Master System no Brasil: por que vendeu por tantos anos?
Por Gabriel Cavalheiro • Editado por Jones Oliveira |

Se hoje você joga videogames no Brasil, saiba que uma das maiores responsáveis pela popularização dos games no país foi a TecToy. A empresa surgiu em 1987 com foco no segmento de brinquedos e ascendeu como uma das maiores empresas de entretenimento do país ao trazer o Master System, console da japonesa SEGA, ao Brasil nos anos 1990.
Essa parceria foi tamanha que a TecToy cuidou do lançamento de todos os consoles da criadora do ouriço azul, incluindo os menos populares Saturn e Dreamcast. Essa distribuição de hardware durou tanto que, mesmo após a SEGA sair do mercado de fabricação de consoles em 2001, a TecToy continuou vendendo o Master System. E, pasmem, o console pode ser encontrado facilmente em qualquer marketplace online ainda hoje.
Mas, afinal de contas, por que o Master System vendeu por tantos anos no Brasil? Pensando em responder esta pergunta, o Canaltech reuniu tudo o que você precisa saber sobre a parceria lendária entre a TecToy e a SEGA, que ajudou a popularizar os videogames no Brasil.
A arma que trouxe a SEGA para o Brasil
Antes mesmo de protagonizar a guerra dos consoles contra a Nintendo, que no fim dos anos 1980 era vista como a salvadora do mercado de jogos no Ocidente, a SEGA estava começando a construir seu império de forma tímida e debaixo do nariz da Big N.
Apesar de não fazer tanto sucesso nos EUA e Japão, o Master System (também conhecido como SEGA Mark-III) foi marcado por sua importância em regiões como Austrália e Europa. No Ocidente, a japonesa levou seu console junto da Light Phaser: pistola de luz usada em alguns jogos. No entanto, a companhia abordou o acessório de maneira diferente no Japão, atrelando a Light Phaser a um anime chamado Zillion, que era financiado pela própria SEGA.
Na animação os protagonistas usavam armas parecidas com a pistola de luz, que adotaria o nome "Zillion". O acessório rapidamente foi transformado em um brinquedo no estilo Laser Tag e a SEGA buscou licenciá-lo em outros países.
Do outro lado do mundo, a TecToy surgiu com o propósito de explorar o mercado de brinquedo de alta tecnologia e investiu alto para trazer não apenas a Zillion, como também o anime de mesmo nome para o país em 1988 — uma aposta muito grande na época. Foi assim que começou a parceria entre a SEGA e a TecToy, já que o acessório e o anime foram muito populares no país, o que introduziu muitas crianças e jovens à cultura dos animes no fim dos anos 1980.
A TecToy já mostrou suas intenções desde o início e não só trouxe esses produtos para o Brasil como localizou, distribuiu, divulgou e deu assistência a esses produtos, o que acabou em um verdadeiro sucesso comercial, surpreendendo até mesmo a SEGA.
Master System aterrissa no Brasil
Apesar de um início badalado, se engana quem pensa que trazer o Master System para o Brasil seria fácil. Isso porque, no Brasil, estava em vigor a política de Reserva de Mercado de Informática, criada nos anos 80 e que cessaria em 1991 para atrair capital estrangeiro. A medida tinha como objetivo no papel fomentar a produção nacional de tecnologia, o que proibia a importação de produtos de outros lugares do mundo.
Na prática, isso restringia a participação de fabricantes de consoles no Brasil, que precisavam de algum representante local que fabricasse ou montasse os videogames por aqui. Nesta época, o mercado de games estava inundado por clones do Atari 2600 e do Nintendinho, como o famoso Phantom System que contava com processador de 8-bits Z80 da Zilog.
A SEGA tinha a intenção de lançar o Master System no país, mas para isso precisava de uma representante. No entanto, a TecToy não era a única interessada em distribuir o console no país: a Gradiente também estava de olho neste mercado. Como já sabemos, a TecToy acabou ganhando essa quebra de braço, até pelo sucesso do Zillion. Mais tarde a Gradiente também entraria no mercado de consoles, formando a PlayTronic com a Estrela para trazer ao Brasil o lado vermelho da força: os consoles e jogos da Nintendo.
