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Análise | Ghost of Tsushima encerra era do PlayStation 4 com narrativa brilhante

Por| 14 de Julho de 2020 às 11h00

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Sony Interactive Entertainment
Sony Interactive Entertainment
PlayStation 4

Os estúdios Sucker Punch estão em uma posição irônica: com InFamous: Second Son, a empresa foi uma das primeiras a abrir a atual geração de consoles, sendo este um título de lançamento do PlayStation 4. Agora, com a iminente chegada do PlayStation 5, a companhia retorna para fechar a linha que ajudou a abrir com Ghost of Tsushima, o último jogo exclusivo do console da Sony.

E tal qual se antecipava o hype, todas as expectativas foram muito bem respondidas aqui. Embora não esteja livre de erros e não tenha um gameplay único, Ghost of Tsushima se firma como uma experiência lúdica que o posiciona como um bom candidato a jogo do ano de 2020.

Isso dito, as inconsistências trazidas pelo título não são grandiosas a ponto de dinamitar o seu poder de atração, mas isso não significa que possamos simplesmente ignorá-las, pois elas são variadas, em um número um pouquinho maior do que a Sucker Punch gostaria de admitir. Confira nossas impressões finais neste review.

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Primeiramente, a premissa: Ghost of Tsushima é ambientado no ano de 1274, quando tivemos a primeira das duas invasões do Império Mongol no Japão. Fiel aos registros históricos, o jogo mostra como os invasores inimigos arrasaram a ilha de Tsushima, atropelando as defesas quase mambembes postas pelos habitantes da ilha, que se constituíam de alguns samurais e muitos pescadores e agricultores.

Aqui, houve uma preocupação da Sucker Punch em retratar o medo e as incertezas vividas pelos habitantes locais frente a um inimigo novo: por toda a ilha, os cenários muito amplos estão fragmentados por árvores em chamas, cadáveres largados em campos e estradas, pessoas enforcadas dependuradas em troncos grossos. E no meio de tudo isso, Jin Sakai, um samurai que sobreviveu a um dos encontros entre o exército japonês e as forças invasoras apenas para ver não apenas amigos, mas o seu próprio estilo de vida desafiados por algo que ninguém sabe exatamente como lidar.

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Jin é muito mais que um protagonista estabelecido como uma peça central em uma narrativa que mostra o povo japonês dividido, ora buscando manter-se no caminho da honra (como regem os samurais do jogo), ora aceitando contornar ou mesmo violar essa percepção já que o inimigo à frente não joga pelas mesmas regras. Isso se reflete muito em Jin Sakai, que, ao longo de toda a história, se mostra em conflito consigo mesmo, sendo forçado a adotar um meio de combate “desonrado” ao mesmo tempo em que começa a se acostumar com a ideia de que “inimigos novos” resultam em “abordagens novas”. Em jogos anteriores, a Sucker Punch forçava o jogador a tomar essa decisão: aqui, ela já foi tomada e o que vemos é a consequência disso tudo.

O Canaltech conversou recentemente com um dos produtores de Ghost of Tsushima e cofundador da Sucker Punch, Brian Fleming, e ele ressaltou isso de forma sucinta:

“Os jogos da franquia InFamous tinham essa premissa de perguntar ao jogador ‘O que você faria se tivesse superpoderes? O que aconteceria se você fosse, de repente, um deus?’. Quando começamos esse desenvolvimento, pensamos sobre como Jin Sakai se sentiria ao abandonar o caminho tradicional dos samurais em favor do ‘Caminho do Fantasma’. Queríamos que o jogador sentisse o mesmo em ambos os cenários, então nossa ideia foi de inserir o jogador nessas situações e criar uma percepção mais autêntica do que Jin estava sentindo”.

De fato, a maioria dos momentos em que você tem opções de resposta a diálogos, elas só servem para alterar uma ou duas falas das personagens envolvidas. Mesmo no final, uma decisão potencialmente poderosa, acaba tendo um efeito mínimo, já que o “pós-jogos” é sempre o mesmo, independentemente do seu caminho.

