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Análise | The Medium mata as saudades dos bons survival horrors

Por| 27 de Janeiro de 2021 às 11h00

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Divulgação/Bloober Team
Divulgação/Bloober Team

Em uma nova geração de plataformas que chegou ao mercado quase sem games que efetivamente mostrassem seu potencial, chega a soar curioso que um dos primeiros títulos a fazerem isso seja, na realidade, uma grande ode ao passado. The Medium, que desde sua divulgação já queria apelar aos fãs dos survival horrors antigos, chega para mostrar que velhos terrores nunca morrem, muito pelo contrário.

O título é do Bloober Team, empresa que chamou a atenção dos aficionados do gênero na geração passada, apesar do currículo inconsistente. Das mesmas mãos, vieram títulos envolventes e incríveis como Observer e, também, o péssimo Layers of Fear 2. The Medium representa uma saída da zona de conforto para a empresa, com uma jogabilidade em terceira pessoa que o diferencia dos demais e, ao lado de outros elementos clássicos, entrega o melhor título da sequência da desenvolvedora.

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Marianne é a porta de entrada dos jogadores para um soturno mundo no qual as barreiras entre a nossa realidade e o além parecem uma questão de pressionamento de um botão. E por mais que a protagonista esteja acostumada com essa transição, ainda que não entenda muito bem seus poderes, a conhecemos em um momento íntimo e pessoal, no qual ela deve utilizar seu dom (ou maldição, dependendo da sua abordagem) para garantir a passagem de ida de seu pai adotivo para um lugar melhor.

O começo intimista e cheio de emoções é a escolha correta para fisgar o jogador desde o início, enquanto ele aprende as mecânicas sobrenaturais e, mais do que isso, parte em uma investigação que remonta ao passado da personagem principal e, também, da própria Polônia. A escolha do país não é por acaso e permeia toda a experiência de quase uma dezena de horas com The Medium, explorando muito mais do que apenas o terror e a manipulação de realidade em si, mas também elementos da história da nação e como ele dialoga com os horrores enfrentados pelas pessoas comuns, ou nem tão ordinárias assim, que encontramos ao longo do game.

Enquanto soluciona os mistérios do passado de Marianne, The Medium também fala sobre a Guerra Fria, na qual uma arquitetura reta e dura, contrastando com o centro de lazer e diversão no qual boa parte do jogo se passa, contava a história de um período conturbado. Entre segredos de estado, tragédias familiares e poderes sobrenaturais também estão as influências da própria arte polonesa, com uma bela pitada de surrealismo que contrasta com os cenários fotorrealistas da porção do jogo que se passa no mundo real.

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É quase como um olhar para si mesmo em um momento no qual o Bloober Team está nos holofotes pela exclusividade de The Medium e, também, pela ilustre presença de Akira Yamaoka, compositor do clássico Silent Hill e que comanda parte da trilha sonora, apesar de seu estilo bem característico não aparecer tanto quanto os fãs de longa data gostariam. Abordar as origens, artes e influências próprias, talvez, seja a forma de os desenvolvedores manterem os pés no chão, assim como a própria protagonista do jogo. Essa foi a melhor escolha possível para todos.

Abrindo para os dois lados

Marianne, como o título indica, é uma médium, capaz de trafegar entre dois mundos bem diferentes, ainda que sobrepostos um sobre o outro. Com seus poderes, ela ajuda almas atormentadas a seguirem seu caminho pelo além, enquanto guarda em uma caixa seus próprios tormentos. A ferida é cutucada logo após a morte do pai adotivo, fazendo com que ela parta ao interior polonês para descobrir a verdade sobre seu passado e um estranho sonho que visita de forma recorrente.

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A estranha habilidade serve como artifício para que o Bloober Team brinque com perspectivas e quebra-cabeças, muitas vezes exibindo a mesma cena de dois ângulos diferentes para mostrar que nem toda a realidade é exibida diante dos olhos mortais. Da mesma forma, enigmas se desenvolvem da mesma maneira, com as ações feitas em um dos planos refletindo diretamente no outro a garantindo progressão pela história.

Marianne está convivendo ao mesmo tempo nestas duas realidades, o que significa que bloqueios e perigos presentes em um lado podem impedir seu progresso no outro. Um destacamento rápido pode ser feito no plano espiritual, permitindo que ela “desligue” seu corpo terreno por algum tempo, mas esse ato tem consequências — passe tempo demais do outro lado e você pode ficar sem uma maneira de retornar.

Esse tipo de tensão é transformado em ação durante enigmas simples, nos quais podemos acessar um ambiente intransponível no mundo real apenas a partir do plano espiritual, e também pelos elementos da própria história, que apresenta uma crescente constante. The Medium, também, brinca com o jogador ao permitir que ele se sinta plenamente ciente de todas as habilidades de Marianne para, na sequência, o colocar em uma situação sem precedentes, seja controlando outros personagens a partir de projeções mentais ou na terrível passagem de um monstro de uma realidade para outra.

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Apesar de tudo isso, esse mote central de The Medium não é, por si só, tão impressionante, ainda que monte um conjunto instigante ao lado da história e dos elementos que compõem os ambientes. Chamam a atenção as situações em que diferentes elementos, muitos deles à distância, mostram que há muito mais nesse mundo do que, apenas o que está diante dos olhos, enquanto algumas situações são apresentadas de maneira bastante marcante. Na maior parte do tempo, entretanto, o choque virá da própria trama e seus personagens, e menos dos artifícios que fazem desta uma experiência puramente de nova geração.

