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Videogame como ferramenta de inclusão social é um dos destaques do BIG Festival

Por| 04 de Julho de 2018 às 13h25

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Videogame como ferramenta de inclusão social é um dos destaques do BIG Festival
Videogame como ferramenta de inclusão social é um dos destaques do BIG Festival

O Brazilian Independent Games Festival (BIG) acabou neste primeiro fim de semana de julho, mas deixou um rastro de realizações para a cena de videogames nacional. Neste ano, o evento foi sediado paralelamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e, além da habitual premiação em inúmeras categorias, também houve uma vasta programação contando com diversas palestras.

Indo desde o papel da arte e da música nos videogames, as palestras também abordaram temas mais amplos como o mercado de games no Brasil e a inclusão social. Algumas das que nós do Canaltech assistimos no evento, por sinal, abordavam bastante esta última temática, onde muito conteúdo relevante foi divulgado.

Na ocasião, estivemos presentes na “Games e Inclusão Social”, que contou com a participação da freelancer Nayara Brito; dos desenvolvedores Bruno Araújo da Lava Leak Games e Lucas Mattos da Long Hat House; do Menno Van Pelt-Deen da Lapp, da Dutch Game Garden e da Games [4Diversity]; e da Tiani Pixel que participa do Studio Pixel Punk. Todos eles compartilharam um pouco de suas experiências acerca da temática, trazendo à mesa de discussão alguns dados interessantes à cerca da diversidade dos jogos.

O impacto da boa representatividade

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A começar por Tiani, que é uma desenvolvedora de games transexual, além de artista de pixel art e também programadora. Não havia ninguém melhor do que ela para iniciar a palestra e, após se apresentar e mostrar um pouco do seu portfolio, ela começou a apresentação mostrando como não se deve abordar personagens transexuais em jogos. A dev até mesmo citou como exemplo Mass Effect Andromeda, em que o jogador conhece uma personagem transexual e a primeira coisa que ela diz é que está viajando pelo espaço para ser aceita.

“Ninguém fala isso, quando se acaba de conhecer a pessoa”, ela acrescenta. “Às vezes a pessoa até tem boas intenções em tentar trazer esse assunto para os games, mas não consegue fazer muito bem, às vezes por falta de tato ou de ter alguém junto para dizer o que fica melhor, ou o que pode soar ofensivo”. Tiani também comenta das personagens femininas, levantando inclusive a questão da hipersexualização e a problemática retratação da mesmas aos olhos da cultura pop japonesa.

Por outro lado, para Tiani, existem bons exemplos de diversidade na mídia ainda, e ela cita Steven Universe como um deles, trazendo diferentes formas físicas, etnias, sexualidades, gêneros, e uma interessante representação masculina. Para ela, nos games a diversidade pode ser facilmente representada por Shovel Knight na criação de personagens, que mostra uma divisão entre expressão e identidade de gênero; além de Undertale, que traz temas progressivos e aborda a igualdade e a aceitação também.

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Seu discurso é poderoso quando ela abre o coração, dizendo: “No meu caso foi muito revelador quando eu descobri que um transexual não necessariamente precisa ser um objeto sexual ou precisa servir de piada para a sociedade inteira. Isso me ajudou a me aceitar muito mais e conseguir ser feliz com isso. Por isso acho que é muito importante a nossa forma de criar conteúdo para conseguir atingir as pessoas dessa forma, mostrando que você se sentir realizado com quem você é”.

Inclusão social também inclui religião, saúde e outros espectros

Quem corrobora com a fala de Tiani é Menno, que se apresenta logo em seguida falando primeiramente da fundação Games 4Diversity, a qual cria e organiza Game Jams com enfoque em atmosferas intuitivas, mas ao mesmo tempo inclusivas e construtivas. O convidado internacional inclusive comenta como o grupo surgiu, logo após a GDC de 2015, onde ele viu que havia muita discussão sobre inclusão social. Notando o quão era importante, Menno lançou o questionamento do porquê tanto se falava a respeito disso e ninguém estava fazendo nada. “Então nós decidimos que ao invés de falar sobre isso, vamos mostrar através de games o quão esse assunto é importante, fazendo jogos com esses conceitos”, ele acrescenta.