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A missão foi bem cumprida, mas não sem percalços. Embora o ator Daisuke Tsuji (Cartas de Iwo Jima e jogos como Call of Duty: Black Ops 4 e Prey) entregue uma atuação primorosa ao dar vida a Jin Sakai, ele não é exatamente um personagem que extrai empatia do jogador. Boa parte das interações nas cinemáticas são relativamente medianas, e seu talento só se torna mais evidente na segunda metade do jogo, quando esse conflito fica mais impactante em conversas do personagem com seu tio, Shimura, o senhor da ilha de Tsushima (ou Jitō). Além de ser uma figura paterna para o protagonista, ele o treinou desde a adolescência nos caminhos dos samurais. Eventualmente, as diferenças de filosofias de vida dos dois entram em conflito direto e o resultado disso é uma obra dramática que deixaria Akira Kurosawa orgulhoso.

Falando no lendário cineasta japonês, aliás, a Sucker Punch dedicou um esforço especial em criar um “modo Kurosawa” para o jogo, passando uma autêntica experiência de filmes nipônicos antigos. Tal qual as obras do diretor, falecido em setembro de 1998, Ghost of Tsushima se destaca ainda mais em visual “preto-e-branco” (P&B), mas engana-se quem pensa tratar-se apenas de um filtro. Kurosawa é, até hoje, estudado em faculdades de cinema por sua composição ímpar em filmes sem cor - seus tons de preto são diferenciados, o áudio segue outros padrões, a granulação do filme é mais acentuada... Em entrevistas passadas, o pessoal da Sucker Punch detalhou toda essa pesquisa semiacadêmica, bem como uma jornada até o Japão para conseguir a permissão dos filhos de Kurosawa para criar esse formato específico. Não muda em nada o gameplay do jogo, mas não deixa de ser uma agradável surpresa, principalmente quando o visual se alia ao tom semi-realista da história do título.

E, sem spoilers aqui, se prepare para uma montanha-russa emocional nas duas ou três horas finais do jogo. Arrisco dizer que os mais sensíveis a uma boa história, como eu admito ser, passarão pelo mesmo, ou bem perto disso.

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Jogabilidade com respeito histórico

Ghost of Tsushima traz, em seu gameplay, um grande apreço pela cultura japonesa. No papel de Jin Sakai, você, sua fiel katana e sua notável Tantō (respectivamente, a tradicional espada dos samurais e uma espada mais curta, comumente usada como último recurso de defesa em combate ou nos rituais de seppuku, o “suicídio pela honra”) têm o melhor dos dois mundos à disposição. Com a arma menor, os momentos de furtividade a veem brilhar em ambientes noturnos, assassinando inimigos desavisados que cometem o erro mortal de lhes darem as costas ou não vê-lo em um telhado acima, ou escondido na grama alta.

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Já com a arma maior, o combate abre um leque de opções que varia muito conforme o contexto. Você tem o “stand off”, que remete aos clássicos duelos de espadas do cinema japonês, em que um único golpe finaliza o conflito; além dos confrontos um a um, relegados a chefões cuja narrativa justifica uma necessidade maior do que uma morte simples. Fora isso, o combate tradicional permeia a maior parte do jogo, com você enfrentando inimigos de variados estilos em combates que envolvem quatro posturas diferentes - cada uma mais adequada para os vários oponentes que você enfrenta.

E você vai enfrentar muita gente. Longe do jogo tentar passar a ideia de que Jin Sakai é o “exército de um homem só”, Ghost of Tsushima consegue ser imperdoável em certos embates, por vezes jogando seis, sete e até oito inimigos contra você. Graças a uma inteligência artificial (IA) mais trabalhada, eles não vão atacá-lo ao mesmo tempo, mas os intervalos entre um oponente e outro serão bem curtos, a ponto de incomodar seu senso de segurança. Usar um parry nem sempre significa ter tempo para contra-atacar, já que o inimigo ao lado resolve se mexer. Isso tem o propósito de tornar o jogo mais imprevisível, diante de uma mecânica que, sem isso, poderia se tornar bem repetitiva.

