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Análise | Maneater é a prova de que um jogo com muito recheio pode ser bem vazio

Por| 25 de Maio de 2020 às 12h08

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(Imagem: Divulgação/Deep Silver)
(Imagem: Divulgação/Deep Silver)

Desde que o mundo é mundo, os tubarões sempre representaram um dos maiores medos dos seres humanos. Não por menos, já que diversos documentários e o filme Tubarão, de Steven Spielberg, nos ensinaram que as muitas espécies possuem uma mentalidade dedicada a apenas uma coisa: comer. E embora a ciência diga que ataques de tubarões a humanos são raros, instâncias veiculadas na mídia nos mostram que, quando esses “mísseis com dentes” atacam... rapaz, parece até coisa de outro planeta.

Exagerar todos esses medos de uma forma interativa é o pilar de sustentação de Maneater, jogo produzido pela Deep Silver (Shenmue III; Saints Row; série Metro) que coloca você nas barbatanas de um tubarão cabeça-chata, uma das espécies mais agressivas e propensas a atacarem humanos, junto com o tubarão-tigre e o hegemônico tubarão branco.

Essa agressividade é a justificativa dentro do jogo: em Maneater, é possível, ou melhor dizendo, obrigatório, que você devore tudo aquilo que se move. Cardumes de peixes menores, outros predadores aquáticos (como barracudas, crocodilos, tubarões e baleias) e, claro, humanos. Cada uma dessas espécies é alvo de pelo menos uma missão cujo objetivo é comer um número predeterminado de seus representantes, bem como atacar/fugir de barcos de caçadores e encontrar e matar os “predadores alfa” de cada uma das sete regiões do jogo, cada uma com seu rol de missões a serem cumpridas com o objetivo primário de evoluir o protagonista até ele se transformar em um lendário Megalodonte.

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Pense em “GTA com barbatanas”. E acredite se quiser, esse mundo aberto todo funciona contra Maneater.

Maneater é um jogo bastante divertido, já deixo isso claro aqui. Ele tem um volume considerável de coisas para serem feitas e uma narrativa que, embora bastante clichê, consegue ser agradável por vários motivos: você encarna em um tubarão ainda bebê, arrancado do ventre da mãe após esta ser pescada e estripada por Scaly Pete, supostamente um dos maiores caçadores de tubarões do mundo. E para adicionar sal à ferida, Pete ainda marca você com uma faca, para que seja reconhecido por ele no futuro. Antes de este devolvê-lo às águas, porém, sua voracidade marítima entra em curso e você arranca a mão dele, tal qual o prenúncio de uma vingança interespécies — tudo para que ele tenha a glória de exposição em um reality show a la National Geographic.

A partir daqui, o jogo começa de fato: dotado de capacidades de sobrevivência em água doce e salgada (fato esse, aliás, real: tubarões de cabeça-chata conseguem singrar os dois ambientes sem problemas), você começa a partida em uma região pantanosa, cheia de carpas, peixes-gato, crocodilos e toda sorte de espécies marítimas cuja interação com você se limita a uma só: logo menos, todas serão vítimas de seu apetite infinito. E tal qual na vida real, tubarão come = tubarão cresce. Muito. À medida que você come, você vai coletando “mutagênicos” em formato de gorduras, proteínas e sais minerais, que por sua vez podem ser usados para aprimorar suas capacidades.

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Na segunda área, humanos entram para a lista de vítimas em potencial, mas há uma consequência: cause tumulto o suficiente nas praias e uma série de embarcações de caça, como lanchas, barcos de pesca e jet skis com arpões, metralhadoras e cargas explosivas virão em seu encalço. Mate o suficiente dessa “polícia marítima” e um caçador estrela do mesmo reality show dá as caras, mais bem armado, mais experiente e com mais energia para brigar. Adicione a isso uma série de missões bastante sumarizadas (“Devore 10” de qualquer espécie da área + “encontre e mate o predador alfa da região”) e você já entendeu 90% do jogo.

Ser o maioral das águas pode ser chato...

Justamente por ter uma compreensão tão simples em um ambiente tão expansivo é que Maneater acaba se perdendo no meio do caminho: veja, existe um apelo forte em atacar tudo o que se move na tela, já que, conforme o seu bebê tubarão (trilha sonora para introduzir uma óbvia piada) cresce, mais e mais espécies acabam sendo derrubadas com um ou dois ataques, reduzindo-se a nuvens de sangue diluídas na água. Mas essa curiosidade mórbida do jogador é saciada em 10 minutos de jogo: peixes de debatem presos aos seus dentes, humanos gritam. É isso.

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Passado esse frenesi, o que temos é uma série de missões repetitivas diluídas em outra série de missões repetitivas e desconexas. Em uma área, tive de matar 10 focas apenas para, veja só, ganhar uma nova missão na qual teria de matar outras 10 focas, o que por sua vez destravou uma missão para matar 15 cavalinhas e destravar um predador local mais fortinho (na verdade, uma versão de cor diferente de um predador que já estivesse na área normalmente). Depois de umas nove ou dez missões assim e uns dois ou três peixes mais combativos, finalmente é “liberado” o combate contra o chefão da área: no exemplo da área citada, um tubarão-branco mais branco que de costume e com mais energia e níveis.