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Ainda nesse espectro social, Menno chama atenção para jogos que incentivem outros meios também, com as variantes de sua iniciativa Games 4Health e Games 4Research. Dentro da ação Games 4Diversity, o convidado comenta de um jogo sobre religião que estava sendo feito em uma Game Jam e sobre como a equipe estava com medo de retratar isso, “apesar de as religiões serem muito bem apresentadas em games... curioso”.

Outro momento que Menno compartilha de suas aventuras em meio a Game Jams envolve uma equipe que estava desenvolvendo games que podem ser jogados, de alguma forma, em piscinas; além de compartilhar sobre quando ele presenciou uma parada pela diversidade LGBT na comunidade de jogos nas ruas de Amsterdã, a qual recebeu bastante apoio do governo e mostrou e ampliou a consciência das pessoas sobre o assunto.

No gancho desse assunto, Bruno Araújo apresenta o seu projeto Diana, um título do gênero visual novel focado em exploração e inventário e principalmente em diálogo. A trama se passa em São Paulo em 1984 e será dividida em 4 episódios, com temáticas da atualidade em foco, tais como a transfobia, a masculinidade tóxica, bem como a inclusão social e a evolução do ser humano a partir desse ponto.

Lucas Mattos por sua vez aparece para falar um pouco de Dandara, comentando que para este título, ele e sua equipe foram influenciados primeiramente por jogos que estão fora da realidade brasileira; afinal era esse tipo de produto que lhe era vendido há alguns anos. Todavia, a abordagem foi evoluindo e se aprimorando, ganhando forma em um jogo com mais destaque no gameplay. Além disso, a conscientização de que quase não existe nenhum jogo retratando a escravidão no Brasil, ajudou a moldar o game.

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Em Dandara, a escrava que dá nome ao título lutava ao lado do Zumbi dos Palmares, e é através de sua história que é contado sobre a representatividade e sobre as cultura impostas sobre a nossa, a brasileira.

Questões relevantes sobre a abordagem

Já em meio ao debate, Taini devolve que, quando se apresenta o jogo com o tema a que ele é voltado, as pessoas que deveriam ouvir a mensagem acabam se fechando para isso. “O ideal seria abordar o game com representatividade e inclusão, mas sem escancarar isso; tem que de maneira sutil”, ela acrescenta. Outra questão levantada, desta vez pelo público, é sobre o porquê de apenas os jogos indie abordarem esse tipo de temática.

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Em devolutiva, os palestrantes comentam que as empresas por trás dos jogos Triple A têm medo de correr riscos ou e temem que uma ação do gênero não vai dar lucros porque esse público não existe. Em contraponto, Menno acrescenta que pode haver backlash do público também quando os desenvolvedores não apresentam os personagens como deveriam, citando Horizon: Zero Dawn como exemplo. Bruno por sua vez, ainda comenta do beijo lésbico mostrado no último trailer de The Last of Us Parte II apresentado durante a E3 — o qual causou certo rebuliço na comunidade gamer.

Os desenvolvedores no palco, por fim, alegam tranquilamente que, “quanto mais for mostrado como é a nossa realidade, melhor vai ser a receptividade, e Menno faz um apelo: “se você é um desenvolvedor, você pode fazer a diferença. Então o faça”.

E nos eSports?

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Na discussão intitulada “Inclusão nos eSports e o espaço de LGBT, mulheres e negros no cenário”, que contou com a participação de Angelo Prata do Blog Gayme Over, da repórter Beatriz Coutinho do Portal Versus, de Guilherme Matos da Kabum E-Sports e de Olga Rodrigues da Bootkamp Gaming, houve uma extensão dos assuntos abordados por Tiani, Menno e cia.

A paulista Olga, por exemplo, tem apenas 24 anos e é jogadora profissional de Counter-Strike: Go, sendo inclusive uma das poucas travestis e mulheres transexuais do meio. Ela conta que no começo não sofria muito assédio, quando ainda se assumia como um garoto, apesar de o pessoal da internet fazer piada, chamando-o de gay. “Ser um homem é um privilégio”, ela acrescenta. “Mas eu fazia muitas coisas que eu não gostava, e fui começando a me incomodar com as pessoas e comigo mesmo”.

Desde pequena, Olga já sentia certas transfobias em casa, e se abrir com seu pai foi bem difícil, apesar de sua mãe tê-la apoiado e a protegido. “No fim, ainda tenho contato com minha mãe, mas com meu pai, nunca mais”. Quando a jogadora foi para o cenário feminino de videogames, alega que já estava em um “ambiente mais seguro”, até porque o time Number Six a abraçou como coach e depois como bootcamp também.

