O que é um jogo shoot ‘em up, os famosos jogos de navinha?
Por Gabriel Cavalheiro • Editado por Jones Oliveira |

O ano era 1986 e todos os jogadores do Japão e da América do Norte que tinham um Nintendinho já podiam pegar um cartucho de 1942, da Capcom, e começar a enfrentar hordas de inimigos pelos céus. Apesar de serem praticamente plug & play, os shoot ‘em up, também chamados de shmups ou STGs, fazem parte de um gênero bem complexo de se definir e que engloba muitas características particulares.
- O que é um jogo side-scrolling? A história do gênero de Super Mario e Sonic
- O que realmente é um JRPG?
Apesar de não ser surpresa para alguns, os famosos jogos de navinha estão sob o guarda-chuva amplo dos shooters, como os shmups eram denominados antes da popularização de outros termos.
Mesmo com uma premissa de gameplay um tanto simples, é bem complexo definir o que é um shoot ‘em up. Não, nem todo jogo de navinha é de fato um shmup.
Assim como vários outros gêneros, muitos títulos desse estilo acabam ficando em uma zona um pouco nebulosa, principalmente porque não há necessariamente um consenso entre os jogadores do que de fato é um shoot ‘em up. É quase como se os fãs do gênero soubessem identificá-los ao ver um, mas não conseguissem explicar exatamente o que é.
Pensando nisso, o Canaltech trouxe um panorama sobre o que são os famosos jogos de navinha, o que define um shoot ‘em up, a história desse gênero e muito mais.
O que é um shoot 'em up?
A definição e a criação do gênero shoot ‘em up rendem discussões até os dias de hoje. Os shmups fazem parte dos shooters, que por sua vez estão abaixo dos gêneros de jogos de ação. Outros estilos, como FPS, rail shooter e até mesmo run and gun, podem ser considerados primos dos shmups, principalmente por também serem shooters.
Os jogos de navinha consistem, principalmente, em desviar de projéteis e aprender com padrões dos inimigos para progredir nas fases. Essa explicação é muito simples e por vezes rasa, por isso vamos tentar aprofundar mais o conceito do gênero.
E se dissermos que Space Invaders e até o clássico Fantasy Zone, da SEGA, na verdade não são shoot ‘em ups?
Apesar de parecer loucura, é possível fazer essa afirmação se levarmos em consideração três pilares para que um jogo seja, de fato, um shmup. Esses pilares vão de acordo com critérios estabelecidos por Mark 'ElectricUnderground', criador de conteúdo sobre jogos de ação retrô, em especial shoot 'em ups.
1. Liberdade de movimentação
O primeiro critério que define um shoot ‘em up clássico como o conhecemos é a liberdade de movimentação. Seja o seu personagem uma nave, um veículo, um animal ou uma pessoa, ele precisa se mover livremente pela tela em oito direções. Outro ponto levantado por Mark é que o personagem não pode ser afetado pela gravidade.
Contra é um excelente exemplo para este caso. No run and gun da Konami, controlamos soldados que combatem forças alienígenas com armas e saltos. Note que há uma espécie de gravidade em Contra que faz com que nossos bonecos fiquem sempre no chão, a não ser que pulemos.
A maioria dos shmups não se prende a nada disso; a liberdade é total. Claro que um ou outro jogo quebra essa regra, mas esse é o motivo pelo qual nem todos concordam que games como Galaxian, Galaga ou mesmo Space Invaders sejam shoot ‘em ups, já que a nave fica fixa na borda inferior da tela. Para resolver essa questão, Mark os considera "proto-shmups": a pré-história do gênero, os jogos que ajudaram a moldá-lo.
2. Rolagem automática de tela
A rolagem automática é um dos critérios mais polêmicos, pois muitos jogos considerados shmups pelo senso comum acabam sendo descartados do gênero por não a possuir. Os shoot ‘em ups estão intimamente ligados à velocidade, ao tempo e ao ritmo.
Os jogos mais famosos do gênero, principalmente os clássicos, contam com rolagem automática de tela — seja ela vertical (como em Twin-Bee e Ikaruga) ou horizontal (a exemplo de Macross e Aerial Assault).
