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Professora prostituta? Algoritmo do Google continua hipersexualizando minorias

Por| 03 de Novembro de 2019 às 16h00

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Recentemente, o maior mecanismo de buscas do mundo tem chamado a atenção por causa de resultados no mínimo polêmicos. Primeiro, o termo “professora” passou a ser apresentado como "prostituta" com quem adolescentes se iniciam na vida sexual". Essa segunda definição foi associada ao brasileirismo, ou seja, uma expressão utilizada pelo povo brasileiro. Em 23 de outubro, a empresa deixou de exibir a segunda definição para a palavra "professora" depois que a Oxford University Press (parceira que fornece as definições de palavras) tomou a decisão de removê-la da sua base. No entanto, as polêmicas não acabaram.

Poucos dias depois, outro resultado de busca atraiu os olhares dos internautas: ao pesquisar "mulheres negras dando aula", o público pôde se deparar com um conteúdo que não tem nada a ver com escolas, professoras, nem nada do tipo, mas sim pornografia explícita, tanto na aba de imagens quanto na aba de vídeos. Um dos grandes problemas nisso é que a mesma coisa não acontece quando o sujeito pesquisado não se enquadra com uma minoria. Por exemplo: no caso da professora, quando um internauta pesquisa por "professor", no masculino, o mecanismo de buscas simplesmente traz duas definições corretíssimas: a primeira é "aquele que professa uma crença, uma religião", enquanto a segunda definição é "aquele que ensina, ministra aulas (em escola, colégio, universidade, curso ou particularmente); mestre". Por que uma professora é sinônimo de alguém que ensina sexo, e professor é sinônimo de um mestre, ligado até a crenças/religiões? Será que é só uma coincidência ou será que realmente há uma problemática social convenientemente ilustrada por essas definições?

Com essa pulga atrás da orelha, a equipe do Canaltech decidiu investigar como o Google “se comporta” em meio a algumas minorias acompanhadas do termo "dando aula". E surpresa (ou nem tanto): muitas outras minorias que sofrem algum tipo de discriminação e são marginalizadas pela sociedade também acabam gerando resultados de cunho sexual. Por exemplo: se pesquisarmos o termo “travesti dando aula” e “travesti negra dando aula”, não há simplesmente nenhuma imagem e nenhum resultado que tenha o mínimo de relação com escola, e com travestis exercendo a função de professoras. Só o que aparece é um número expressivo de filmes pornográficos. Levando em conta que o Brasil é o país que mais mata travestis no mundo, que travestis são marginalizadas pela sociedade e não têm espaço em qualquer mercado de trabalho que seja (e acabam no ramo da prostituição), não é nenhuma loucura relacionar que esse tipo de resultado é um reflexo de como essa minoria é vista e sexualizada.

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No caso de “gays dando aula” e “gays negros dando aula”, isso também se mantém: logo nos primeiros resultados, o internauta já dá de cara com uma enxurrada de pornografia, seja nos vídeos, seja nos resultados gerais mesmo. A primeira página de buscas, pelo menos, é 100% tomada de links direcionados a sites pornográficos.

A mudança algorítmica está na mira do Google

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O Canaltech procurou o Google para saber exatamente o que a empresa pensa sobre o assunto, e recebeu o seguinte posicionamento: “Quando as pessoas usam a Busca, queremos oferecer resultados relevantes para os termos usados nas pesquisas e não temos a intenção de mostrar resultados explícitos para os usuários, a não ser que estejam buscando isso. Claramente, o conjunto de resultados para o termo mencionado não está à altura desse princípio e pedimos desculpas. Estamos investigando o problema e, como sempre, vamos buscar uma solução para aprimorar os resultados não somente para este termo, como também para outras pesquisas que possam apresentar desafios semelhantes".

Além de obter o posicionamento da empresa, o Canaltech também conversou com uma fonte do Google para entender um pouco mais do que está acontecendo com o algoritmo, e como funciona essa busca de imagens. Segundo a fonte, quando uma palavra ou uma combinação de palavras aparece frequentemente em páginas da web com um determinado tipo de imagem, é mais provável que essas imagens apareçam nos resultados de pesquisa para consultas que incluem esse texto. Tendo isso em mente, revelou ainda que a equipe está trabalhando para entender a causa raiz do problema e desenvolver soluções que podem funcionar bem também para outras consultas que possam ter o mesmo desafio.

Além disso, a fonte relembra a existência do SafeSearch: para aqueles que não desejam encontrar conteúdo explícito, o SafeSearch é oferecido como um modo que filtra resultados explícitos. Vale ressaltar que esses resultados não estão presentes com o SafeSearch ativado. Se você estiver usando a Pesquisa Google no trabalho, com crianças ou para si mesmo, o SafeSearch pode ajudar a filtrar conteúdo sexualmente explícito dos seus resultados. Embora o SafeSearch não seja 100% preciso, ele foi criado para ajudar a bloquear resultados explícitos, como a pornografia, dos seus resultados da pesquisa do Google. Para ativar ou desativar o filtro, basta acessar a página Configurações de pesquisa. Na seção "Filtros do SafeSearch", marque ou desmarque a caixa de seleção localizada ao lado da opção "Ativar SafeSearch". Na parte inferior da página, clique em Salvar.

Termo "lésbica" não traz mais pornografia

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Essa situação de trazer pornografia quando você não está procurando por pornografia acontecia muito com o termo "lésbica", e nem precisava estar acompanhado do termo "dando aula" para trazer esse tipo de resultado. Foi em agosto deste ano que o Google resolveu mudar isso, reformulando seu algoritmo. Com a mudança, a partir desta semana, a palavra em questão passa a trazer conteúdos institucionais sobre orientação sexual e artigos voltados à saúde da mulher lésbica, ou até mesmo notícias. Acontece que a iniciativa em questão veio à tona com a proposta de combater a hipersexualização da mulher lésbica e começou como uma hashtag, #SEOlesbienne, promovida por uma página ativista da França. Várias reclamações de ativistas de inúmeros países apoiadores da hashtag foram direcionadas ao mecanismo de busca da Google. Vale lembrar que, depois da repercussão, a empresa não demorou a anunciar oficialmente a mudança no buscador, que já passou por uma situação parecida no passado: na ocasião, buscar pelas palavras “menina” e “adolescente” também exibia sites pornográficos antes que as alterações do algoritmo fossem feitas.

Ainda que o termo "lésbica" tenha passado por essa alteração, o termo "lésbica dando aula" ainda traz conteúdo pornográfico. No entanto, o termo "gay", "travesti" e "gay negro" isolados, sem acompanhar o termo "dando aula", não geram pornografia. Então até agosto deste ano, o termo "lésbica" estava a um passo atrás nessa história de hipersexualização.

De qualquer forma, agora que sabemos que o Google está ciente do problema e quer resolver, resta esperar que essa mudança algorítmica também seja feita para outros termos, e que o maior mecanismo de busca do mundo consiga compreender a raiz do problema.