Ela também conta que depois de algum tempo voltou para o cenário como capitã de CS:GO. “Para voltar a jogar no cenário, fiz uma enquete perguntando se estava tudo bem ter uma pessoa trans no meio. Fui super bem recebida. Sempre que aparecia alguém falando mal, aparecia também muita gente me ajudando, o que foi maravilhoso. Foi importante para que eu me me sentisse mais segura”.

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Ela também comenta que acha importante ter campeonatos de eSports só com mulheres. O apelo é por conta de que, quando as mulheres começam a jogar em ambientes mistos, acontece muita misoginia. “Então tendo um só para as meninas, a gente consegue dar oportunidades para que elas se destaquem”.

Mulheres no jogo

Em outro momento também assistimos a palestra “Mulheres no Jogo: O que fazer pra aumentar a presença feminina na indústria de games”. Como mediadora, trouxeram a veterana da área Flávia Gasi, e também Ariane Parra e Aiami de Siqueira Garcia da Women Up Games, bem como a Bianca Antunes da Flux Game Studio e a estrangeira Kathrin Redtke do Studio Fizbin. Logo de cara, a mediadora do debate diz que “é importante dar voz as mulheres para que algo mude, para que as visões de ampliem, mas primeiro para dar voz, é preciso dar papéis de liderança para as mulheres”.

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As mulheres comentam, inclusive, sobre a própria Abragames, de quem são sócias e, apesar de criticarem construtivamente, elas apenas ressalvam a principal reclamação: não há rostos femininos na equipe, “o que abre precedentes para que nada ou muito pouco mude”. Aproveitando a deixa, as palestrantes também comentam como sempre estiveram em menor número quando atuavam em equipes com outros devs. “É uma questão de iniciativa. É uma questão que vem desde a nossa infância, é cultural”.

Para equiparar com o cenário brasileiro, as participantes perguntaram à convidada que veio da Alemanha, Kathrin, como funciona o segmento por lá. A resposta não é exatamente muito surpreendente: em seu país também é assim, poucas mulheres em equipes e um número quase nulo em cargos mais altos. “Mas não faria mal se tivessem mais mulheres, em especial em papéis de liderança”, ela apela.

Outro assunto em pauta é a questão do incentivo, que também é um forte fator. Muitas mulheres não se sentem incentivadas a mandar currículos, pois acham que não são capazes ou têm medo de não preencherem todos os requisitos. É importante que haja mulheres, portanto, nesses círculos para que elas abracem as que estão por vir. “Antigamente não tínhamos isso, mas hoje temos esse senso de acolhimento”.

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Por conta disso foi criado o “Mulheres no Jogo”, uma iniciativa que visa fazer intercâmbio entre desenvolvedoras mulheres da Alemanha e do Brasil, fazendo com elas fiquem no país uma da outra para fazerem parte de projetos. De acordo com Aiami e Kathrin, os mercados brasileiro e alemão são mais similares do que diferentes, então dessa parceria surgiram não apenas trocas culturais e amizades, mas também alguns produtos importantes, como é o caso do game Super Dev Girls, um game em que o jogador controlará uma mulher nesse meio.

Números são importantes

Na palestra “Políticas Afirmativas: Mulheres no Mercado Editorial, na Música, Audiovisual e Games”, tivemos um número grande de participantes femininas exaltando os números do mercado, mostrando como as mulheres ainda ocupam menos espaço, mesmo nas áreas que aparentemente dominam muito bem. Para o debate, foram convidadas Ana Yumi Kajiki da Editora Boitempo, Barbara Sturm da Elo Company, Camila Malaman da Webcore Games, e Tiê Gasparinetti Biral da Rosa Flamingo. Todas elas sob a mediação de Marianna Souza, da APRO – Filmbrazil.

Em suas apresentações, elas enaltecem algumas ações para mudar esse cenário como, por exemplo, o “Free the Bid”, uma iniciativa que visa colocar mais mulheres em cargos altos em produções, e que se iniciou nos Estados Unidos. Marianna por sinal, mostra que existem atualmente 46 diretores no Brasil (sendo 367 no mercado), mas apenas 13% desse número são mulheres, sendo os 87% restantes compostos por homens.