As idas e vindas também se refletem na própria jogabilidade, que por vezes instiga, mas soa protocolar na maioria do tempo. As influências do survival horror clássico aparecem por meio de câmeras fixas e cenários com muito a explorar e diversos documentos que levam a história adiante, mas também por uma falta de inventividade. Muitas vezes, o item necessário para progredir está na sala ao lado ou a poucos passos de seu local de encaixe, fazendo com que a mente do jogador não tenha que trabalhar tanto assim na maioria do tempo.

Essa falta de criatividade, por outro lado, é muito bem investida em outros momentos, como em um minigame bem interessante de revelação de fotos ou em um momento que salta aos olhos, no qual o tempo também precisa ser manipulado para revelar mais detalhes ou possibilidades de um ambiente. A quantidade de elementos a serem notados ou encontrados pelos cenários também incentivam a exploração, já que absolutamente qualquer coisa pode conter um eco do passado, um arquivo de texto ou algum tipo de lembrança que expande os acontecimentos desse local sinistro.

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Nota negativa, também, aos momentos de “confronto”, se é que podemos chamar assim, reduzidos a encontros pueris com demônios capazes de matar o jogador com um único hit ou simples utilizações dos poderes dos protagonistas. Tais situações, felizmente, são rápidas e aparecem pouco, mas também denotam a falta de inventividade que parece ter sobrado em outros momentos.

Um olho nos clássicos, outro na atualidade

Por mais que estejamos falando de seres poderosos e com uma notável conexão com “o outro lado”, The Medium não vem para ser um título de ação, ainda que sua história remeta a um passado de violência, morte e vingança. É na exploração e na observação que está o grande cerne da jogabilidade do título e, também, um caráter de brilhantismo que os poloneses do Bloober Team haviam mostrado poucas vezes antes.

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Quem jogou os antigos Resident Evil ou a referência mais direta aqui, Silent Hill, vai se sentir em casa e saberá exatamente como as estruturas desse mundo funcionam. O trabalho de modernização de controles e objetos, porém, faz deste um título extremamente competente, também, para o mercado contemporâneo, ainda que algumas dificuldades na manipulação de objetos e posicionamento de comandos de ação possam aparecer aqui e ali. Na maioria das vezes, isso acontece em momentos passivos, o que reduz o incômodo e não leva à frustração.

Tanto para quem vem do passado quanto àqueles que estão chegando agora, entretanto, fica a sensação de que há algo mais em jogo aqui. The Medium parece brincar com a própria previsibilidade ao levar o usuário por caminhos inesperados, principalmente no que toca a história. Parece que, em determinados momentos, perdemos o foco daquilo que nos trouxe até aqui enquanto outras tramas igualmente interessantes começam a aparecer, envolvendo Marianne e o próprio jogador até o momento em que tudo se encaixa novamente. A ideia é que a gente nunca esqueça a nossa motivação, ainda que todo o ensejo seja claramente muito maior do que isso.

Os cenários fixos e a jogabilidade mais direcionada também auxilia do ponto de vista visual. Como dito, The Medium surge como um dos primeiros jogos efetivamente da nova geração para os consoles da Microsoft, e por mais que ainda apresente quedas na taxa de quadros ou pequenos travamentos durante transições, faz bom uso das capacidades do Xbox Series X|S. Os detalhes chamam a atenção, principalmente nos ambientes, ainda que a animação dos personagens não seja das melhores.

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Isso vale tanto para o plano real quanto para o espiritual. De um lado, aparecem imagens que remetem a fotografias reais, com o perdão da comparação esdrúxula, um aspecto auxiliado tanto pelo fato de os locais serem baseados em localizações reais quanto pelo fato de o game deixar isso claro ao jogador. A ideia parece ser tornar a trama ainda mais palpável por meio de tais elementos, algo que surge de forma extremamente natural e envolvente.

Enquanto isso, do outro lado, temos influências artísticas e surrealistas que tornam os cenários, ao mesmo tempo, reconhecíveis, mas também plenamente bizarros. A ideia, o tempo todo, é de que algo muito ruim acontecendo aqui, com a rigidez e a destruição do plano real se refletindo em tentáculos, destruição, fluidos e monstruosidades na porção espiritual. É um aceno claro à versão transformada de Silent Hill, mas também capaz de caminhar com as próprias pernas e entregar sua própria dose de perturbação quanto os cenários são observados ao lado da história.

Nessa mistura entre fotorrealismo, história e o bizarro, surge um título incrivelmente competente e interessante, apesar de seus deslizes. Ainda que toque apenas na superfície do que as novas tecnologias e consoles podem entregar em termos de narrativas, há de se começar de algum lugar, e em sua melhor e mais interessante obra, o Bloober Team faz exatamente isso.

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O jeito bastante peculiar e pessoal de contar uma história, já uma marca da desenvolvedora, se une a um estilo antigo, com toques modernos, e novas tecnologias que apenas adicionam à mistura. Os amantes do terror terão muito o que fazer em The Medium, enquanto todos os outros poderão encontrar uma trama bastante intrincada, além de sustos que, apesar de não fugirem muito do convencional, não se tornam menos horripilantes.

The Medium foi desenvolvido pelo Bloober Team e será lançado em 28 de janeiro de 2021, em versões Xbox Series X|S e PC. No Canaltech, o título foi analisado no Xbox Series X, em cópia gentilmente cedida pela Microsoft.