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Lago no Canadá marca o início do Antropoceno, a época dos humanos

Por  • Editado por Luciana Zaramela | 

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Angus Chan/CC-BY-2.0
Angus Chan/CC-BY-2.0

Após 14 anos de debates científicos e análises da alteração humana no planeta Terra, o marco oficial para o início do Antropoceno — a época geológica definida pela atividade do Homo sapiens — passa a ser um pequeno lago no Canadá. O Lago Crawford, que fica em uma área de conservação próxima a Toronto, é o que se chama de “cavilha de ouro”, um marco físico que demonstra mudanças geológicas na rocha, usado em todas as épocas geológicas anteriores.

No corpo d’água, partículas se acumulam no fundo todos os anos, formando camadas sedimentares que registram as condições ambientais, assim como os anéis de uma árvore. Além de cinzas de combustíveis fósseis, o lago traz sinais mais dramáticos da influência humana no planeta — traços de plutônio radioativo, espalhado na atmosfera por testes de bombas nucleares.

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A nomeação do lago foi feita pelo Grupo de Trabalho do Antropoceno em uma conferência de estratigrafia em Lille, na França, e em uma coletiva de imprensa em Berlim. Três organizações de geologia ainda precisam aprovar a escolha para se tornar um marco oficial, no entanto. Muitos outros sinais mais "informais" marcarão o domínio humano no planeta, como fósseis de frangos consumidos por nós, segundo especialistas.

Controvérsias do impacto humano

Não é porque o Lago Crawford e o Antropoceno estejam sendo aprovados em conselhos no meio científico que todos os cientistas concordem com essa definição. Muitos apontam que, se é para considerar a influência humana na Terra, há de se lembrar que estamos mudando as coisas há muito mais tempo.

A antropóloga Zoe Todd, por exemplo, diz que os europeus estão bastante fixados nos testes nucleares de tempos recentes, mas que populações indígenas e outros povos deslocados e despossuídos pelos colonizadores sofreram violências tremendas nos últimos 600 anos — coisas que levaram às mudanças globais nas quais focamos atualmente.

Já a paleoecologista Jacquelyn Gill afirma que é um esforço grande para resolver um problema que não existe — todos já sabemos o que significa quando dizemos “Antropoceno”. Quem apoia a formalização da época, no entanto, mira no valor simbólico, acreditando que o ponto não é reconhecer o começo do impacto das atividades humanas no planeta, mas sim a resposta dele às mudanças, e gerar um chamado à ação, uma conscientização maior da nossa responsabilidade para com a natureza.

Por que o Lago Crawford?

Outras cavilhas de ouro definindo tempo geológico estão por todo o planeta. Um local específico da plataforma de gelo da Groenlândia marca o início do Holoceno, no qual estamos no momento, e que teve início há 11.700 anos. O Grupo de Trabalho do Antropoceno começou a estreitar discussões sobre o marcador da nova época em 2019, selecionando os finalistas.

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Candidatos foram de uma turfeira na Polônia a um recife de corais no Golfo do México, mas a final ficou entre o Lago Crawford e o Lago Sihailongwan, no nordeste da China. O corpo d’água canadense levou a melhor, com 60% dos votos, mas há quem não entenda a escolha, já que o lago chinês sofre menos influências ambientais locais e tem um registro de mudanças maior.

O Lago Crawford tem apenas 2,4 hectares de área de superfície (24.000 m²), mas é bastante fundo, com 24 metros de profundidade. Isso faz com que a camada mais baixa não se misture com as superiores, e, todo verão, a água esquenta e faz com que carbonato de cálcio se precipite, afundando e formando uma camada branca que serve como marco visual da passagem dos anos.

Estudos nos sedimentos do lago revelaram dois grandes períodos de mudança — um que foi dos séculos XIII a XV, quando povos indígenas haudenosaunee habitaram a área, e outro no início do século XIX, marcando a chegada dos colonizadores europeus. O maior número de mudanças aparece nas camadas de meados do século XX, período conhecido como a grande aceleração dos impactos humanos. As camadas documentam o aparecimento de plutônio radioativo dos testes nucleares.

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Amostras foram retiradas do lago em 2019 e em 2022, mostrando que traços de plutônio aumentaram no início dos anos 1950, mas uma equipe de cientistas recolheu mais uma amostra neste ano, para analisar mais a fundo. A depender dos resultados, o ano que marca a cavilha de ouro pode ser 1950 ou 1952, quando os níveis de partículas radioativas tiveram um pico notável. É uma diferença de apenas 2 mm, mas importantíssima do ponto de vista filosófico.

Os cientistas não irão coletar mais amostras do lago, já que, para os grupos indígenas do local, o corpo d’água é senciente, e coletar partes dele viola sua personalidade. Nos próximos meses, o Grupo de Trabalho do Antropoceno deve encaminhar 3 ideias à Subcomissão de Estratigrafia do Quaternário.

Primeiro, o ano da cavilha de ouro terá de ser definido. Segundo, o Antropoceno será definido como a época geológica que termina o Holoceno, com a primeira era ganhando um nome — possivelmente, “Era Crawfordiana”, em homenagem ao lago. Por fim, algum dos 8 outros candidatos poderão ser locais auxiliares para definir o Antropoceno por todos os ambientes geológicos da Terra.

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Passando pelas votações, a proposta irá para a Comissão Internacional de Estratigrafia, e então para a União Internacional de Ciências Geológicas. A proposta ainda pode acabar descartada, caso não seja aprovada em alguma dessas fases.

Fonte: Nature