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Até mesmo no segmento de beleza a porcentagem é pequena, onde filmes publicitários voltados para o mundo beauty e varejo possuem apenas 27% deles dirigidos por mulheres. Esta é, por sinal, a maior participação de todo o público feminino, considerando todos as demais áreas.

Já Barbara da distribuidora de filmes Elo Company apresenta o Selo Elas, lançado em março deste ano e que visa dar mais destaque a mulheres dirigindo filmes publicitários. “Tem que ser dirigido por mulher e esse é o único requisito”, ela comenta. Até então existem 9 produções já fechadas, mas a iniciativa ainda busca novos nomes, projetos foras do eixo, e diretoras de outras etnias principalmente.

A Yumi por sua vez mostra que mesmo no mercado editorial as coisas andam feias. Ela inclusive levanta a questão: “quantas mulheres estão nas estantes de livros das lojas, das livrarias, ou das casas?”. De acordo com ela, nas últimas cinco décadas, 70% dos autores eram homens, e mais de 60% personagens principais também eram do sexo masculino. A exemplo disso, a participante até mesmo cita J.K. Rowling, uma vez que a famosa escritora dos livros de Harry Potter foi forçada a abreviar seu nome para que pensassem que era um autor, e não autora e assim, vendesse mais cópias.

Curiosamente, no Brasil não existe uma pesquisa para saber como anda a força de trabalho femininas nas editoras. No Reino Unido, a presença das mulheres nesse meio chega a 85%, enquanto que nos Estados Unidos, fica em 75%. Ainda nas terras tupiniquins, até 2015 não tinha nenhuma mulher na liderança nas editoras.

Para fechar sua vez, Yumi também comenta que “existem muitos mentores, mas poucos patrocinadores para mulheres em cargos de liderança, ao contrário dos homens”. “Quais ações estamos tomando para subirmos e levarmos mais mulheres com a gente para cargos de liderança?”, ela questiona, fazendo um apelo simples inclusive, a respeito da bibliodiversidade, pedindo para que as pessoas adquiram e incentivem mais mulheres no mercado editorial, e divulguem a hashtag #LeiaMulheres para espalhar a palavra.

Jogos como plataformas educacionais

Menno Van Pelt-Deen deixa bem claro em sua palestra “VilDu?! Como um game reduziu as barreiras no diálogo sobre abuso sexual”, que videogames são uma plataforma de educação, acima de tudo. Ao descrever sua experiência com o desenvolvimento do jogo, ele comenta que como o design, não apenas gráfico como também do desenvolvimento do jogo em si, pode fazer a diferença e impactar a sociedade.

É uma arma que, se usada da maneira correta, ou expressada da melhor forma possível (a partir da dor, da angústia ou de qualquer outro sentimento), pode quebrar barreiras e gerar um flow muito positivo de inclusão e respeito na sociedade de maneira generalizada. A fala de Menno corrobora com a palestra de “Narrativas, Gameplay e Game Design em Jogos de Impacto”, onde foi divulgada a Plataforma Gepetto, um projeto que visa desenvolver e distribuir jogos educativos.

Tanto Menno quanto o quarteto formado por Vicent Vieira da Manifesto Games, Karolina Ferreira dos Santos Schmitt da Playmove, Pietro Amaral da Manifesto Games também, de Marcelo Sena da Virgo Game Studios, acredita que jogos não são apenas um passatempo juvenil. O desenvolvimento de jogos em especial é algo que deve ser encarado seriamente, uma vez que engloba um trabalho multidisciplinar e abraça grupos diversificados de profissionais, unidos pela vontade de criar algo não apenas novo ou inovador, mas que expresse sentimentos e pensamentos e, claro, diversão.

Apesar de os conteúdos da plataforma Gepetto serem diversificados, com variados serviços e ferramentas, ainda assim já alcançou mais de 80 mil alunos através das parcerias com escolas de idioma, com grande potencial de captar ainda mais. Além disso, a participante Karolina ainda acrescenta como é importante que alguns desafios sejam levados em conta, tais como os recursos, a diversão, as necessidades, os testes e os resultados, de modo que a criança aprenda, mas ainda divirta no processo.

Diversão e videogames são quase que sinônimos, mas por que não ser um meio de aprendizado e expansão cultural e social também?