Para testar se o jogo tem rolagem automática, basta começar a aventura e não tocar nos controles. Se o cenário continuar se movendo e os inimigos continuarem aparecendo, você muito provavelmente está diante de um shmup.
Essa rolagem automática precisa acontecer independentemente do movimento do jogador, pois está diretamente ligada à mecânica do jogo. É por isso que alguns podem não considerar títulos como Fantasy Zone um shoot ‘em up, já que a tela não rola sozinha e depende do movimento do jogador.
Embora possa não ser exatamente um shmup neste critério, o jogo de navinha esquecido pela SEGA é comumente identificado como um cute ‘em up, um subgênero dos shmups.
3. Combate focado no desvio de projéteis
Apesar de simples, o último critério é elementar para o gênero. A base de todo jogo de navinha deve ser o combate focado no desvio de projéteis. Nele, deve ser possível atirar e se esquivar de balas inimigas enquanto você se move em oito direções e a fase avança automaticamente.
Há outras mecânicas básicas, como sistemas de pontuação, power-ups, habilidades especiais, suporte e bombardeio. Enfim, são muitos os elementos a se explorar.
No fim das contas, o objetivo é aprender os padrões de projéteis, de inimigos e das fases para progredir. Nos bullet hells, por exemplo — um subgênero de shoot ‘em up onde os projéteis inundam a tela —, desviar das balas e aprender esses padrões é ainda mais fundamental. Lembre-se, então, que em um shmup você precisa, primordialmente, sobreviver até derrotar os chefões.
Embora sejam três critérios sólidos, muitos jogadores ainda usam conceitos mais amplos, que acabam englobando vários outros shooters. No fim das contas, mesmo que existam conceitos por trás do gênero, o mais importante é a sensação que vem à tona durante a jogatina.
Como surgiram os shoot 'em ups?
Mas, afinal, como surgiram os shoot 'em ups? Como em quase todo estilo de jogo, a origem dos shmups é muito debatida e incerta. Por isso, separamos alguns jogos que foram fundamentais para a construção do estilo, com foco nos títulos lançados nas décadas de 1970 e 1980.
Para entender o início dos shoot ‘em ups, primeiro precisamos compreender a origem dos shooters. Embora sejam infinitamente mais populares nos videogames, os primeiros shooters remontam ao século XX, em jogos mecânicos. O estilo foi empregado pela primeira vez em um 'dispositivo eletrônico' em Spacewar!, um jogo de combate espacial que surgiu no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em 1962.
Como dito anteriormente, os "proto-shmups" foram os jogos que ajudaram a construir o gênero, com Space Invaders — lançado para arcades em 1978 — sendo considerado o pai do estilo. Outros shmups surgiram logo em seguida, como Galaxian e Asteroids, ambos de 1979.
Os arcades foram as primeiras casas dos jogos de navinha, por isso era comum títulos do gênero abraçarem sistemas de pontuação mesmo nos consoles. O famigerado Aero Fighters, por exemplo, concedia vidas ao bater certa quantidade de pontos, algo que muitos jogos faziam na época.
Inimigos que se mexem!
Após o sucesso estrondoso de Space Invaders, não demorou para que o mercado se movimentasse e mais propostas parecidas para os arcades surgissem. Em 1979, a Namco deu vida a Galaxian, jogo no qual controlamos uma nave para a direita ou esquerda enquanto tentamos aniquilar hordas de insetos alienígenas.
A premissa de Galaxian pode parecer bem semelhante à de Space Invaders, contudo, tinha um detalhe que mudava o jogo: os inimigos se moviam livremente em direção aos jogadores, criando ainda mais dinamismo, ritmo e velocidade às partidas.
O primeiro shoot ‘em up
Quando falamos do primeiro shoot ‘em up de fato — aquele que deu forma aos jogos de navinha como conhecemos —, Defender, lançado em 1981 para os arcades, definitivamente ocupa esse posto. Embora, assim como Fantasy Zone, não seja um jogo puramente de rolagem automática, ele ainda é considerado por muitos como o progenitor do gênero.
