional (IHO) via seu Centro de Dados de Batimetria Digital (DCDB), sediado nos Estados Unidos.

Quem mapeia o fundo do mar?

Até agora, o DCDB já conseguiu juntar mais de 40 terabytes compactados de dados acerca do solo marinho, com a frota acadêmica dos Estados Unidos fazendo a contribuição principal — são 17 embarcações de pesquisa de universidades do país na atividade de mapeamento.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), a Pesquisa Geológica da Irlanda e a Agência Marítima e Hidrográfica Federal da Alemanha também estão entre os contribuidores, e os dados acabam sendo usados principalmente por cientistas fazendo pesquisas sobre o tema.

Para a compilação dos dados, a Seabed 2030 vem pedindo aos países e corporações que compartilhem seus dados, o que trouxe um aumento considerável há alguns anos — entre 2016 e 2021, o conhecimento conjunto do solo oceânico foi de 6% a 20%, mas foi seguido por uma desaceleração. Em 2022, o número chegou a 23,3%, e, neste ano, está em 24,9%. É aí que entra a contribuição coletiva.

A instituição teve a ideia de utilizar registradores de dados em ecolocalizadores de navios, fazendo com que qualquer embarcação consiga fazer mapas simples do solo oceânico. Uma das entidades que mostraram interesse foi a Unidade Hidrográfica da República de Kiribati, arquipélago do Pacífico com cerca de 130.000 pessoas espalhadas em 33 atóis de coral, sendo apenas 20 deles habitados.

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A nação recebeu, recentemente, dois registradores de dados, que serão instalados em balsas locais para ajudar no esforço global de mapeamento.

Herança colonial, problemas políticos

Um dos problemas enfrentados por Kiribati é que os mapas oceânicos mais precisos do país são dos anos 1950 e 1960, feitos pelos britânicos, quando ainda dominavam a região. Muitas das ilhas do país foram reclamadas como protetorados ou territórios pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido para minerar fosfato ou usar como bases baleeiras. Alguns dos mapas são velhos e pouco precisos, sendo até mesmo da era vitoriana, ou listando profundidade em braças, unidade de medida já aposentada.

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Organizações neozelandesas, que trabalham em conjunto com a Seabed 2030, concordam que o problema principal do Pacífico é a herança colonial — muitos países ainda usam cartas náuticas estrangeiras mesmo após terem se tornado independentes, como fez Kiribati, em 1979. Desde a saída dos colonizadores, pouco progresso foi feito no mapeamento, e, para piorar, alguns navios de pesquisas de outros países mapearam trechos do arquipélago, mas se recusam a compartilhar seus dados.

Isso é parte de preocupações militares e comerciais — a Seabed 2030 declara intenções puramente científicas, mas, em um mundo onde se conhece tão pouco do solo oceânico, informação e conhecimento são grandes vantagens em relação aos rivais políticos.

Pesquisadores da iniciativa já relataram receber ligações de militares com conselhos para destruir seus dados, já que há valor estratégico neles: submarinos militares escolhem certas regiões marítimas para se esconder, e a depender de quem tem a acesso a essa informação, as coisas podem se complicar politicamente.

Alguns países também se preocupam com o fato de que a organização é baseada nos Estados Unidos, o país com as forças militares mais poderosas do mundo. Todos estados membros da IHO apoiaram sua criação, em 1990, mas isso não é o bastante para alguns governos.

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Para Kiribati, por exemplo, os dados poderiam ajudar o turismo e o comércio, bem como na preparação contra tsunamis. Muitas das ilhas não possuem marégrafos (que registram automaticamente o fluxo e o refluxo das marés), então os navios são obrigados a atracar apenas na maré alta, tornando as viagens frequentes complicadas.

Há apenas seis anos para a meta da Seabed 2030 chegar, e a vastidão desconhecida do oceano ainda assusta. Alguns países, mesmo tendo recebido equipamentos de registro da organização, ainda não aprovaram contribuições colaborativas de dados em águas territoriais, sendo este mais um entrave para tornar os dados públicos.

Ainda há questões materiais, como o ambiente marinho hostil, com ventos, ondas e corrosão da água salgada, e o custo para mapear águas internacionais, em locais onde nenhum país tem responsabilidade de mapear.

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Fonte: BBC