Cenário econômico moldou como o brasileiro consome videogames
Falamos rapidamente dos famosos clones, consoles que, na época da Reserva de Mercado de Informática, eram cópias de hardware de jogos já existentes no mercado externo, como o Nintendinho, fabricados através de engenharia reversa. Empresas como a Gradiente e a Dynacon foram as principais marcas neste segmento e, apesar da controvérsia sobre plágio, era possível ver um Phantom System em qualquer varejo por aqui.
A realidade é que os clones eram o reflexo da condição econômica do país que, na época, havia acabado de sair de mais de duas décadas de ditadura militar, período marcado por várias crises econômicas. O acesso à tecnologia era complicado, principalmente pela ausência de empresas estrangeiras durante os anos 1980.
Em 1994, o governo de Itamar Franco lançava o Plano Real, medida econômica que visava a criação da moeda real para combater a inflação — que chegava a bater 3.000% ao ano no país. A estabilização fiscal aumentou o poder de compra dos consumidores na época, tempo em que o salário mínimo beirava os R$ 70 e que nossa moeda estava frente a frente com o dólar.
Quando o Brasil abriu de vez as porteiras para empresas estrangeiras, os consoles chegavam por aqui, mas o grande problema eram os jogos, muito caros na época. Por isso, após os anos 2000 se estruturou uma verdadeira cultura de pirataria no mercado de jogos brasileiros, o que alavancou a popularidade de videogames como PlayStation, PlayStation 2 e Xbox 360. Na maioria das vezes, as pessoas não sabiam que comercializar e adquirir jogos falsos era crime.
Os três jogos por R$ 10 em feiras e bancas se tornou lei e, goste ou não, virou parte do DNA dos jogadores brasileiros, visto que esses jogos eram mais acessíveis na época. O Xbox 360, por exemplo, deslanchou de popularidade por ser mais fácil de piratear na época. Tudo isso é reflexo de um público brasileiro que até hoje sofre para pagar por lançamentos que parecem cada vez mais caros, chegando a R$ 400 ou R$ 500.
Foi em todo esse cenário que a TecToy se fortaleceu ao longo dos anos e permitiu o acesso facilitado a consoles, mesmo depois de anos. Afinal, um videogame novo em 2009 era tão caro que muitos pais optavam pelo bom e velho Master System, que tinha um preço acessível e, às vezes, vinha com jogos na memória, a depender do modelo.
TecToy e sua postura agressiva com o Master System
Avançamos um pouco na linha do tempo, mas vamos voltar ao passado. Muito antes de chegarmos no Xbox 360, o Master System chegava ao país. A TecToy se mostrou uma verdadeira apostadora ao trazer o Zillion totalmente localizado e oferecer toda a estrutura para distribuição e comercialização.
Foi assim que a empresa lidou com o console da SEGA. A TecToy era extremamente agressiva em propagar a ideia do console de 8-bits por todo lugar que conseguisse, seja em comerciais de TV, anúncios em revistas e jornais. O grande feito da companhia brasileira foi não apenas trazer jogos com encartes traduzidos, mas localizar muitos deles aqui para o país.
E, não se engane, não estamos falando aqui de trazer legendas em português do Brasil, a coisa era mais séria. Estamos falando de uma estratégia de marketing nunca antes feita com consoles em território nacional. A TecToy licenciava personagens brasileiros e substituía sprites de jogos originais da SEGA.
É o caso de Wonder Boy III: The Dragon's Trap que por aqui virou Turma da Mônica em O Resgate. Também temos o Sapo Xulé (Wonder Boy), Chapolin vs. Drácula: Um Duelo Assustador (Alex Kidd in Shinobi World), Didi na Mina Encantada (Doki Doki Penguin Land). Enfim, a lista é extensa.