O jogo foi extremamente importante para a fundação do estilo, principalmente por trazer elementos como movimentação multidirecional em rolagem horizontal, inspirando títulos futuros como R-Type, Macross e outros jogos.
Defender não é visto apenas como um dos jogos mais importantes dos games de navinha, mas também da era de ouro dos arcades. O jogo foi desenvolvido pela Williams Electronics, que se inspirou em shooters como Space Invaders e Asteroids para criar o shoot ‘em up de rolagem horizontal.
No fim das contas, Defender fez um tremendo sucesso e arrecadou mais de US$ 1 bilhão, garantindo a sexta posição na lista dos jogos de arcade mais vendidos de todos os tempos.
Namco retorna aos shoot ‘em ups
Um ano depois de Defender, a Namco retornaria à cena trazendo Xevious, um dos shoot ‘em ups mais influentes de todos os tempos.
Diferentemente do jogo de vetores da Williams, Xevious foi responsável por popularizar os shmups com rolagem vertical. Sua grande influência veio de várias inovações, incluindo um sistema com dois tipos de armas — uma para inimigos aéreos e outra para alvos terrestres —, algo que foi amplamente adotado por inúmeros shooters posteriormente.
Xevious substituiu as monótonas telas pretas que eram cenário da esmagadora maioria dos shoot 'em ups da época, trazendo terrenos detalhados, como rios, florestas e até as famosas Linhas de Nazca. O cenário era palco de batalhas contra chefes mais complexas, garantindo mais alguns pontos para o shooter da Namco.
Surgimento do Konami Code
A Konami também queria uma fatia dessa pizza e, em 1985, a companhia trouxe ao mundo Gradius, ícone do gênero e um dos jogos de navinha mais populares de todos os tempos. O título foi responsável por dar uma dose extra de desafio e estratégia aos shoot ‘em ups horizontais, trazendo um sistema de power-ups que permitia ao jogador escolher entre diversas melhorias.
Gradius também foi responsável por popularizar o famoso Konami Code no Nintendinho, um comando desenvolvido inicialmente para que os desenvolvedores testassem os jogos mais facilmente, mas que acabou se tornando uma lenda urbana muito utilizada pelos jogadores.
Outro destaque foram as diferentes estruturas e cenários que o shooter trouxe, dando um toque maior de estratégia na jogatina.
R-Type: dificuldade elevada e level design de primeira
Falando em dificuldade, R-Type foi outro jogo a popularizar a fama de dificuldade elevada nos shoot ‘em ups. O título foi marcado por um level design elaborado e por trazer a mecânica de um aliado que ajudava no combate, também utilizada por muitos outros shooters depois dele.
O jogo se destaca por seus belíssimos cenários no arcade, que misturavam elementos biomecânicos e vida extraterrestre. Assim como Gradius, R-Type é um jogo de rolagem horizontal cuja influência perdura até hoje.
Tipos e subgêneros de jogos de navinha
A partir dessa evolução, surgiram diferentes estilos. Veja abaixo os principais subgêneros do shoot 'em up, incluindo aqueles que não seguem estritamente todos os critérios que mencionamos.
- Scrolling Shooters: Um dos tipos mais comuns, são os shmups com rolagem automática. Podem ser verticais (Tate) ou horizontais (Yoko).
- Multidirectional Shooters: Jogos onde os personagens podem se mover e atirar em qualquer direção, como os famosos twin-stick shooters.
- Tube Shooters: Simulam um tubo virtual pseudo-3D onde a nave se move em 360 graus.
- Bullet Hell: Famosos pelas telas lotadas de projéteis que exigem reflexos e memorização de padrões.
- Cute ‘em up: Subvertem a temática militar ou de ficção científica com visuais fofinhos e coloridos.
- Isometric Shooter: Raros, utilizam uma perspectiva isométrica, como em Zaxxon.
-
Run and gun: Considerados primos dos shmups, misturam tiro com elementos de plataforma.
