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Opinião: CEO do Google quer que sociedade ignore os potenciais riscos da IA

Por| 20 de Janeiro de 2020 às 18h46

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Wikimedia Commons
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Sundar Pichai

Nesta segunda-feira (20), Sundar Pichai, CEO do Google e da Alphabet, publicou um artigo no jornal Financial Times sobre o futuro da inteligência artificial, revelando uma opinião um tanto controversa sobre o tema: ao mesmo tempo que concorda com a necessidade de que os governos criem regras para o desenvolvimento de IAs, ele pede para que a implantação dessa tecnologia seja livre em todos os setores da sociedade — basicamente dizendo que “precisamos de regras, mas não queremos regras”.

O chefe do Google defende que o uso da IA tem o potencial para melhorar a vida de bilhões de pessoas, e diminui qualquer “consequência negativa em potencial” que esse uso pode acarretar, chamando essas possíveis consequências de o preço inevitável que se deve pagar pelo progresso tecnológico. Para Pichai, o que devemos pensar no futuro é em métodos de gerenciar o nível de risco que essas tecnologias oferecem, e não questionar se a implementação dela (como, por exemplo, as tecnologias de reconhecimento facial) representam um risco para a liberdade das pessoas e o estado democrático de direito.

Entre os exemplos citados no texto, Pichai fala sobre o motor a gasolina, que permitiu a criação de veículos que tornaram a movimentação das pessoas muito mais fácel, mas que também aumentou a quantidade de acidentes nas ruas e estradas. Outro exemplo citado é a internet, que permitiu que qualquer pessoa tivesse acesso a qualquer tipo de informação de qualquer lugar do mundo, mas que também facilitou a proliferação de boatos e histórias falsas.

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Mas, claro, todos esses pontos são citados sem qualquer tipo de preocupação mais profunda com o que essas tecnologias causaram. Por exemplo, o uso do motor a gasolina não apenas aumentou o número de acidentes nas estradas, mas também é um dos principais responsáveis pela aceleração do aquecimento global nos últimos cinquenta anos. O mesmo com a internet: ela facilitou sim a proliferação de notícias falsas, mas isso só se tornou realmente um problema quando o acesso a conteúdos da internet toda ficou concentrado nas mãos de meia dúzia de empresas (sendo o Google uma delas) e que deram destaque grande a esse tipo de conteúdo sensacionalista e falso porque ele gerava mais engajamento e, ao mesmo tempo, uma maior visualização de anúncios.

Assim, o artigo de Pichai deixa claro que o que ele espera mesmo não é uma forte regulação governamental sobre onde devemos ou não utilizar a IA em nossas vidas, mas que a sociedade como um todo aceite a interpretação do que os CEOs e presidentes das indústrias do Vale do Silício consideram como “efeito colateral”. E, claro, não entra no ponto mais importante das discussões sobre o futuro da IA: fato é que que essa tecnologia está concentrada nas mãos de alguns dos maiores monopólios do mercado tech e, se não for implantada com cuidado, pode também servir para aumentar ainda mais o abismo da distribuição de renda mundial, fazendo com que, como já diria o grupo As Meninas, “o rico cada vez fique mais rico e o pobre cada vez fique mais pobre”.

A exposição do pensamento de Pichai acontece em um momento bastante propício, já que o futuro da IA tem entrado na pauta de discussão do Congresso dos Estados Unidos, e a Casa Branca já sinalizou que está do lado das empresas de tecnologia, apoiando uma regulação que permita que essas companhias continuem inovando sem precisar se preocupar com o impacto que essas tecnologias poderão causar na sociedade.

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Mas, enquanto os Estados Unidos sinalizam com uma liberdade total para as gigantes da tecnologia fazerem o que acharem melhor, a nova comissão da União Europeia segue no caminho oposto, e está pronta para passar regulações pesadas sobre o quanto essas tecnologias poderão impactar a sociedade, com a atual presidente (Ursula von der Leyen) falando publicamente sobre “colocar rédeas” nas grandes empresas de tecnologia que se mostraram interessadas no desenvolvimento de IAs, coordenando uma regulação que visa levar em conta implicações éticas sob a ótica humana, levando em conta a segurança dos indivíduos e criando proteções contra possíveis abusos deste tipo de tecnologia.

E esse tipo de regulação mais pesada (ainda que os próprios reguladores da União Europeia afirmem que o que estão buscando é criar um cenário que coloque em patamar de igualdade o público comum e as grandes corporações) pode atrapalhar algumas das oportunidades de negócio que o Google enxerga para a tecnologia, já que levar o fator humano em conta pode atrapalhar a expansão massiva desses serviços para todos os setores de existentes — desde o uso em fábricas até no transporte com veículos autônomos.

Basicamente, o texto de Pichai tenta desviar a atenção dos possíveis riscos do uso indiscriminado e sem controle da IA em todos os setores possíveis de negócios, e voltar as atenções para o tipo de problema que ela pode ajudar a resolver, dando a entender que qualquer problema que isso cause irá “valer a pena” por causa do que ela soluciona.

E esse posicionamento de Pichai (que, de certa forma, é um posicionamento de todo o mercado de tecnologia) deixa claro que podemos esperar uma disputa por qual desses caminhos será abraçado: o que se preocupa com questões éticas e com a segurança da população, colocando o consumidor no “volante” de toda a inovação e obriga as empresas a se adequarem a isso, ou o que se preocupa apenas com cifras financeiras e oportunidades de negócio, que coloca as empresas no comando e qualquer pessoa que cair para fora desse “veículo” imaginário será tratada como um inevitável dano colateral — mesmo que nunca tenha parado para pensar se realmente não poderíamos ter feito nada para evitar isso.