Essa estratégia foi um verdadeiro sucesso e aproximou ainda mais o público brasileiro dos videogames. O inglês sempre foi um idioma de muitas barreiras para jogadores brasileiros. Se está complicado hoje, imagine nos anos 1990. Graças aos esforços da TecToy, jogos como Phantasy Star, um RPG que contém textos essenciais para a progressão, foi completamente traduzido para o português.
Além disso, a TecToy desenvolvia seus próprios jogos e trazia ports ao sistema que beiravam o milagre, como Street Fighter 2 e Mortal Kombat 3, o primeiro um demake exclusivo que só podia ser jogado no Brasil. Se parar para pensar, tínhamos versões exclusivas no Brasil, assim como Europa, EUA e Japão, o que já era um marco gigantesco.
Todo esse esforço em nacionalizar a SEGA e seus consoles no Brasil fez um sucesso estrondoso e garantiu 8 milhões de unidades do Master System comercializadas em território brasileiro até 2016. Muitas dessas práticas só começaram a ser abordadas por marcas como a Nintendo em tempos recentes, enquanto a TecToy fazia isso nos anos 90.
Master System no Brasil: por que vendeu por tantos anos?
Após passar por todo esse panorama, agora podemos responder a pergunta: por que o Master System vendeu por tantos anos no Brasil?
A estratégia agressiva da TecToy em localizar o Master System no Brasil acabou se tornando um verdadeiro plano a longo prazo. Isso porque os videogames mais recentes e modernos eram muito caros para se adquirir por aqui, enquanto consoles mais antigos, como o hardware de 8-bits da SEGA, ficavam cada vez mais barato de se produzir. Mesmo depois de anos da sua chegada por aqui, o console se tornava cada vez mais acessível.
Além disso, a TecToy se reinventou e lançou diversos modelos do sistema ao longo dos anos. Desde edições limitadas, versões para públicos específicos como o Master System Girl, da cor rosa e que estampava a Turma da Mônica na caixa, até o Master System Evolution, que nem precisava de jogos à parte (eles já vinham na memória). Ao todo foram lançadas 16 versões da plataforma pela TecToy, o que ampliou ainda mais o mercado.
Outro ponto é que as crianças dos anos 90 cresceram e o Master System virou artigo de nostalgia, sendo uma opção de compra para esses mesmos jogadores que depois de anos já estavam com seus próprios filhos. E o presente era ideal, o Master System, principalmente os primeiros, era o 'Nokia dos consoles' e não quebrava de jeito nenhum. As mídias de cartucho também ajudavam na durabilidade, enquanto os CDs eram facilmente riscados e danificados.
A falta de concorrência na época também impulsionou os negócios de jogos eletrônicos da TecToy, apesar da tentativa da PlayTronic em trazer a Nintendo para o mercado brasileiro. A companhia brasileira na verdade criou um nicho de videogame oficial de baixo custo, ou seja, um hardware de entrada, segmento onde empresas oficiais não tinham o menor interesse. Enquanto isso, os clones acabavam perdendo na qualidade, que apesar de baratos, quebravam facilmente.
Podemos ver todos esses fatores convergindo para que a TecToy mantivesse o Master System no Brasil por décadas. Em 2012, o console ainda vendia 150 mil unidades por ano, algo impensável para um console que completava quase 30 anos de existência.
Poderíamos falar aqui por horas sobre como a TecToy inovou e liderou o mercado de games brasileiro. Depois da saída da SEGA do mercado de fabricação de consoles, a TecToy também acabou perdendo suas forças, mas não sem lutar. Pouco tempo depois a empresa faria seu primeiro console original, o Zeebo, que apesar de inovador estava muito à frente do seu tempo e fracassou.
Mais recentemente a empresa tentou embarcar no negócio de PCs portáteis com o Zeenix, que sofreu bastante, principalmente por seus preços. Infelizmente, o mercado de games mudou muito e fabricar consoles virou prejuízo até para grandes marcas, como a Microsoft que se afasta cada vez mais do modelo tradicional de hardware.
De qualquer forma, o Master System da TecToy ainda está entre nós, se não físico, em nossos corações e ficará para sempre no DNA da história de games no Brasil
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