O mapa é que pode ser um ponto crítico para o jogador. Dependendo do seu gosto, a magnitude da ilha de Tsushima pode lhe atrair ou lhe afastar, simplesmente porque há muito o que fazer aqui.

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Ghost of Tsushima tem uma grandequantidade de materiais e localidades encontráveis, entre acampamentos inimigos, fortalezas japonesas invadidas, templos para reza, histórias e mitos que requerem uma missão especialmente dedicada a elas. Também há side quests voltadas a narrativas secundárias envolvendo seus amigos (que, aliás, não impressionam muita coisa em sua atuação), matérias-primas para a construção e aprimoramento de espadas, armaduras, arcos pequenos, arcos longos, mais munição... Ghost of Tsushima tem tanta coisa para ser feita que, em um jogo cuja narrativa principal fica entre 30 e 40 horas, você chega facilmente a 80 horas de partida e, ainda assim, pode faltar algumas coisas para você achar.

Por isso fica o aviso para dedicar um tempo às side quests deste jogo. Algumas parecem um tanto quanto forçadas, mas a maior parte pode lhe trazer recompensas bem interessantes.

Narrativa é o grande trunfo

O maior trunfo de Ghost of Tsushima é sua narrativa. Um grande problema da condução dessa história é que apenas um ou outro personagem a carrega nas costas, enquanto outros coadjuvantes são apenas isso, coadjuvantes. Nomes como “Yuna” e “Senhora Masako” tentam trazer um certo impacto dramático, mas, apesar de todas as agruras vividas em suas histórias pessoais, as reações extraídas delas raramente passam de “Ok”.

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Nem mesmo o vilão fictício Khôtun Khan (vivido por Patrick Gallagher) serve para trazer algum senso de infâmia. Permeados pelo jogo há relatos de interações dele com outros japoneses, que tentam esmiuçar mais o personagem como um homem sádico, porém inteligente e politicamente bem versado, mas mesmo as maiores atrocidades que ele comete trazem mais impacto nos atos em si do que o fato de ter sido ele que as cometeu.

Em compensação, o já mencionado Lorde Shimura leva o segundo e terceiro atos praticamente sozinho, e olha que ele aparece relativamente pouco. Já o conflito interno vivido por Jin Sakai e a forma como a progressão da história do jogo o vai mudando aos poucos, indo de um “samurai temente a um código de honra” para o “guerreiro que topa qualquer transgressão para derrubar seu inimigo” traz reações quase palpáveis do jogador.

Para quem curte uma história muito bem contada, mas deseja fugir do estereótipo ocidental de narrativa, Ghost of Tsushima é um prato cheio.

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GOTY?

Ghost of Tsushima é um bom candidato ao prêmio de “Jogo do Ano” de 2020. Ele vai levar o prêmio? Provavelmente não, considerando que temos pesos-pesados como The Last of Us Part II e Final Fantasy VII Remake na jogada. Ademais, vale citar que a pandemia da COVID-19 nos privou de muita coisa nos games: Cyberpunk 2077, por exemplo, dificilmente chegará a tempo de participar da competição este ano, mas estaríamos falando a mesma coisa desta produção da Sucker Punch se a situação fosse diferente?

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É difícil dizer, mas nada disso deve impedir você de jogar Ghost of Tsushima. O jogo tem suas inconsistências e até alguns bugs facilmente solucionados por patches, mas, no geral, é uma experiência sólida, robusta e que traz um enorme senso de carinho e respeito da Sucker Punch pela cultura japonesa dos tempos do xogunato. Se cultura japonesa, histórias épicas e a possibilidade de conhecer um pouco mais da história real de um dos países mais avançados do mundo lhe apetecem, este jogo tem tudo isso.

Ghost of Tsushima será lançado no dia 17 de julho, exclusivamente para PlayStation 4. No Canaltech, o jogo foi analisado no PS4 com cópia digital gentilmente cedida pela PlayStation.