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Pomerantsev: notícias falsas e miragens da manipulação digital

Por| 16 de Março de 2020 às 08h45

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O mundo digital cria oportunidades para todos, tanto para quem busca se divertir e compartilhar momentos memoráveis com entes queridos até para aqueles que por meio da analítica vigiam as pessoas. Indivíduos como Edward Snowden, Chelsea Manning e Julian Assange que, em seus modos particulares, advertiram sobre como o ciberespaço é utilizado para transgredir nossa privacidade.

A proliferação das redes sociais tem servido para mitigar qualquer preocupação existente sobre espionagem e outras violações aos nossos direitos inerentes como seres humanos. Pensar que há menos de cem anos, as agências de inteligência gastavam milhares (em alguns casos milhões) de dólares buscando informações, que lhes permitia construir um dossiê que tinha menor quantidade de informação que a média atual armazenada por um usuário na plataforma do Facebook.

O ciberespaço possui um lado obscuro do qual não se fala, um mundo no qual os personagens adotados refletem os desejos e fantasias do usuário. É onde o lado mais obscuro da raça humana se rebela dando espaço para pedófilos, contrabandistas e fanáticos do ódio. O curioso é que quando são revelados, permanecem em um silêncio, uma mudez absurda. É por isso que usualmente uma pessoa se mostra surpresa ao ler que o Facebook tem sido utilizado para fomentar o genocídio contra a população muçulmana de Myanmar, os rohingya. Nem sequer é culpa da rede social e este assunto serviu para divulgar o lado tenebroso das redes sociais.

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Precisamente sobre este mundo em que o importante é não comunicar uma ideia, mas confundir, semear a dúvida, para que quando a verdade bater à porta seja ignorada, o britânico Peter Pomerantsev, nascido na Ucrânia, fala conosco em seu livro “Isso não é Propaganda: aventuras em guerra contra a realidade”.

O autor, jornalista de profissão, se dá a tarefa de pesquisar o mundo das notícias falsas para tentar definir sua origem e alcance atual. Isto leva a uma peregrinação na qual as paradas são múltiplas e incluem Indonésia, Inglaterra, Ucrânia e México, entre outros destinos. Em cada um desses destinos, ele descreveu como o trabalho daqueles que exercem o poder se concentra em usar todos os meios à sua disposição para tatuar uma percepção do mundo totalmente contrária à realidade, na pior das hipóteses, ou simplesmente confundir para dividir e conquistar. A melhor das situações.

A receita para confundir é simples, primeira apela ao nacionalismo mais radical, reescrevendo a história para mostrar como em um passado idílico estava melhor do que o presente. Logo, se identifica o culpado do desmoronamento social, o desemprego e a pobreza: ou outro. Quando está mais evoluído o discurso graças ao apoio quase total que obtém, começam as alegações de superioridade étnica de alguns grupos. A histeria se torna coletiva e é o que se vê diferente, o que fala com sotaque ou se atreve a analisar a informação que oferece quem representa o inimigo.

O sucesso de criar um discurso alternativo, segundo Pomenrantsev chega ao absurdo mais sublime na Ucrânia com os povos que sofreram dos bombardeios do exército russo. Povoados que dependiam para receber todas as suas comunicações de transmissões de origem russa e que manifestavam que os bombardeios provinham das autoridades militares ucranianas. Desta forma, as vítimas se culpavam de suas desgraças pois muitos deles tinham sido treinados para acatar tudo o que escutava na rádio ou via na televisão. Quando a notícia que emanou nestes aparatos não correspondeu ao evangelho político que por tantos anos foi ensinado a justificativa foi de que os meios noticiosos tinham sido aceitos por um inimigo que somente oferecia notícias falsas.

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O autor inclui em seu relato o exemplo de uma ativista mexicana que com o pseudônimo de “La Felina” utilizava o Twitter para denunciar atos criminais dos traficantes mexicanos em Tamaulipas. Até que um dia estes buscaram identificar a ativista e antes de assassiná-la utilizaram sua conta do Twitter para amenizar a quem se atrevesse a usar as redes sociais para dar cobertura aos crimes que alguns meios noticiosos ignoravam. A palavra tem poder, se não puderem controlar ou desvirtuá-la, o interlocutor é eliminado.

Outros exemplos de Pomenrantsev incluíam como o mundo da desinformação digital se tornou cada vez mais comum na política internacional. Aqui não se limita aos casos que aconteceram por meio do escândalo de Cambridge Analytica, mas que também menciona como administrações com distintos pensamentos políticos recorreram aos bots (“criadores de consenso”, como é definido no livro) em redes sociais como ferramentas para difundir sua mensagem e desprestigiar o de seus oponentes. Por exemplo, no caso do México os bots tem sido utilizado nas últimas duas campanhas presidenciais por eventuais ganhadores: Enrique Peña Nieto e Andrés López Obrador.

Se um deles se distancia do mundo eleitoral, é claro que começam a notar em distintas industrias a emulação do princípio se confunde e triunfará. O importante não é divulgar a verdade, mas criar uma duvida naquela realidade que não nos convém. Os elementos utilizados sempre são os mesmos: buscar uma diversidade de vozes que respondam a um mesmo discurso para criar a miragem da diversidade, clamar uma objetividade inexistente e nunca responder de forma direta aqueles temas que podem exibir a deturpação. É um jogo no qual a complexidade dos negócios se reduz ao lado dos bons e dos maus.

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Curiosamente o consumidor nunca é parte do bando dos bons, apenas um peão a utilizar a conveniência segundo o tema de fundo. A cobertura de uma multa não narra o impacto negativo nos consumidores sobre o comportamento que se tenta corrigir, mas a dor que a punição causará na empresa por não cumprir as normas estabelecidas.

Assim como os trabalhadores que, durante o mundo soviético, estavam encarregados de relatar uma situação atual apenas em um livreto, os interlocutores usam as plataformas que eles têm em mãos para vitimar empresas que foram multadas ou simplesmente reduzir a presunção e vingança. as decisões adversas que uma entidade governamental pode ter adotado ao analisar um tópico de interesse de vários participantes do mercado, como o setor privado e a sociedade civil.

Nada do que foi dito é novidade, mas um grito forte sobre notícias falsas que buscam enterrar a voz de dezessete agências de inteligência dos Estados Unidos imaginando que poderiam mudar um discurso jingoístico e xenófobo em qualquer mercado latino americano.

É incrivelmente triste reconhecer que não estamos muito distantes de traduzir o prejuízo em violência.

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*Esta coluna é escrita em caráter pessoal.