Jogos shoot 'em ups essenciais: do clássico ao moderno
Dezenas de jogos foram citados, mas quais são os clássicos mais aclamados desde a era de ouro até os dias de hoje? Confira a lista de cinco jogos de navinha que marcaram a história do gênero:
5. Radiant Silvergun
Uma das desenvolvedoras mais importantes do Mega Drive, a Treasure trouxe ao mundo Radiant Silvergun em 1998 para os arcades e o SEGA Saturn. Hoje, o shooter está disponível no PC, Nintendo Switch e Xbox via retrocompatibilidade.
O shoot 'em up ficou marcado por sua trilha sonora, composta por ninguém menos que Hitoshi Sakimoto, compositor japonês que trabalhou em jogos como Final Fantasy Tactics e Vagrant Story. Outro ponto de destaque para Radiant Silvergun é seu sistema de pontuação em cadeia, junto de um leque generoso de diferentes tipos de armas.
4. Ikaruga
Ikaruga é uma espécie de sucessor espiritual de Radiant Silvergun e também foi produzido pela Treasure. O shoot ‘em up chegou aos arcades, Dreamcast, GameCube, PlayStation, Nintendo Switch e PC.
Seu principal destaque foi a mecânica de polaridade, onde a nave pode alternar entre as cores branca e preta para absorver projéteis da mesma cor ou causar mais dano na cor oposta. Ikaruga também é conhecido por sua dificuldade elevada.
3. R-Type Final 2
Falando em jogos modernos, R-Type Final 2 chegou ao mercado em 2021 para consoles modernos, sendo uma sequência direta de R-Type Final, lançado para PlayStation 2 em 2003.
O lançamento marcou o fim de um hiato de quase 18 anos sem que a série de shoot 'em up visse a luz do dia. O shmup horizontal traz uma seleção de naves bem generosa, gráficos modernos que não abandonam sua pegada retrô e conta com um drone destacável chamado Force.
2. Gradius V
Hitoshi Sakimoto voltaria a compor para um jogo da Treasure em Gradius V, projeto desenvolvido em parceria com a Konami.
Gradius é uma das séries de shoot ‘em up mais tradicionais do gênero. O quinto jogo da franquia foi lançado em 2004, exclusivamente para PlayStation 2. Gradius V se destaca pela personalização de power-ups e por recursos como checkpoints e renascimento instantâneo, algo não muito comum para a franquia na época.
1. Mushihimesama Futari
Assim como a Treasure, a desenvolvedora Cave também é amplamente aclamada por suas contribuições para os jogos de navinha, sendo conhecida principalmente por seu pioneirismo no subgênero bullet hell.
Um de seus jogos, Mushihimesama Futari, traz o que chamamos de um show de luzes mortal, com uma chuva de projéteis coloridos e brilhantes na tela que exigem alerta máximo dos jogadores. O jogo possui uma temática de fantasia com insetos gigantes, lançado originalmente para o Xbox 360 e, hoje, disponível para PC.
O estado atual dos shoot 'em ups
Apesar de sua intensa popularidade na era de ouro dos arcades e consoles retrô, o gênero shoot 'em up não é tão badalado nos dias de hoje. Com jogos cada vez maiores, focados em gráficos realistas e aventuras AAA megalomaníacas, as "navinhas" acabaram perdendo espaço.
Contudo, desenvolvedores indie vêm sustentando os shmups e muitos outros gêneros clássicos, trazendo inovações e misturas criativas. Os shoot 'em ups também se mantêm vivos através de coletâneas que reúnem shooters clássicos em plataformas atuais, principalmente no PC e no Nintendo Switch.
Para quem quer experimentar alguns desses títulos que levam o gênero a outro patamar ou introduzem elementos de outros estilos, recomendamos Super Star Path, um shooter que mistura quebra-cabeça e shmup, e Minishoot' Adventures, que incorpora elementos de metroidvania.
No fim, o gênero shoot 'em up vem sendo conservado principalmente por sua comunidade ávida em fóruns, redes sociais e grupos internet afora. Apesar de ser um estilo de nicho, os fãs fazem um esforço para tentar manter a história e o acesso aos jogos shoot 'em ups vivos.
Leia também no Canaltech: