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Por que a Apple trocou processadores Intel pela arquitetura ARM?

Por| 23 de Junho de 2020 às 11h42

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Reprodução/Felipe Demartini
Reprodução/Felipe Demartini
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Entre o anúncio de novas atualizações para o iOS, uma adaptação de Isaac Asimov para o Apple TV+ e uma nova versão do macOS, o Big Sur, um anúncio em particular explodiu como uma bomba durante a edição 2020 da WWDC nesta segunda-feira (22). Após anos de amizade, a Apple está deixando de lado a parceria com a Intel na fabricação de processadores e abraçando a arquitetura ARM.

A notícia solidifica ainda mais os passos que a Apple vinha dando já há alguns anos. Na medida em que focava sua linha de iPads para que, cada vez mais, ocupassem o espaço de notebooks, os computadores da marca agora também farão esse caminho, com plataformas, aplicativos e sistemas integrados. O uso de chips proprietários, por exemplo, já é tradição na linha mobile da Maçã e agora essa experiência também chega aos Macs a partir do final deste ano.

A promessa de Tim Cook, CEO da empresa, é de revolução, com a transição sendo citada como histórica para a companhia. Apesar de construídos sob a batuta da própria Apple, os chips a serem usados nos Macs não serão os mesmos do iPhone ou iPad, pertencentes à chamada linha A, mas assumirão ares semelhantes, principalmente quando se fala na integração entre hardware e software em prol de melhor desempenho e maior eficiência energética.

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Sucesso comprovado

O primeiro grande motivo para a transição está nos bastidores da indústria. Desnecessário dizer que, para qualquer fabricante de produto tecnológico, performance é a palavra de ordem. Para a Apple, porém, esse quesito caminha lado a lado com outro tão importante quanto: o controle sobre as linhas de produção e a arquitetura dos processadores, uma experiência do mundo mobile que agora chega aos computadores e notebooks da marca.

O desenvolvimento, então, começa praticamente do zero em todos os aspectos do funcionamento das máquinas, com setores diferentes caminhando de forma integrada. Em vez de os desenvolvedores de sistemas operacionais trabalharem pensando no que é possível fazer com os chips existentes, enquanto os responsáveis pelas aplicações vêm na sequência desta fila, todos estarão sob o mesmo guarda-chuva e trabalharão juntos para que hardware e software funcionem com sinergia.

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É um funcionamento que a Apple já aplica no iPhone e iPad e que, para muitos especialistas, é a chave do sucesso da plataforma, fazendo com que ela tenha desempenho superior a muitos concorrentes mesmo com chips numericamente inferiores. Ao adotar processadores customizados e criados especificamente para seus produtos, bem como um sistema operacional e kit de desenvolvimento de aplicações voltados especificamente para esses componentes, a Maçã se diz capaz de extrair o maior potencial possível de todo esse ecossistema de uma vez. É como um balé em que a empresa compõe a música, cria a coreografia e a executa diante do público em um teatro próprio, sem depender de mais ninguém.

Nessa mesma pegada, a Apple também deixa de depender do roadmap da Intel para lançar seus produtos. Antes, novas versões do Mac dependiam de atualizações de hardware da fabricante de semicondutores para fazerem sentido e, efetivamente, entregarem a melhoria de performance esperada pelos consumidores. Com a mudança, agora toda a cadeia está sob o controle da empresa de Cupertino, que ganha mais liberdade para agir de acordo com o mercado e planos próprios para o setor.

Novos desafios

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A integração entre hardware e software nos computadores vai além da arquitetura. Em outra revolução anunciada nesta semana, a Apple está integrando seu ecossistema de aplicativos, com os softwares disponíveis para iOS e iPadOS podendo ser executados no macOS a partir da versão Big Sur. Da mesma forma, parcerias já estão sendo feitas para garantir que os aplicativos desenvolvidos para os computadores da marca aceitem bem a transição.

Segundo a Apple, já no final de 2020, quando as primeiras máquinas com chips próprios chegarem, todos os softwares profissionais da empresa, como Final Cut Pro e Logic Pro, serão plenamente compatíveis. A Microsoft também está no mesmo barco, assim como a Adobe, com o pacote Office e a suíte de aplicativos Creative Cloud não apenas sendo compatíveis, mas funcionando em uma versão nativa para processadores ARM.

Mas e quanto ao restante? Nada a temer, de acordo com o vice-presidente de engenharia de software da Apple, Craig Federighi, que também prevê uma mudança tranquila para desenvolvedores de apps de todos os portes. Para comprovar isso, na WWDC, a empresa exibiu o game Shadow of the Tomb Raider rodando nos novos processadores customizados, sem aparentes problemas de performance.

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Para garantir que o sonho visto na apresentação se torne realidade, a Apple apresentou o Rosetta 2, capaz de converter softwares criados para a arquitetura x86 e torná-los compatíveis com o novo formato. De acordo com Federighi, a ideia é que esse processo seja feito sem necessidade de mudanças ou adaptações, podendo ser concluído em poucos dias para a “maioria” dos softwares disponíveis no mercado.

Uma vez transformados, eles passam a atender como apps Universal 2, indicador que demonstra a capacidade de funcionamento tanto em x86 quanto em ARM. E para demonstrar a aposta alta nessa transição, a Apple disponibiliza um kit de desenvolvimento no formato de um Mac mini, que trará todos os recursos necessários para essa transformação e que permita os testes da nova arquitetura para aplicações atuais.