Ah, sim, tem um elemento de RPG em tudo isso: você vai evoluindo dos níveis 1 a 30, transitando entre as fases de vida de um tubarão, começando como um filhote que mal consegue dar conta de duas piranhas, até se transformar em um megalodonte que derruba cachalotes sem muito esforço. E, para isso, o elemento de combate poderia trazer um pouco mais de trabalho, mas não traz: nem todos os peixes são combativos (alguns estão lá apenas para preencher espaço, seja ele na tela ou no seu estômago), mas os que são seguem um mesmo padrão — eles “carregam” um ataque e, nisso, brilham o bastante apenas que você desvie para iniciar um contra-ataque mais contundente. O problema: não tem a menor graça de usar dessa estratégia quando é bem mais fácil nadar em zigue-zague, apertando o botão de mordida enquanto “tromba” com o oponente. Ele cai mais rápido e você perde bem menos energia, se arriscando menos.

Essa facilidade infelizmente também se traduz com os caçadores: salvo por Scaly Pete ser um chefão relacionado ao enredo do jogo e, consequentemente, portar recursos que o impedem de sofrer o mesmo destino, todos os outros inimigos humanos podem ser derrotados com um só golpe, não importa quão bem equipados estejam. Isso porque basta apenas que você os derrube do barco. Você não precisa nem comê-los, embora isso seja mais legal e acelere o processo. Tire-os de suas embarcações e de repente eles se esquecem que estão na água, efetivamente se afogando.

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O resto do jogo é composto por colecionáveis que vão desde a derrota de ditos caçadores até encontrar caixas submarinas de suprimentos, placas de turismo de cada região e pontos turísticos específicos. Cada um destes habilita uma mudança corporal no seu personagem — corpo revestido de ossos para pancadas mais fortes, escamas venenosas para “sangrar” seus oponentes enquanto drena suas vidas e protusões eletromagnéticas que causam choques elétricos e atordoam inimigos.

O problema é que cada uma dessas possibilidades rapidamente deixam o universo da diversão para se tornar uma obrigação deveras processual: mate peixinhos, derrube predadores, cace humanos, mate caçadores, enfrente o alfa local, repita ad infinitum. Muito antes de você sentir qualquer evolução de jogabilidade, o tédio já tomou conta da partida de forma que nem os ambientes incrivelmente bem detalhados ou a mecânica incrivelmente funcional dos seus controles amenizam essa má impressão.

Mas o real problema — e aqui faço a ressalva de que pode ter sido apenas comigo — é como Maneater é propenso a erros e quedas completas. O jogo todo tem, em média, entre oito e doze horas, então pude iniciar várias partidas. Nos mesmos pontos (transição entre gameplay e cenas de corte), em todas elas, o jogo caiu, me obrigando a reiniciar. Na primeira partida, então, fui impedido de ver o final da história, haja vista que derrubei o chefão final, o jogo contabilizou a morte (o troféu da versão para PS4 subiu na tela) e caiu. Em suma: reiniciei a partida com o chefão já derrotado e sem final para assistir. Na segunda partida, felizmente, isso não ocorreu, mas quedas em outras áreas do jogo, infelizmente, foram mantidas.

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Mas é tudo ruim?

Não. Como disse: Maneater é bastante divertido. Existe uma preocupação dos desenvolvedores em fazer a movimentação marítima do seu tubarão parecer o mais realista possível, e isso se traduz na progressão do jogo: desde seu movimento lateralmente ondulante até as chicotadas que ele dá com a cauda, é difícil apontar quais movimentos seriam incompatíveis com a realidade.

Alie a isso os visuais que, como já dissemos, são impressionantes e fidedignos: uma região pantanosa tem tons bem marrons e um aspecto sujo e abandonado, com detritos humanos e lixo largados nos cenários, ao passo em que uma região de resorts traz areias brancas, águas cristalinas e detalhamento de corais que fariam qualquer documentário de navegação marítima corar de inveja.

Mas o real destaque aqui fica para a narração: todo o jogo é permeado por comentários na voz do ator e comediante Chris Parnell (o Jerry Smith de Rick and Morty), e o roteiro é uma bênção. Recheado de pílulas de acontecimentos reais sobre tubarões até notações sarcásticas sobre várias coisas relacionadas à cultura pop, com menções que vão desde o filme Onze Homens e um Segredo até o festival de música eletrônica Fyre Festival. O diálogo é construído de forma muito inteligente, realçando a comédia quando ela é bem feita.

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É ruim, mas é bom

O que faltou a Maneater foi uma forma de amarrar tudo no jogo de forma que as missões mais repetitivas não passassem a impressão de “obrigação”. A comparação com GTA no início do texto acaba voltando aqui: no jogo da Rockstar, mesmo as side quests eram contextualizadas e, antes de tudo, opcionais. Você tem a história e você tem as “gorduras adicionais” correndo em paralelo, mas nunca uma depende da outra.

Em Maneater, esse caráter processual da progressão acaba matando a diversão de um jogo que, tirando isso, poderia agradar muita gente. Tomara que eventuais DLCs (o jogo parece praticamente feito para que elas existam aos montes, vale citar) consertem isso de alguma forma, porque definitivamente essa é uma produção permeada por esforço dos desenvolvedores. Infelizmente, suas qualidades estão submergidas bem a fundo em um mar de repetições enfadonhas. Os mais puristas vão querer encontrar tudo isso, mas os jogadores mais simplistas vão ignorar antes de chegar lá.

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*Maneater está disponível para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC. No Canaltech, o jogo foi analisado no PS4 com cópia gentilmente cedida pela Deep Silver.