Famílias na Rússia usam IAs para reencontrar soldados mortos em vídeos memoriais
Por Nathan Vieira • Editado por Melissa Cruz Cossetti |

Poderia ser um episódio de Black Mirror, mas não é. Na Rússia, um novo e polêmico uso da inteligência artificial está emocionando e, ao mesmo tempo, dividindo milhões de pessoas: vídeos memoriais que recriam digitalmente soldados mortos na guerra contra a Ucrânia. Usando fotos, gravações de voz e modelos de IA avançados, familiares conseguem “reencontrar” seus entes queridos em vídeos curtos que mostram abraços, despedidas e até caminhadas simbólicas rumo ao céu.
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O fenômeno ganhou força nas redes sociais russas, especialmente na plataforma VKontakte (versão local do Facebook), através de um projeto chamado “Final Meeting” (Encontro Final). Criado por Anna Korableva, o projeto começou de forma modesta: ela usava IA para editar vídeos em que pessoas apareciam abraçando suas versões mais jovens.
Tudo mudou quando uma mulher pediu que Korableva recriasse um encontro entre ela e o irmão morto em combate. O vídeo viralizou, e desde então, o projeto recebe até 500 pedidos por dia de mães, esposas e parentes de soldados russos mortos.
Os vídeos são produzidos com ajuda de redes neurais e edições. As imagens mostram o falecido caminhando por escadas rumo ao céu, abraçando familiares ou beijando seus parceiros, e o preço varia entre US$ 20 e US$ 80, dependendo da duração e da inclusão de áudio personalizado, também gerado por IA a partir de gravações antigas.
Vídeos memoriais dividem opiniões
Embora muitos vejam nesses vídeos uma forma de terapia emocional, o fenômeno também gera críticas intensas. Uma das opiniões contrárias é que os vídeos (que retratam soldados “subindo ao céu”) romantizam o conflito. Outros apontam o risco ético de manipular imagens e vozes de pessoas falecidas, transformando o luto em um produto digital. É uma discussão semelhante à do comercial com IA que trouxe a Elis Regina "de volta".
Ainda assim, os criadores e defensores afirmam que o objetivo é humanizar a perda, não explorá-la. A própria criadora da campanha relata receber mensagens de gratidão de mulheres que dizem ter se sentido “mais leves” após ver os vídeos.
A tendência da chamada “ressurreição digital” não é exclusiva da Rússia. Na China, empresas como Silicon Intelligence oferecem serviços semelhantes, criando avatares animados de familiares falecidos a partir de fotos antigas. A tecnologia também se espalha para o Ocidente, com IA capazes de gerar “deadbots”, chatbots que simulam a personalidade e a voz de pessoas que já morreram.
É uma ocasião para se refletir como a IA está transformando até o modo como lidamos com a morte. O que antes era um tema de ficção científica agora é uma realidade.
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Fonte: The Washington Post