Para os softwares não convertidos, o Rosetta 2 também pode agir como um emulador, permitindo o funcionamento de aplicações antigas em sistemas atualizados de forma transparente para o usuário. A Apple também promete que, nesse sentido, a perda de desempenho deverá ser imperceptível, já que sua ideia de integração abrange todo o ecossistema atual, sem que ninguém seja deixado para trás. Pelo menos por enquanto.

Mudança em dois anos

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A maior preocupação dos desenvolvedores de software e dos usuários é quanto à conversão de aplicativos e o fim do suporte a arquiteturas atuais, afinal de contas, por mais que a Apple prometa simplicidade e adote seu discurso de que as coisas “só funcionam”, quem entende um pouco mais sabe que não é bem assim. Em algum momento, será impraticável manter o suporte a arquiteturas e sistemas tão distintos, na medida em que os mais recentes ganham corpo. Nesse sentido, as informações ainda são um tanto difusas.

Como dito, a ideia é lançar os primeiros Macs com chips ARM já no final de 2020, mas os laços com a Intel continuarão existindo “por anos”, segundo a empresa. Isso significa que modelos atuais e mais antigos, com processadores da marca, coexistirão no mercado ao lado da nova arquitetura, mas um ponto chama a atenção: durante a WWDC, a Maçã falou em uma transição que duraria dois anos, e esse parece ser o tempo até que as coisas mudem efetivamente e sem retorno.

A janela também serve para que os desenvolvedores adaptem suas aplicações e deixem de depender de sistemas de emulação como o Rosetta 2. Fica difícil, na realidade, saber exatamente qual será o caminho adotado pela Apple após esse período de dois anos, mas transições semelhantes em lojas de aplicativos normalmente levam a datas-limite de conversão com, na sequência, as aplicações tendo seu alcance reduzido até desaparecerem das lojas online.

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Há de se levar em conta, também, por quanto tempo a Apple pretende manter essa parceria “estendida” com a Intel. Caso o período também seja de dois anos, dá para pensar que a empresa lançará cada vez mais computadores com arquitetura ARM no mercado, em detrimento da outra, o que fará com que os próprios usuários também passem por essa transição de forma natural. Uma menor quantidade de máquinas com sistemas antigos, bem como plataformas de criação de apps atualizadas, fazem com que os softwares já nasçam prontos para a nova geração, enquanto a antiga vai ficando cada vez mais para trás até, novamente, deixar de ser relevante.

Ecos do passado

Quem tem memória boa deve se lembrar do anúncio da parceria entre Apple e Intel, feito em 2005 e também citado como revolucionário — pois realmente foi. Era o começo de um processo de integração entre os computadores da Maçã e o restante da indústria, diminuindo as barreiras entre os dois ecossistemas de computadores e, para muita gente, um dos diversos movimentos feitos pela fabricante para tornar seus computadores mais populares.

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A parceria entre as companhias trouxe diferentes benefícios, com o principal sendo o fato de que PCs e Macs possuírem processadores similares. Isso facilitou a conversão de aplicativos e possibilitou a chegada de grandes players ao ecossistema, com a rival Microsoft e o lançamento do pacote Office nos computadores da Maçã sendo um marco importante nessa transição.

Naquela ocasião, há 15 anos, a Apple também abandonava uma arquitetura proprietária, mas nem tanto. Os Macs da época funcionavam com chips PowerPC em seu interior, processadores que eram fruto de uma parceria entre a Maçã, a IBM e a Motorola desde 1991. Até hoje os chips são sinônimo de alta performance e bom balanço entre desempenho e consumo de energia.

Prova disso foi o uso dos processadores da aliança além dos computadores e servidores. Videogames como o PlayStation 3, da Sony, e o Xbox 360, da Microsoft, chegaram ao mercado com processadores desse tipo em seu interior. A Nintendo teve nada mais do que três eras seguidas de plataformas usando essa arquitetura, começando no GameCube, seguindo pelo Wii e, depois, no Wii U. O formato foi abandonado pela empresa em prol da arquitetura Tegra, da Nvidia, que atualmente está dentro do Switch, enquanto as outras majors apostaram em soluções da AMD.

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O fim da parceria de mais de uma década não é surpresa para a Intel, claro, mas também não vem como uma notícia positiva. Fora do mercado de PCs, onde empresas como Dell, HP, IBM e outras fabricantes lideram os pedidos de processadores, a Apple era uma das grandes parceiras da fabricante. A relação era tão próxima que rumores indicaram a possibilidade de iPhones e iPads também ganharem chips desenvolvidos pela fabricante, mas os boatos nunca foram para a frente na medida em que a companhia de Cupertino investia mais e mais em suas próprias soluções.

Nos números, temos cerca de US$ 3 bilhões anuais em vendas de chips e pouco menos de 5% dos negócios da Intel nesse mercado. Entretanto, há um agravante aqui: o fim da parceria vem em um momento de batalha comercial entre o governo dos Estados Unidos e a China, com a administração Trump preocupada com a perda de relevância das empresas americanas no setor de tecnologia. A notícia do divórcio entre duas das principais companhias do ramo no país com certeza não cai bem nesse ensejo.

Isso se torna verdade, principalmente, quando se leva em conta que os novos chips ARM dos Macs devem ser desenvolvidos pela TSMC, de Taiwan. E enquanto as conversas sobre a implantação de uma nova fábrica da empresa asiática em solo americano não avançam, a sensação é de que o abismo entre este e o outro lado do mundo deve se tornar ainda maior.